Capítulo 47. Suja de Fuligem Vermelha

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"Você é minha garota e estaremos sempre juntos;
Eu juro por qualquer coisa, por nós,
Você será sempre, sempre minha"

We belong Together - Ritchie Valens

Eu era pequena comparada a maioria das pessoas que eu conhecia, mas isso não me impediu de caminhar com Carmem apoiada em mim, quase carregando aquela mulher e saindo pelas portas das salas compartilhadas para não correr o risco de encontrar Mateus no meio do caminho.

Eu estava tremendo, só queria acordar e imaginar que tudo aquilo foi um pesadelo depois de um dia ruim.

Antes de levantar Carmem da cadeira e rodear seu braço nos meus ombros, com certa coragem acumulada e adrenalina, arranquei as duas unhas da mão esquerda e três da direita, vermelhas e prateadas que saíram inteiras dos meus dedos e estavam grudadas apenas por uma camada finíssima de pele. Toda vez que meu dedo passava por algum lugar, aquelas unhas agarravam em alguma coisa e me faziam gritar de dor.

Naquele momento eu não deveria olhar para minhas mãos com dedos inchados, para minhas pernas deformadas pelos calombos inchados e feridas por causa das abraçadeiras. A adrenalina me fez esquecer a dor nas mãos e a viscosidade do sangue que escorria nelas por um momento e apertei os dedos na cintura de Carmem, a outra mão segurou sua mão ao redor de meus ombros.

Eu sabia que mesmo naquela situação, Carmem estava fazendo o possível para andar e não jogar o próprio peso para mim. Eu me preocupei e me desesperei quando percebi seus lábios perdendo a cor, quando ela começou a falar coisas sem sentido como se estivesse alucinando.

Comecei a acelerar o passo ignorando meus tornozelos cortados ao passar para a quinta sala longe da que estávamos presas. Pretendia chegar até as escadas de emergência no corredor esquecido onde ficavam os elevadores principais desativados - Eles sempre me faziam ficar em dúvida sobre o que aquele prédio era antes de virar um mercadinho de açougue -, descer com Carmem por todos aqueles lances de escadas e depois pedir ajuda no primeiro posto de gasolina que pudéssemos encontrar pela pista deserta. Se conseguíssemos nos salvar de Mateus e ele não nos alcançasse no caminho.

Pelo que eu me lembrava, precisava passar por mais oito salas para encontrar o corredor empoeirado dos elevadores e as escadas de emergência para a porta dos fundos. Eu jamais sairia para o corredor principal que dava acesso direto às escadas para a porta da frente, Mateus estaria ali a qualquer momento e tudo provavelmente já estava pegando fogo.

Eu olhei para Carmem por tempo o suficiente para ver que seus lábios estavam mudando de pálidos para azulados, sua pele estava perdendo cor e meu desespero aumentou porque eu não sabia o que fazer, não sabia o que Mateus havia dado para ela beber e nem a quantidade.

Acelerei o passo abrindo porta atrás de porta, fazendo meus dedos cicatrizados sangrarem ao abrirem as feridas de novo a cada tapa que eu dava nas portas para abri-las e sair das salas.

Não demorou para as lâmpadas velhas piscarem, depois se apagaram de uma vez. Até mesmo o barulho normal e denso do ruído de energia se foi, apenas os cachorros latiam desesperados lá embaixo.

Estava paralisada de medo. Enquanto a minha razão me mandava andar, minhas pernas me paralisaram ali, no escuro com as janelas cobertas de jornal e sacos colados aos vidros das janelas emperradas.

Eu e Carmem estávamos reformando o local, ainda não havíamos chegado ali em cima, mas nos andares de baixo, as janelas já estavam consertadas. Talvez pudéssemos fugir por uma delas, talvez eu pudesse tentar quebrar um dos vidros trancados se minhas pernas se mexessem!

A energia havia acabado, os cachorros pararam de latir um a um depois de ganidos sôfregos. Naquele momento havia apenas silêncio e cheiro de fumaça.

Amélia, Da Cor do Sangue ‐ Livro O1 {CONCLUÍDO}Onde histórias criam vida. Descubra agora