50 - Ainda não entendo

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Voltei! Vamos lá.
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Lauren

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Tinha ido comprar pipoca e tudo estava em ordem, mas quando voltei, percebi que Cake estava aprontando e Camila parecia ter o olhar distante ainda que na direção de nossa filha.

A garota estava simplesmente tentando ficar que ponta cabeça em cima de um banco.

- Cake! - exclamei em um quase piripaque e ela levantou para me olhar - não faça isso! Vai se machucar.

A mini Camila fez bico.

- Mas a mamãe não disse nada - reclamou.

- Mas eu disse - foi minha resposta - a mamãe é um pouquinho doida, mas você sabe que tem que tomar cuidado. Aqui sua pipoca.

Cake deu de ombros, mas começou a apenas a andar de um lado a outro em cima do banco enquanto comia a pipoca que entreguei. Me voltei para Camila, que ainda tinha uma expressão estranha no rosto.

- Camila? - a chamei e ela piscou.

- Tem que deixar ela quebrar a cara, Lern - disse baixinho o suficiente para que Cake não ouvisse - aí ela para.

Neguei com a cabeça.

- Algumas coisas sim, outras são perigosas demais - sussurrei de volta - o que está acontecendo?

Ela fez silêncio por um momento como se estivesse procurando o que dizer ou as palavras certas.

- Eu ainda não entendo - falou - como as pessoas podem amar essas coisinhas minúsculas de humor explosivo que o tempo todo desafiam a capacidade de sobrevivência que possuem?

Dessa vez eu quem pisquei. Não entendi exatamente o que ela quis dizer. Estava querendo dar um passo atrás na relação recente de mãe e filha que construía com Cake?

- Acho que não entendi - fui sincera.

- Olha para ela - Camila apontou Cake com o queixo bem na hora em que ela inventou de tentar virar o saquinho de pipocas de uma só vez na boca e perdeu a maior parte do conteúdo.

Cake cruzou os bracinhos e bateu o pé antes de sentar de uma vez no banco e começar a chorar simplesmente por não ter conseguido comer todas as pipocas de uma vez.

Considerei sobre ir falar com ela ou não. Optei por ir consolar seu pranto desesperado por algo que parecia bobo e idiota para um adulto, mas era muito importante e frustrante para ela. Levantei e me aproximei.

- Ei... - disse baixinho - está tudo bem. Ainda tem um pouco de pipoca no saquinho e agora você aprendeu que não dá certo tentar comer tudo de uma vez.

Ela ainda tinha três anos. Algumas coisas ainda eram sem noção demais, por isso apenas continuou a chorar e soluçar como se a pior coisa do mundo tivesse acontecido.

Camila se aproximou e passou um braço por seus ombrinhos.

- Fica assim não... bom, tudo bem sentir isso - foi o que conseguiu dizer para tentar imitar minha postura sobre a situação - todo mundo um dia tenta fazer algo e não consegue.

Mandou bem. Olhei para Camila e abri um sorrisinho para dizer que isso tinha sido bom.

- Você quer espaço para se acalmar? - perguntei - ou você quer um abraço?

- Abraço - foi o que disse e nós duas a abraçamos até ela se desvencilhar e voltar a brincar, dessa vez no banco que estávamos anteriormente.

- Isso foi rápido - Camila comentou.

- Foi mesmo - concordei - ela está ficando melhor em se acalmar e se entender.

Camila concordou com um som anasalado.

- Então... o que estava dizendo? - perguntei.

- Como a gente pode amar essa coisinha chata? - ela perguntou - dá tanto trabalho tentar manter viva e saudável.

Um risinho me escapou.

Camila nunca entendeu o motivo de as pessoas amarem crianças e desejarem ter uma ou várias delas. O jeito que falou, pelo menos, explicava que ela amava Cake, mas não sabia por quê.

Era mesmo quase inexplicável.

- Eu acho que as crianças são cativantes - opinei - elas despertam um senso de proteção porque precisam ser protegidas...

