Capítulo Quatro

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Mauro pinheiros:

— Me desculpa. — Repeti, as palavras saindo um pouco mais apressadas, antes de me retirar daquele encontro inesperado, com uma sensação confusa que tomava conta de mim.

Voltei para a mesa, sentindo a necessidade de escapar daquele lugar. Havia algo no homem do encontro anterior que despertou em mim um misto de nostalgia e apreensão.

Diana me olhou curiosa, mas eu insisti com meu pai que precisava retornar ao meu ateliê. Ele inicialmente protestou, mas cedeu diante da determinação em meus olhos. Diana ofereceu-se para cuidar das questões relacionadas à festa.

Deixei o salão às pressas, ansioso para deixar para trás aquele encontro desconfortável.

O sol escaldante de julho castigava as estradas asfaltadas, enchendo o ar com o aroma quase tóxico do asfalto sob o calor abrasador. O calor fazia o ar acima do solo tremeluzir como se estivesse prestes a se dissolver.

Naquele dia de sol abrasador, as ruas estavam estranhamente tranquilas, com um fluxo de tráfego surpreendentemente baixo, já que todos procuravam refúgio nos lugares mais frescos para evitar o calor sufocante.

Dirigi até meu ateliê em cerca de quarenta minutos, permanecendo no carro por um tempo, tentando entender a razão pela qual aquele homem desconhecido havia despertado tamanha inquietação em mim.

— Mauro! — Fui tirado de meus pensamentos pelo toque insistente de minha amiga, Clarice, batendo na janela do carro. — O que aconteceu? Quer conversar sobre isso? Você não deveria estar discutindo os detalhes da festa de aniversário com seu pai agora?

Abri a porta e desci do carro, cumprimentando-a. Ela estava vestindo uma blusa rosa, e seu anel cintilou enquanto ela tomava um gole de suco.

— Não, estou bem. Deixei meu pai cuidar das coisas por lá. Não adianta falar nada agora. — Encolhi os ombros, e ela riu.

— Seu pai, o Sr. Pinheiros, é realmente admirável. Sempre sabe o que quer, a qualquer momento. — Clarice comentou, e eu não pude deixar de concordar. — Quem me dera ter um pai como ele.

Eu nunca conheci a família de Clarice pessoalmente, mas ela havia compartilhado histórias de uma família problemática. Seu pai tinha uma educação em artes marciais, ciências e esoterismo em um monastério budista, mas ela sempre o descreveu como uma pessoa difícil de lidar. Ele a treinou nas artes marciais e envolveu-a em negócios obscuros que a afastaram de sua família.

— Mas tenho certeza de que tudo sairá perfeito. Seu pai é o mestre em escolher a decoração certa para qualquer evento. — Clarice continuou, passando seu braço pelo meu.

Entramos no ateliê, e a visão das telas, pincéis e tintas teve um efeito calmante sobre mim, contrastando com a tensão anterior.

No entanto, como em qualquer ambiente de trabalho, sempre havia alguém que perturbava nossa paz. E eu tinha o "prazer" de lidar com essa pessoa.

— Vejo que o sr. Ateliê perfeitamente organizado voltou. — Davion, um artista que sempre competia e provocava inveja, comentou com desdém. — Achei que você e sua fama não apareceriam mais por aqui, agora que vendem tantas obras.

Davion era o tipo de artista que se considerava superior devido à sua riqueza e educação em escolas renomadas de artes. O engraçado era que eu também tinha a mesma educação, mas não deixava isso me tornar arrogante como ele.

Nesse dia, ele estava vestindo uma camiseta de gola alta que escondia seu pescoço, juntamente com uma calça preta.

Ao seu lado estava Andy, seu assistente, que por azar do destino era seu meio-irmão. Andy era uma pessoa simpática, mas sofria por fazer parte da mesma família, suportando tanto a pressão de seu pai quanto a hostilidade de Davion. A mãe deles sempre protegia Davion, apesar de seu comportamento.

— Hoje não estamos com tempo para suas provocações, então suma daqui. — Clarice respondeu a ele do jeito que merecia.

