Bebi o restante do vinho enquanto meus pensamentos iam em direção ao humano que seria largado na Ilha dos Pesadelos. Aquele lugar era diferente de qualquer outro que conhecíamos. Era habitado por uma magia mais antiga do que o próprio mundo inferior.
Ninguém que pisava lá conseguia sair vivo. A Ilha dos Pesadelos gira em torno de boatos e mitos. Lendas que dizem que seus pensamentos mais profundos, seus maiores medos se tornam realidade. Como uma magia que realiza desejos, a ilha trás a tona os monstros que vivem em nossos pesadelos.
Não importa quanto tempo ele conseguiria ficar lá. Alguns segundos ou um dia. Ele morreria nas mãos de alguma coisa que ele teme. Alguma coisa que surgiu de dentro dele e se tornou realidade.
-Devo me preocupar com o que colocou na minha bebida? -Aaron questionou, me tirando dos meus pensamentos e me fazendo encara-alô surpresa.
-Você sabia. -Comentei e ele sorriu curvando a cabeça.
-Eu vi você. -Encarei as taças. -Fiquei de olho o tempo todo.
-E mesmo assim bebeu. -Falei, tentando entender o que aquilo significava. -Eu podia estar envenenando você.
-E era veneno? -Ele questionou, mas sem qualquer tom de preocupação. Fiquei em silêncio e ele sorriu. -Podia pelo menos ter esperado eu começar o jantar. Assim eu morreria de barriga cheia.
-Você está fazendo piada com isso? -Perguntei confusa e ele deu de ombros. Seu sorriso se alargou tanto que eu senti uma fisgada na espinha.
-Muita gente já tentou me matar, Holly. Você não é a primeira e muito menos será a última. -Afirmou com certa convicção.
Os dedos dele batucaram a mesa enquanto eu fiquei em completo silêncio, apenas encarando a mesa de jantar. Eu não consiga entender como ele fazia isso. Agia como se o que eu estivesse fazendo fosse a coisa mais natural possível. E ainda sim, ele não se mostrava com raiva de mim.
-Era apenas um sonífero. -Esclareci e ele balançou a cabeça compreendendo.
-Pretende xeretar qual parte do meu castelo? -Perguntou com certo interesse e eu soltei uma risada pela primeira vez.
-Seus aposentos. -A testa dele se curvou em surpresa e confusão. Seus olhos brilharam em algo que eu não conseguia decifrar.
-Se era assim, poderia ter apenas me pedido. Fazia questão de lhe mostrar cada canto daqueles aposentos. -Comentou e eu sabia que pelo tom, ele estava fazendo um tipo de piada com segundas intenções.
Fiquei em silêncio e Aaron se colocou de pé. Ele analisou o jantar que não havíamos tocado e então ajeitou o casaco.
-Venha. -Chamou, já se direcionando a saída. O segui em silêncio, passando pelos corredores agora vazios do castelo. Aaron se escorou na parede em um momento, o que me fez perceber que o sonífero já estava fazendo efeito. Ele abriu a porta dos aposentos reais quando chegamos e esperou que eu entrasse para fechá-la.
Aaron tirou o casaco e o jogou em cima de uma poltrona. Ele se deitou na cama, ofegante, como se o percurso o tivesse esgotado.
-Os aposentos são todos seus. -Afirmou, encarando o teto do quarto e piscando algumas vezes. Seus olhos já se demonstravam cansados.
-O que foi? -Questionei, sem sair do lugar e ele balançou a cabeça. Seus olhos foram se fechando lentamente e então ele apagou por completo. Soltei o ar que nem sabia que estava segurando e me aproximei da cama. Minhas mãos formigaram para toca-lo, mas eu apenas me virei e olhei por todo local.
Comecei a abrir cada porta e gaveta que encontrava. O closet era imenso. Talvez grande demais para uma única pessoa. Meus dedos deslizaram por todos os casacos e camisas que haviam lá, sentindo o cheiro dele em cada canto. Voltei a procurar, abrindo e vasculhando qualquer lugar possível para se guardar algo.
Era um pergaminho. Pergaminhos eram raros e só existiam para fazer acordos e tratados de paz. O que quer que Aaron esteja fazendo com um deles, deve ser importante. Importante o suficiente para que a coisa na agenda quisesse que eu soubesse.
Parei no meio do closet quando meus olhos encontraram a silhueta da coroa. Brilhado para mim, como se me chamasse. Era um par das mais belas coroas que eu já tinha visto. Muito mais bonitas do que as que meu rei usava. Eram pratas, como a luz da lua e cintilavam como estrelas na noite. Estavam postas sobre uma almofada vermelha e protegidas por algum tipo de magia.
Olhei mais abaixo e vi um baú antigo. Me abaixei e olhei a tranca, vendo que podia ser aberto com uma simples chave. Procurei por qualquer coisa que pudesse usar para abri-lo. Voltei para o quarto e olhei para Aaron na cama. Me aproximei e encarei seu rosto tranquilo enquanto dormia. Levei minhas mãos até a gola da camisa e como eu esperava, havia uma chave presa a uma correntinha no pescoço dele. Ergui a cabeça com cuidado e tirei dele. Meus dedos se emaranharam nos cabelos macios e eu desviei os olhos.
Aaron era bonito demais para um feérico. Bonito demais para alguém que eu precisava matar e odiar.
Me afastei com os dedos um pouco trêmulos e voltei até o baú, abrindo a trava e erguendo a tampa com certa urgência. Havia apenas uma coisa ali. Um papel enrolado e muito bem guardado. O pergaminho.
Peguei ele e me afastei do baú, desenrolando o papel amarelado e muito antigo. Ele era pequeno, mas haviam algumas coisas neles. Um texto em uma língua que eu não conhecia. Mas eu sabia a quem pertencia. Era a língua das bruxas. Logo abaixo havia duas assinaturas e marcas de sangue.
Soltei o ar com certa violência. Era um acordo de sangue. Um acordo entre feéricos e bruxas. Eu não tinha como saber o que estava escrito ali. Mas o que quer que fosse, aquilo não podia ser bom.
Havia duas coisa que o senhor Vince, da biblioteca, sempre me dizia. Você jamais pode fazer um acordo com bruxas. Elas não sabem cumprir o que prometem e não gostam de sair perdendo. E principalmente, jamais faça um acordo com Adya, a senhora dos corvos e a morte em pessoa. Ela nunca faz um acordo sem levar uma alma com ela.
Eu sabia o que precisa fazer agora. Se a criatura sabia sobre o pergaminho, também sabe sobre o acordo contido nele.
Continua...
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Reino de Fogo e Caos / Vol. 1
FantasyLIVRO1 (TRILOGIA REINO DAS SOMBRAS) Nenhuma lâmina é mais afiada que as adagas de Holly Orion, a assassina cruel do rei dos superiores. Quando criança, ela foi vendida pelo próprio pai e viu sua família ser escravizada pelo grande rei de Andalor. O...