Capítulo O1. Tempestade

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"Deixe-a salvar o mundo, ela é apenas uma garota
Deixe-o salvar todos, ele é apenas um garoto"

Apple Tree - Aurora

A chuva estava ensopando meus sapatos e eu estava encharcada até os ossos. Apertei meus dedos, sentindo que estavam enrugados como uma uva passa, meus cabelos cheios e cacheados viraram um ninho embaraçado e meus óculos tortos embaçados me fizeram de toupeira cega no meio da tempestade.

Mas nada disso foi a pior parte do meu dia. O inferno que estava me incomodado era uma única coisa, tinha um nome simples e se chamava "demissão".

Eu havia sido demitida.

Toda vez que a palavra demissão ecoava em minha cabeça, formava um bolo na garganta e várias perguntas começavam a rodar com minha consciência tagarelando ininterruptamente que eu estava literalmente fodida em todas as posições que existem no Kama sutra, e também nas que não existem.


Minha bolsa de estudos depois de uma mensalidade não paga acabaria, e nem mesmo meu empre... Meu antigo emprego pagaria a mensalidade caríssima, até porque aquela bosta vencia no dia seguinte ao meu desespero na chuva.

É triste a vida de quem não passa em Universidade Federal.

Meu nariz entupiu, talvez por uma gripe ou porque eu estava chorando de forma horrível e humilhante. Agradeci ao barulho da chuva por abafar meus barulhos.

Olhei para minha caixinha de papelão com meus cadernos de anotações todos molhados, apenas o meu bonequinho de crochê de um coala estava inteiro.
Lembrei de minha irmã fazendo aquele boneco. Ela havia sido diagnosticada com autismo, e o crochê era um hobbie que ela encontrou para amenizar a ansiedade. Quando ela me entregou o crochê no aeroporto, eu chorei como nunca, e disse que deixaria todos orgulhosos, que daria uma vida melhor para eles depois de formada.

Eu havia acabado de falar com Carmem sobre minha demissão, mas não escutei o que ela respondeu, nem sei mesmo se ela respondeu, porque o celular apagou minutos depois que eu despejei minhas lamúrias no ouvido da garota.

Eu havia sido demitida!

Como eu iria pagar a maldita faculdade?

Segurei o boneco nas mãos e levantei, não sabendo muito bem para onde ir, porque meus óculos estavam cheios de gotas e se eu tirasse, era capaz de ser atropelada.

Bom, como um milagre ou tentação do tinhoso, a neblina abriu e enxerguei um letreiro colorido e neon. Era um bar um tanto chique, com portas de vidro e uma cascata de chocolate na entrada.

Eu não julgo as pessoas que me olharam com desgosto quando entrei, meu estado era mesmo lamentável. Ao menos o barman foi gentil comigo perguntando o que eu queria, e sinceramente eu não sabia, porque nunca tinha tomado uma bebida alcoólica na vida, ou seja, nunca aproveitei a identidade depois que fiz dezoito.

Plenos dezenove anos sem aproveitar a vida.

Aqueles nomes de bebidas eram diferentes para mim, e do jeito que os clientes e seguranças me olhavam, logo alguém iria me expulsar.

- Dia difícil? - Escutei uma voz masculina. Ele tinha os olhos vermelhos, mas não estava igual a mim, ele ainda estava discretamente chateado.

Amélia, Da Cor do Sangue ‐ Livro O1 {CONCLUÍDO}Onde histórias criam vida. Descubra agora