Davion contra-atacou:

— Fique calada, demônio. Se não quiser que eu relate suas atitudes e ela seja demitida. Você sabe que este é o único lugar que a permite trabalhar.

Não consegui ficar calado diante daquela injustiça, então me intrometi:

— Vai em frente e conte. Nós temos testemunhas de como você nos provocou repetidamente sem motivo. E, a propósito, Sofia, que tanto admira meu trabalho e o da Clarice, estará interessada em ouvir que você a insultou. Pelo que parece, você tem um histórico de ofensas não provocadas.

Davion se viu sem argumentos e se afastou, dirigindo-se ao corredor que levava a sua própria sala. Andy o seguiu, com um sorriso discreto brincando nos lábios.

Algo que esqueci de mencionar sobre mim é que sempre resisti às injustiças e nunca aceitei ser calado ou reprimido.

— Isso ainda não acabou! — Davion disparou antes de desaparecer pelo corredor. — Vocês verão do que sou capaz.

Clarice retrucou, sorrindo com desdém na direção do idiota que se afastava:

— Estaremos esperando para ver o que você pode fazer.

— É impossível alguém ser mais babaca do que ele. — Acrescentou, enfatizando sua opinião sobre Davion.

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Retornamos ao meu ateliê, que ficava ao lado do de Clarice. Nos despedimos rapidamente, e eu entrei em meu próprio santuário criativo.

Minhas obras estavam cuidadosamente posicionadas, algumas quase concluídas e outras já finalizadas. Cada uma delas retratava paisagens diversas ou evocava emoções intensas em qualquer espectador.

Uma das peças que eu havia vendido recentemente transmitia a sensação de uma alma perdida no mundo. Era uma característica constante em todas as minhas criações, a ideia de alguém que havia perdido uma parte essencial de si e nunca mais a encontrou.

Eu estava trabalhando em uma pintura, os traços fluindo com destreza. A cena retratava uma figura solitária chorando na escuridão, mais uma vez evocando esse sentimento de melancolia que permeava minha arte. Terminei a pincelada final e fechei os olhos, soltando um suspiro profundo e tranquilo.

Quando abri os olhos e me deparei com a obra, a imagem da figura solitária me causou um desconforto imediato. Uma sensação de angústia se apossou de mim, acompanhada de uma súbita dor de cabeça.

— Não de novo... — Murmurei em voz baixa, enquanto uma sensação de déjà vu pairava no ar.

********************

Imagens surgiram em minha mente, uma cascata de lembranças que se desenrolaram diante de mim. Primeiro, vozes animadas, risadas preenchiam meus pensamentos, seguidas por gritos de raiva, e, por fim, as vozes melancólicas da tristeza.

As imagens ganharam forma, pessoas chorando ao meu redor, seus olhares fixos em minha direção. A grande maioria delas murmurava sobre como eu era uma pessoa tão jovem, lamentando a tragédia que havia acontecido.

Meus joelhos fraquejaram, e eu caí de joelhos no chão frio do ateliê, minha cabeça latejando intensamente. Lágrimas escorriam pelo meu rosto enquanto eu tentava compreender o significado perturbador dessas visões que me assombravam.

As vozes ecoavam em minha mente, um turbilhão de emoções e palavras que não consegui entender completamente. O peso das lembranças, a tristeza e o desespero das pessoas ao meu redor pareciam esmagadores.

Enquanto eu estava ali, ajoelhado, uma sensação de impotência tomou conta de mim. As lágrimas continuavam a escorrer, e minha cabeça latejava com intensidade.

Eu me esforçava para distinguir as vozes, para entender o que estava acontecendo, mas tudo era confuso, como peças de um quebra-cabeça desorganizado que se recusava a se encaixar.

Aos poucos, as imagens e vozes começaram a desaparecer, deixando-me com uma sensação de vazio e exaustão. Eu ainda estava ajoelhado, respirando pesadamente, tentando recuperar o controle de mim mesmo após aquela experiência avassaladora.

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Até a próxima 😘
 

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