Capítulo 37. O Peão

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"Insano, por dentro, o perigo me deixa louco
Não consigo me ajudar, tenho segredos que não posso dizer
Eu amo o cheiro da gasolina
Eu sempre gostei de brincar com fogo"

Play With fire - Sam Tinnesz

Quando eu era pequena, costumava ir a muitos médicos, clínicas especializadas e postos de saúde no meio da noite. Era incrível o fato de sempre haver algum problema a ser resolvido em meu corpo, desde meus pulmões se fechando até a descoberta da maldita inflamação em meu coração, a miocardite que milagrosamente se curou de forma natural.

Eu passava tanto tempo em mesas de exames ou tratamentos, que comecei a imaginar que os barulhos de vento ou de rangidos nas janelas, eram sinal de que os prédios estavam com raiva.

Quando eu entrava pela porta do hospital no meio da noite com minha mãe, escutava os estalos e os rangidos do local, o sopro de ar subir pelos meus calcanhares e fazer cócegas em meu coração. Essa sensação só ocorria quando eu estava com medo.

Naquele momento, enquanto a casa estalava e eu conseguia escutar qualquer ato de pedra e concreto ranger naquele local e o vento soprar em minhas canelas, Eris me olhava com expectativa, o olho esquerdo completamente vermelho deixando sua aparência bonita e macabra da pior forma possível.

Seus olhos que estranhamente mudavam de cor, estavam pregados ao meu rosto. Ele não estava me observando com o mesmo desprezo de antes, como se eu fosse uma minhoca se contorcendo em solo quente ou uma coisa tão pequena que me dar atenção, era o ato mais humilhante que ele poderia passar. Eris estava vigilante esperando algo, piscando as enormes pupilas coloridas em meu rosto e a maquiagem de seu rosto que em algum momento manchou as pontas de seus dedos e abaixo dos olhos.

Meu corpo se transformou em gelatina com a repulsa que comecei a sentir ao perceber que estava acuada.

Eris queria saber o que eu faria a seguir, se eu iria gritar como uma louca, se eu iria tentar fugir e causar um grande rebuliço. Provavelmente era isso que ele queria, que eu saísse correndo e me esquivasse de todos, transtornada e pedindo ajuda enquanto fugia da propriedade por estar supostamente presa em um antro de assassinos seguidores de uma seita que cultuava dragões.

Talvez ele quisesse que eu impedisse a festa de acontecer, talvez ele quisesse que eu envergonhasse os demais, talvez ele quisesse um motivo para Aiden se livrar de mim?

Eris estava tramando algo como Nicolas havia dito, mas ele era perigoso e imprevisível, não haviam muitas motivações para ele me dizer aquilo sem mais nem menos, porém o mais importante, era o fato de ele estar observando minhas ações depois da confissão estranha com tanta atenção.

Eris queria ver como eu iria agir, e dependendo do que eu fizesse, ele tomaria uma atitude importante e provavelmente perigosa.

Eu estava encurralada, tomando cuidado para não suar de nervosismo naquele silêncio, agradecendo ao frio que estava fazendo naquele local ao tempo em que a paranóia tomava conta de minha mente. Era como se Eris fosse uma pantera gigante e faminta, me esperando tomar a decisão de lutar contra ela pela minha própria carne, ou então me entregar voluntariamente como seu alimento.

Estaria ele blefando para me testar?

Em que tabuleiro de xadrez eu fui me meter?

Merda, eu estou com medo dele.

Eris estava esperando, meus dedos ameaçando a tremer quando me lembrei de todas as vezes em que o que ele disse fez sentido, de como eu estava acuada desde que cheguei até a mansão, desde que Eris esteve planejando toda aquela situação. Segurei o acolchoado de plástico do sofá, rangi os dentes enquanto sentia cócegas em meu coração e finalmente abri a boca para uma alta gargalhada explodir de minha garganta.

Amélia, Da Cor do Sangue ‐ Livro O1 {CONCLUÍDO}Onde histórias criam vida. Descubra agora