43 - Confidente

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POV Cake

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Longas horas no parque com a Hilary causaram coisas engraçadas dentro de mim. Isso era muito louco.

E confuso. Muito confuso. De uma hora para a outra...

Quero dizer... eu não entendia muito bem o que estava acontecendo. Pior ainda era não saber por onde começar a desmembrar a coisa que estava sentindo. Parecia uma cebola, cada camada parecia igual e dava vontade de chorar sem motivo nenhum, apenar por existir e mexer nela.

Simplesmente ardia.

Não consegui respirar. Procurei a melhor pessoa para a situação. Quem eu podia confidenciar qualquer coisa.

Saí do meu quarto após um banho demorado e que rendeu muito "Dahlia Jauregui, saia logo desse banheiro!", mas que me dei o direito de ignorar. O mundo não acabaria por causa do meu banho longo, mas eu acabaria se não tirasse o meu tempo de reflexão.

Torci para que não estivesse enfiado no quarto, respeitavamos demais o espaço do outro pra fazer isso, mas ele estava no quarto de brinquedos lendo um livro.

— Oi... — murmurei, meu rosto esquentando de tão sem graça que estava. Bear ergueu seus olhos idênticos aos da mama, mas como sempre não disse nada, e era por isso que eu procurava ele — o que está lendo?

— Catapultas — disse com simplicidade, dando de ombros e fechando o livro após marcar cuidadosamente onde tinha parado.

Bear tinha uma estranha fixação por catapultas.

— Ah... hm. Legal? — encolhi os ombros.

Ele assentiu.

— Aconteceu algo — não era uma pergunta, ele era perceptivo assim mesmo.

Entrei, fechando a porta e me sentando perto dele. Evitei encarar Bear e puxei uma folha de papel para rabiscar.

— Você sabe... eu te contei sobre estar gostando da Marie...

— Hm-Hm — era uma expressão totalmente dele — ela te machucou de novo?

Enruguei o nariz. Esse era um detalhe bobo demais. Ela não tinha feito nada grave em nenhuma das vezes.

— Bom, sim... mas não — balbuciei — ela me deu o fora. Depois de tanto tempo, disse que não conseguia mais ser uma boa garota e precisava fazer isso porque não gostava de mim assim. Ela gosta só de garotos, é claro... tem tudo isso.

— Ela foi rude? — perguntou — as mamães sempre falam que algumas vezes ela é um tanto rude, mas acho que é apenas direta. Vocês são sensíveis.

E ele era insensível. O insensível mais sensível de todos os tempos. Fiz uma careta.

— Ela foi muito gentil, na verdade — percebi — não acho que levar um fora seja algo menos doloroso porque alguém foi gentil, mas isso conta?

Ficamos em silêncio por um minuto. Dei o tempo dele de pensar no assunto.

— Acho que sim, se não ficou com raiva dela — concluiu.

Neguei com a cabeça. Suspirei.

— Eu fiquei com raiva por algum momento, mas aí... bom, tudo o que eu sentia por ela passou. Não é estranho? Eu não estou mais apaixonada por ela.

— Mas isso não é bom? — perguntou.

Que coisa confusa! Ele estava certo!

— É... — minha voz tremeu — só que agora eu acho que estou apaixonada pela Hilary.

Ouvi um suspiro.

— Puxa, Keki... que rápida.

Ri de puro nervosismo. O garoto que era obrigatoriamente meu irmão não me poupava comentários. Ele era um pouco sem tato, às vezes. Talvez por isso ficasse tanto tempo em silêncio.

O espiei pelo canto dos olhos. Bear olhava em minha direção, mas parecia distante demais em sua cabeça.

— Isso é tão confuso! Não é errado? E se eu estiver confundindo tudo de novo?

— Keki, mas não confundiu! Ela só não sentia o mesmo — contestou — Hily é legal. Sempre sorri...

Fiz bico. Ela era mesmo muito legal. A garota mais legal e feliz que conhecia. Ela me fazia rir e estava sempre sorrindo.

— Ela diz que eu sou engraçada — comentei em voz alta.

— Isso é legal — Bear considerou.

Eu não tinha muita confiança no que ele dizia. Achava coisas muito peculiares legais. Ainda não o perdoei por todas as vezes que puxou meu cabelo e jogou brinquedos em mim quando era só uma bola de praia muito branca e cabeluda.

E não sou rancorosa.

— Eu não sei... — admiti.

— Catapultas são legais... — ele refletiu aleatoriamente.

Suspirei.

— Ah, Bear...

Era fácil e difícil falar com o garoto. Não falava muito, então a gente podia dizer muita coisa sem ser interrompida. Ao mesmo tempo, ou ele dava total atenção, ou ficava disperso.

Mamãe ficava nervosa que ele parecia sempre ignorar o que ela falava e era um tanto imprevisível. Isso antes de perceber que ele entendeu o que disse, quando escutava, claro, e apenas não viu necessidade de responder.

Se ele concordava ou não, era um mistério.

— Catapultas são legais! — ele insistiu — como ser engraçado. Às vezes as pessoas usam do jeito errado, mas não tem que ser assim. Se eu tivesse uma catapulta bem grande, usaria para coisas boas. Ser engraçada assim é legal, porque sabe parar se estiver sendo malvada.

O encarei. Bear olhava além de mim, o que me deixou grata, já que assim podia olhar para ele sem enfrentar seus olhos. Era estranho como fazia sentido. Levei minutos para entender que era um elogio e que eu era legal após me perguntar se eu era uma catapulta. Ele podia ter dito apenas isso, como normalmente era bem direto, mas fez o esforço de levar meu medo em consideração e explicar melhor.

Me senti ainda mais grata. Que ninguém escutasse meus pensamentos, mas algumas vezes eu gostava de ter um irmão. Minhas mães estavam certas no fim das contas.

Agora finge que nunca disse isso. Eu odeio ter um irmão e nunca quis isso.

— Acho que você tem razão — murmurei, piscando lentamente — mas como vou saber se ela também acha eu ser engraçada legal? Algumas pessoas acham catapultas sempre ruins.

Ele riu. Esperei terminar porque era um momento esquisito. Se ele estava rindo de mim ou para mim, eu não sabia nem me importava. Eu ria dele o tempo todo, o importante era ninguém fora de nossa casa fazer isso.

Era estranho, mas era meu.

— Catapultas são sempre legais. Só depende do ponto de vista.

Pisquei de novo.

Não entendi, mas achei que provavelmente fosse algo bom.

— Obrigada, Bear.

— Keki, acha que a mama acharia ruim construir uma catapulta no quintal?

Seu olhar se fixou em mim. Grande, claro, intenso. Mama em miniatura e bem mais feio. Como um leite talhado com duas esmeraldas boiando. Ainda assim, podia dar bom, não é?

Não consegui não sorrir pra ele.

— Acho que você deveria tentar — aconselhei — talvez a mamãe te ajude.

Ela estava sempre tentando se conectar com Bear. Acho que pensávamos quase igual sobre o garoto.

Só que talvez a gente não precisasse fazer nada disso. Bear não falava nada, mas essa era a magia dele.

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"Cake, você não disse que odeia ter um irmão? Senhora? Senhora? Por que está correndo, senhora?"

Até a próxima!

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