Capítulo 22: O Centro de Toda Vida.

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Desci da carruagem, ignorando a mão estendida de Aaron e encarei o local em que estávamos. Era uma floresta verde, onde os pássaros cantavam sem parar.

-Onde estamos? -Questionei. Aquilo não me parecia nada com a Corte Prateada.

-Mais ao litoral da corte.

Aaron se colocou a andar por uma trilha. Olhei em volta vendo que ficaria completamente sozinha com ele de novo. O segui em silêncio, observando as árvores em volta de mim.

Aaron foi em direção a uma caverna que se abria no solo e entrou sem me dizer uma palavra sequer. O segui, escutando o eco das goteiras que caiam do topo da caverna.

O barulho dos pássaros foi diminuindo a medida que entrávamos cada vez mais nos túneis da caverna. Parei de andar quando chegamos a um local aberto. Ainda estávamos na caverna, mais o topo era aberto, nos dando visão do céu e do topo das árvores. O sol entrava por ele e refletia em um lago no meio dela.

-Essa água vem direto do mar. -Aaron murmurou. -Se entrar nela e nadar por baixo da caverna, chegará até ele.

Dei alguns passos até ficar na beirada do lago, vendo que ele era fundo o suficiente para alguém se afogar. Bem no centro do lago, submerso perto do fundo, havia uma luz cintilante.

-O que é aquilo? -Questionei e olhei para Aaron.

-Meu pai dizia que era o centro de toda vida no nosso mundo. Uma magia poderosa e muito antiga. -Esclareceu e eu arqueei as sobrancelhas.

-Antiga, quanto?

-Alguns milênios. -Ele deu de ombros e passou o dedo sobre a orelha de novo.

Mas que maldito gesto é esse?

-Como eu disse, isso faz parte das nossas tradições. No Festival da Lua, a luz reflete direto no mar e aqui no lago, deixando as águas tão brilhantes quanto as estrelas. -Aaron explicou. -Uma vez ao ano, nesse dia, o rei deve vir e entrar nas águas do lago. E então ir até a luz que você vê lá embaixo e toca-la.

-E a lua lhe mostrará algo quando fizer isso? -Perguntei, olhando para o ponto de luz abaixo das águas.

-Exato. -Aaron começou a andar pela caverna. -Ela sempre vai te mostrar algo relacionado ao nosso mundo. Algo relacionado a proteção ou a destruição.

-Não entendi. -Voltei a olhar para Aaron.

-O futuro, Holly. Ela mostra o futuro. Ou o que ele deveria ser. -Aaron encarou o céu acima de nós, por entre as paredes da caverna. -Sabe qual o problema? Nós nunca sabemos se o que ele mostrou é bom ou ruim. Você vê algo, e ele pode significar nossa destruição ou ascensão. Mas só descobrimos quando ela verdadeiramente acontece.

-E você vem aqui todos os anos desde os 100? -Ele confirmou com a cabeça. -Todos os feéricos fazem isso?

-Não. Apenas o rei e o herdeiro. -Explicou. -Isso é algo muito antigo e respeitado. Nenhum outro feérico pode pisar aqui.

-Mas e eu? -Ele piscou e balançou a cabeça confuso. -Eu estou aqui e não sou feérica. Não estou desrespeitando suas tradições?

-Você mesmo disse, não é feérica. Então não tem porque não pisar aqui. -Declarou, abrindo um meio sorriso. -Entre e vá até lá.

-O que? -Falei, franzindo a testa e soltando uma risada logo em seguida. -Vai permitir que eu faça isso? Entre lá e faça algo totalmente da sua espécie?

-Sim, eu vou. Sou o rei, posso permitir qualquer coisa que eu quiser. -Afirmou em um tom provocativo e eu revirei os olhos.

-Achei que isso só funcionasse no Festival da Lua.

-Funciona em qualquer dia. Só precisa tocar na luz lá embaixo. O festival é apenas uma comemoração anual para isso. -Ele deu de ombros.

-Então você pode entrar ali agora e ver algo? -Questionei curiosa e ele assentiu. -Mas não vai fazer isso porque é desrespeito às tradições, entendi.

-Cuidado com as plantas aquáticas. Não vai querer ficar presa lá embaixo. -Aaron alertou.

Olhei para a água e depois para Aaron de novo. Ele ficou me observando, esperando uma decisão minha. Suspirei e tirei as botas e depois a jaqueta. Me preparei e pulei na água.

Demorou para eu me acostumar com a água gelada, mas nadei até o final do lago, em direção a luz que parecia brilhar mais a cada instante que eu me aproximava dela. Flutuei em volta dela, uma esfera de luz, como se fosse o sol. Ela estava ali, no meio do rio, sem nada a prendendo ao solo, mas sem sair do lugar.

Levei minhas mãos em direção a ela e a toquei com cautela, sem saber ao certo o que esperar. Fechei os olhos com força quando senti uma onda de energia vindo para o meu corpo.

Abri meus olhos quando senti o chão firme embaixo de mim. Olhei em volta. Eu estava no castelo de Andalor. Nos aposentos reais. Meus olhos pararam em uma mulher que andava com um vestido preto cintilante pelo local, folheando um livro com interesse.

Era eu. Eu estava me vendo.

Ela olhou na minha direção e abriu um sorriso. Meu sangue gelou e eu olhei para trás de mim. Aaron estava entrando pela porta e andando em direção a ela. A mim. E eu sorri para ele, com meus olhos brilhando de algo que eu não sabia o que era.

-De novo com esses livros, Holly? -Aaron abriu um sorriso genuíno e tocou a cintura dela com uma das mãos.

-O que eu posso fazer? Você passa mais tempo naquele escritório do que comigo.

Dei alguns passos até bater contra a parede, vendo ela tocar as bochechas dele com as mãos, soltando o livro sobre a cama.

-Você sabe que isso é uma grande mentira. Principalmente quando passaremos a eternidade ao lado um do outro.

Ela sorriu e levou a mão até a orelha dele, acariciando as curvas e vendo ele se encolher em uma careta.

-Você sabe, é sensível, Holly.

Ela não parou de toca-lo e ele também não a afastou. Não me afastou. Minha mão se fechou na maçaneta da porta quando o rosto de Aaron se aproximou do dela. Pronto para beija-la. Me beijar.

-Não! -Sussurrei, sentindo meu peito levar um choque com a imagem. Abri a porta e sai correndo pelo corredor. Tropecei nos meus próprios pés e cai de joelhos no chão.

Encarei minhas mãos vendo elas repletas de sangue. Mais sangue do que eu jamais havia visto. Um grito se entalou na minha garganta quando eu senti a água em volta de mim de novo. Me debati sentindo minhas pernas presas em galhos e algas. Tentei gritar, sentindo a água invadir os meus pulmões. Até tudo escurecer.




Continua...

Reino de Fogo e Caos / Vol. 1Onde histórias criam vida. Descubra agora