- Isso é chato, Lern - Camila apontou - não é nem chato, na verdade. É desesperador. Por que gostar de um trequinho que deixa a gente preocupada o tempo todo?

- Porque elas são engraçadinhas - dei de ombros.

- Um filhotinho é mais engraçadinho - rebateu - e não chora se não consegue engolir a pipoca toda de uma vez, ou se não consegue fazer com que uma roupa verde seja vermelha do absoluto nada, ou porque a batata está mole demais quando ela insistiu que queria purê, ou porque as meias têm textura de meias, ou porque o céu é azul, ou porque o chão não é feito de patinhos de borracha, ou...

- Ok! - a interrompi - já entendi. Crianças são maluquinhas.

- Exatamente! - exclamou como se eu tivesse finalmente entendido o ponto dela - e ainda assim, eu a amo como uma louca cega que não se importasse com o quão irritante e sem lógica é gostar dessa coisinha minúscula.

Fiquei em silêncio apreciando a declaração de amor de Camila para com Cake. Uma mãezona do jeito doido dela.

- Acho que essas coisas não são para ser compreendidas - disse com o olhar perdido na tentativa de Cake de rolar em cima do banco e que eu ignorei já que ela estava mesmo procurando um jeito de se machucar e não pararia até conseguir - a gente só sente porque é inevitável.

- Não foi inevitável quando ela estava em meu útero, ou quando nasceu, ou quando a conheci - pontuou - eu simplesmente não sentia nada além da obrigação de manter ela segura dentro de mim e depois de uma confusão sem tamanho porque se não fosse você eu criaria uma criatura que até então imaginava que nunca sentiria um amor materno adequado para deixar ela feliz ou para não destruir minha vida por esse exato motivo. Como posso amar tanto ela quando nunca senti nada e nunca senti que poderia sentir algo assim? Crianças sempre foram apenas crianças. Indiferentes para mim desde que não fossem minhas. Coisinhas minúsculas cheias de catarro, com hábitos nojentos, explosivas, choronas, birrentas, inconvenientes...

Balancei a cabeça indicando entender seu ponto.

- Elas são exatamente isso mesmo - concordei - acho que o que diferencia é que crianças, sobretudo filhos, sentem um amor gigantesco por nós. Um amor tão grande que tudo o que conseguimos fazer é amá-los de volta. Eles nos tocam conforme nos relacionamos e nos mostram coisas inexplicáveis. De repente, nos flagramos amando eles. Algumas pessoas sempre têm ansia por sentir esse amor e por isso querem filhos. Outras não sentem que isso fará falta e talvez nem faça mesmo porque não é o tipo de amor que procuram ou desejam e tudo bem. Tudo bem também mudar de ideia. Quando você desejou sentir isso, aconteceu. A gente não precisa entender o amor. Olha para ela. Não é a coisinha mais idiota, irritante, desesperadoramente apaixonante e cativante que existe?

Camila olhou para Cake no exato segundo que nossa filha conseguiu dar uma cambalhota sobre o banco e nos olhou e gritou:

- Mama! Mamãe! Eu consegui! - seu sorriso era enorme, mas ela caiu do banco no segundo seguinte e Camila riu.

Seus olhos brilhavam enquanto íamos socorrer a criatura. Só por seu jeito, sem uma palavra pronunciada sequer, soube imediatamente que Camila tinha entendido.

Ela amava Cake porque quis amá-la, bem como a amava porque Cake empurrava amor para dentro dela com sua permissão. Não precisava de uma explicação exata, apenas se permitir sentir.

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Eu fiz esse recorte a partir de um comentário em um trecho que a Camila dizia não entender porque as pessoas amavam crianças, lá na segunda temporada. A pessoa perguntava por quando ou se a Camila sentiria amor de mãe pela Cake, então pensei que devia esse ponto de vista novo dela pós mãe, porque ela pode não entender e tudo bem, mas ela sentiu a partir do momento em que quis sentir.

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