14 - Irmã mais velha

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Chegou o capítulo mais diferenciado.

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Pov Cake
.

Eu andava de um lado a outro tentando arrumar uma gaveta de roupas. Depois de tanto tempo, ainda não estava acostumada a fazer tudo por minha conta própria. Era uma dificuldade neurológica.

Para falar a verdade, nem gostava disso. Por isso eu tinha ela para mandar e desmandar em mim.

- D, você ainda não arrumou isso? - Hilary surgiu com uma mão na cintura.

Seus olhos extremamente azuis brilhavam.

- Hily, eu não tenho culpa! As roupas simplesmente não querem se encaixar nessa droga! - me defendi enquanto tentava socar uma blusa no monte de roupas já na gaveta.

Hilary girou os olhos e se aproximou para me ajudar.

- Não sei como acabou assim, suas mães me disseram que até que você era organizada. Vou devolver você para elas - brincou.

A encarei. Era tão linda que me sentia fodida de paixão cada vez que a olhava. Quando notou meu olhar e virou para mim, senti meu rosto queimar.

Talvez eu nunca fosse deixar de ser tímida. Queria ser como mamãe nesse quesito.

- Você me ama demais para isso - disse a ela, que riu baixinho e deixou um beijinho suave sobre meus lábios que fez meu estômago dançar hula.

- Vamos, você pode fazer melhor que isso - ela me incentivou.

Suspirei.

Qual era a necessidade de dobrar e guardar uma roupa que iríamos usar em algum momento?

- Hil... isso não faz sentido! - insisti nesse ponto - se ao menos me deixasse organizar por cores...

Seu rosto se fechou.

- Isso é coisa de gente fresca e não faz o menor sentido - falou - como eu vou achar a roupa branca que eu quero se ela estiver no meio de um monte de roupas brancas? A bagunça só para encontrar é enorme.

Fiz bico e vi Hilary desviar o olhar para não ceder ao que ela chamava de "olhar fatal".

Abri a boca para reclamar quando meu celular chamou minha atenção. Era mamãe.

- Oi, mãe - a atendi.

- Ei, coisinha. Sua mãe achou melhor avisar que não vamos poder ir almoçar com vocês hoje. Seu irmão está impossível!

Franzi o cenho. Mamãe parecia exausta, mas nada disso fazia sentido. Bear era a pessoa mais fácil do mundo todo.

- O que o fedorento tem? - perguntei.

- Rebeldia - ela respondeu com simplicidade.

Isso ainda não fazia sentido algum. O feioso não tinha uma gota sequer de rebeldia correndo por suas veias.

Ainda assim, ouvi Bear gritar um "me deixe em paz!" ao fundo.

Algo de errado não estava certo.

- Estou indo aí - disse a ela e desliguei.

Isso não magoava mamãe. Ela sabia que era estranho demais demonstrar afeto por ligação. Mama era a sensível.

E Bear...

- O que houve? - perguntou Hilary.

- Algum problema com meu irmão - expliquei - preciso ir lá ver qual foi a do pivete.

Deixei um beijo em sua bochecha e corri para pegar uma bolsa.

Ainda que fôssemos quase uma coisa só, havia o limite em que ninguém, nem mesmo Hilary, ousava pôr a mão, que era meu relacionamento com a coisa esquisita que me deram como irmão.

Peguei as chaves, saí do apartamento e percorri de carro a distância entre o lugar onde morava e a casa de minhas mães.

Não admitiria para ninguém, mas me preocupava com o chulezento.

Quando entrei em casa estavam minhas duas mães em silêncio sentadas no sofá com os rostos apoiados nas mãos.

Pigarreei.

- Cadê ele? - perguntei.

As duas ergueram o olhar ao mesmo tempo.

Eu hen... esquisitas de tão sincronizadas que eram (deus, que Hilary e eu fôssemos assim, amém).

Elas olharam para a escada, onde vi no alto os olhos tremendamente verdes de meu irmão.

- Certo... - resmunguei e fui em sua direção - vamos conversar, feioso.

Belisquei seu ombro quando o alcancei e o guiei para o quarto de brinquedos.

- Por que estamos indo aí? - perguntou - não somos mais crianças!

- Exatamente - falei - não somos mais crianças. Nunca entrei no quarto de um homem e não vai ser hoje que vou fazer isso. Dizem que fede como um chiqueiro.

Bear franziu o nariz.

- Meu quarto não fede.

Lancei um olhar para ele.

- Eu é que não vou colocar a prova - falei, empurrando a porta - vem.

Fechei a porta quando entramos e peguei folhas brancas e alguns lápis de colorir antes de sentar em um canto qualquer.

- Sério? - pareceu cético.

- Escuta, nós dois sabemos que não sou boa em coisas do tipo, então facilite. Sente aqui e desenhe comigo.

Aparentemente ele concordou, porque sentou a minha frente e desenhamos em silêncio. Meu pônei parecia uma arte abstrata, mas ninguém precisava saber o que era.

- Eles mexem comigo - a versão feia e masculina de mama soltou depois de meia hora - ficam me chamando de viado.

Não o olhei. Isso acabaria com a conversa.

- E você é? - perguntei.

- Não! Eu gosto de garotas! - exclamou - mas o que me irrita é que falam como se fosse uma coisa horrível e porque repetem isso sem parar e me empurram, derrubam minhas coisas, batem em minha nuca, ficam gritando em meu ouvido me chamando de anormal e... não aguento mais!

Ficamos em silêncio. Curiosamente, lembro de quando as crianças mexiam comigo, ainda que eu tivesse apenas sete anos.

Mama me engoliria viva, mas só tinha uma coisa a fazer.

- Bear, quando alguém mexer com você, espere a saída da escola e meta um murro bem na cara dele. Apenas se forem meninos, porque é covardia bater em garotas - disse a ele, sabendo que me encarava de olhos arregalados - eu sei o que está pensando.

- Que a mama rejeita qualquer tipo de violência?

- Uhum. Mas a mama não é você, não importa o quanto você pareça uma versão estragada dela - falei - eu sei, elas também me criaram assim e resolveram as coisas de forma pacífica. Deu certo, né? Só que... você já é um homem, Bear, ainda que seja um homem pirralho. As coisas são diferentes.

- Você acha? - ele perguntou.

Tracei uma linha aleatória só para não olhar pra ele.

- Sim. Meninos são maus, fortes e violentos. Se falar não adiantar, grite para os pedaços de bosta te deixarem em paz antes que seja tarde. Se gritar não adiantar, mete um soco - falei - só seja esperto. Não pode sair fazendo isso adoidado e sem calcular o momento certo e essas coisas. E qualquer coisa corre como se tua vida dependesse disso porque talvez dependa mesmo e é bom que treina pra quando as mamães ficarem sabendo caso elas decidam jogar a chinela igual a vovó. Nunca se sabe...

Ficamos em silêncio.

- Por que está me dizendo isso? - ele perguntou.

Ergui o rosto para ele.

- Porque eu sou sua irmã mais velha - disse - e se tem uma coisa que aprendi é que ninguém insulta você além de mim.... e da mamãe, é claro.

Ficamos em silêncio novamente, mas começamos a rir. Por aquele pirralho eu dava minha vida, apenas ninguém precisava saber disso.

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Cake é absurdamente parecida com a Camila. É isso.

LIVRO 5 - EXTRA TRILOGIA - Recortes - Histórias Aleatórias Da TrilogiaOnde histórias criam vida. Descubra agora