Capítulo 36: Prisioneiro.

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Kian ficou parado na minha frente, descendo as mãos e segurando as minhas. Eu o encarei, em completo silêncio até sua testa se franzir.

-Holly? -Ele chamou e eu pisquei várias vezes. -Sabe, eu gostaria de receber uma resposta por isso.

-Ah... -Abri um sorriso tímido. -Se casar? Agora?

-É. Depois que voltarmos para o reino Superior. Já falei com meu pai. Ele sabia que eu ia propor isso a você e ficou extremamente feliz. -Kian comentou e eu escondi uma careta. -Você só precisa dizer sim.

-Você me pegou de surpresa. -Menti, expressando uma falsa surpresa. Kian abriu um sorriso calmo.

-Eu sei. Você está ocupada pensando em tudo que devemos fazer em breve. Mas eu achei que agora seria uma boa hora para pedir. -Ele deu de ombros. -Estamos juntos a tanto tempo. Não há porque esperar.

Eu engoli com certa dificuldade e me afastei de Kian, olhando para o quarto e sentindo minha mão soar com o nervosismo. Abri o maior sorriso que consegui.

-Bem... -Eu me virei para Kian de novo e encarei os olhos dele. Seu sorriso aumentou e ele suspirou.

-Certo, você está realmente surpresa? Desculpa, linda. Não precisa me responder agora. Ainda vamos ficar uns dias aqui. -Ele exclamou e voltou a se aproximar de mim. -Pense com carinho.

Ele tocou meu queixo e puxou meu rosto em direção ao dele, beijando meus lábios com certa urgência. Ele se afastou com um último selinho.

-Vou voltar para o baile. Você vem? -Ele estendeu a mão para mim e eu neguei com a cabeça.

-Estou um pouco cansada. Acho que já vou dormir. -Afirmei. -Vá e aproveite o baile. É para você mesmo.

Ele riu e deixou outro beijo na minha boca. Observei ele se direcionar até a porta e sair, me deixando sozinha de novo. Me afundei na cama, encarando o teto com a mente fervilhando.

Peguei a agenda e puxei o lápis da lateral. Escrevi a mensagem e esperei que ele respondesse rápido.

"Você está aí, Sr. Ingram?"

"Estou sempre aqui, Holly.

Abri um sorriso fraco, pensando que talvez Ingram, por qualquer criatura que seja, era meu único amigo.

"Você viu?"

A resposta demorou a vir, como se ele não estivesse entendendo minha pergunta.

"Não. Eu não estava olhando dessa vez. Aconteceu algo que eu poderia me interessar?"

"Eu fui pedida em casamento."

A frase sumiu e ele demorou para responder de novo. Deitei com a cabeça no travesseiro e esperei.

"Isso não deveria ser algo bom? Não sinto que esteja animada."

"Eu não estou. Eu não o amo. Não existe nada na verdade... Para ser sincera, minha vida não passa de uma ilusão. Não existe nada real nela. Meus pais estão mortos. Minha irmã desapareceu. Eu virei uma assassina que mal se importa com quem está esfaqueado. Meu relacionamento é uma farsa. E eu estou sozinha. Sempre estive."

"Você não está sozinha, Holly. Eu estou aqui. Sempre que precisar estarei aqui."

Olhei para sua resposta e respirei fundo. Meus olhos se encheram de lágrimas e eu voltei a escrever.

"Como funciona esse seu poder? Você não pode encontrar alguém? Minha irmã? Você se lembra dela, não lembra?"

"Sim, eu me lembro dela. Uma versão mais nova de você. Tirando pelos olhos azul oceano... Eu não sei onde ela está, Holly. Lamento."

Soltei a agenda e senti minha garganta arder com a vontade sufocante de chorar. As lágrimas inundaram meu rosto e eu encarei as páginas da agenda.

"Você quer ouvir outra história, Holly?"

"Me conte."

"Havia um casal em uma pequena vilã destinada a escuridão. Os dois observavam sua espécie se matar e lutar por comidas velhas e água suja. Eles desejavam mudar isso. Queriam que seu povo pudesse prosperar como as outras criaturas que viviam ao seu redor.

    Então um dia eles foram procurados por um ser que lhes oferecia uma possibilidade. Uma pequena chance de ascensão. Eles aceitaram sem pensar nas consequências. Então em um dia frio do inverno eles conspiraram contra seu líder.

    Sangue imortal foi derramado e com ele veio a fúria e destruição. Vingança manchou a terra quando um novo líder se ergueu em meio ao fogo e o caos. O casal achou que aquilo traria uma nova era, mas apenas os condenou mais ainda.

    Quando eles perceberam o erro que haviam cometido, já era tarde demais. Não conseguindo viver com a própria culpa e vergonha, por ter confiado em um ser maligno, seus últimos atos foram a morte, trazida pelas próprias mãos."

A história terminou e eu fiquei olhando para a folha, vendo as palavras sumirem. Eu não escrevi nada, apenas esperei que ele falasse qualquer coisa.

   "Eu sinto sua tristeza, Holly. Eu sei o que é se sentir sozinho e abandonado a própria sorte. Somos iguais. Mas você ainda possui seu coração mortal."

   "Você ainda possui seu coração humano também. Eu sei disso."

   "Eu não sei. Parei de acreditar em conto de fadas a um bom tempo."

   "Porque? Me diga onde você está agora."

   "Eu estou muito longe, Holly. Terras inexploradas que a maioria teme. Os seres que me transformaram ficaram com medo do que eu me tornei. Eles me prenderam. Me impossibilitaram se usar meus poderes. Ou pelo menos eles acham isso.

  A um encantamento aqui. Algo que bloqueia o poder de qualquer criatura que se aproxime. Mas eles não sabem exatamente o que eu tenho, então não fazem ideia que por menor que seja, ainda posso utilizar parte do que ganhei.

   Posso ver pelos olhos dos outros. Posso ler a mente de quem eu desejar. Posso mandar coisas de um lugar para o outro com apenas um pensamento. Eu não sei o quão longe posso ir se as correntes em volta de mim caírem. Desconheço o meu próprio poder."

Eu engoli em seco, me ajeitando na cama e pegando o lápis que havia caído das minhas mãos.

  "Você não consegue se soltar? Me diz o nome do lugar. Eu posso te ajudar..."

   "Não, você não pode. Não quero que faça ou tente qualquer coisa para me ajudar, Holly."

   "Porque não? Você está lendo a minha mente agora?"

   "Não. Eu não costumo fazer isso. A magia de bloqueio me deixa esgotado quando tento usar algo mais preciso, como ler a mente de alguém, ou até mesmo me comunicar por ela."

   "O que quer dizer? Pode falar comigo sem ser pela agenda?"

A resposta não veio. Suspirei desanimada quando percebi que ele talvez tivesse desistido de conversar comigo.

  "Sim, eu posso. Mas como eu disse, me deixaria esgotado em minutos."

   "Não há nada que eu possa fazer por você?"

   "Apenas não chore. É o suficiente para mim."

Abri um sorriso e limpei minhas lágrimas.

    "Obrigado."

Ele disse por fim e a agenda se fechou.


Continua...

Reino de Fogo e Caos / Vol. 1Onde histórias criam vida. Descubra agora