Palavras que precisam ser ditas

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"...Abro meus olhos lentamente após meus ouvidos captarem um som... um som um tanto eletrônico.
Me sento em uma cama aparentemente diferente da minha, logo em seguida sinto que não estou sozinho, me viro para o lado e vejo madeixas pretas soltas no travesseiro.

Me inclino um pouco mais e apesar de estar escuro, um insistente filete de luz que Deus sabe de onde vinha iluminava o ambiente o suficiente para eu reparar no rosto.
Ela esta dormindo tão serena, parecia um crime acorda-la. Logo deixo de admira-la para finalmente sanar minhas dúvidas.
Havia uma baba eletrônica em cima da mesa de cabeceira emitindo os sons de uma criança chorando.

— Você quer que eu vá? — ela acabou acordando, mas tampouco havia aberto os olhos.

Sem entender muito do que se tratava resolvi me levantar.

— Pode deixar que eu cuido disso, volte a dormir — falei naturalmente.

Com os pés descalços senti o frio taco do chão, logo em seguida, como se fosse algo instintivo eu caminhei até o corredor da casa e parei em frente ao quarto que estava na esquerda com a porta aberta.
Havia um berço branco com um mobile cheio de ursinhos de animais pendurados.
Atrás dele, toda uma decoração infantil.

Fiquei estático... não podia ser...
Respirei fundo, engoli minha saliva e me inclinei puxando o trinco e fechando aquela maldita porta.

Dei meia volta.

Não, de jeito nenhum... eu me recuso!
Comecei a caminhar apressadamente querendo voltar para o lugar de onde eu havia vindo. E como em um típico pesadelo, o corredor ficou mais longo e eu parecia nunca alcançar a maldita porta. O choro ia ficando cada vez mais alto e intenso.
Comecei a correr que nem um lunático e quando eu finalmente alcancei o trinco do nosso quarto e abri a porta...
Senti meu corpo desequilibrar, meus joelhos dobraram e eu fui ao chão.

O choro do bebê parou imediatamente dando lugar a um murmurar de uma antiga canção de ninar e eu reconhecia aquela voz.

Victória estava de pé, aninhando um bebê em seus braços. Os cabelos desgrenhados e a longa camisola, ela olhava a criança com ternura e logo em seguida me abriu um sorriso, depois mandou um "chiu" como se quisesse que eu ficasse quieto pois a criança finalmente estava calma.
Eu sentia minhas lágrimas rolando e molhando meu rosto.

Como eu queria abraça-los, mas logo tudo foi substituído por terror quando a realidade finalmente bateu a cota.
Do nada, uma mancha de sangue debaixo de seu peito começou a aumentar na branca camisola dela, logo em seguida a mancha se estendeu para a criança em seus braços.
Em menos de alguns segundos os dois pingavam sangue e ela me olhava com horror, ela não estava mais aninhando a criança e sim sacudindo-a como se verificasse se ela estava viva.

E não estava.

Ela gritava na minha direção desesperada, mas eu só conseguia ouvir zumbidos e algo me prendia ao chão. Eu não conseguia me levantar..."

E então eu acordava... era sempre assim. Um maldito sonho recorrente que agora havia se tornado uma lembrança, sempre vindo me atormentar nos momentos mais fodidos.

Levei a garrafa ate a boca tomando mais um gole considerável, sequer me importava em colocar o líquido em um copo e bebê-lo com calma.
Uísque parecia a melhor maneira de enterrar os meus sentimentos.

Mas o que eu havia acabado de fazer ali com Julian e Victória.
Nao havia uísque no mundo que deletasse suas expressões de decepção, de dor, de sofrimento.
Me deixei ser engolido pelo couro da cadeira e virei mais um gole que era pra descer rasgando, mas minhas cordas vocais pareciam ter se acostumado a bebida quente.

Menos doloroso?! Repeti para mim mesmo a patética justificativa para todo esse sofrimento que eu havia acabado de infligir.
Por Deus, como doía. Tudo doía. Eu até choraria, mas eu estava tão fodido que simplesmente não conseguia. Era isso, eu havia abdicado do amor da minha vida e agora todos os dias eu teria que conviver com isso. Minha cabeça constantemente me apresentaria todas as possibilidades em um futuro com aquela mulher. Mas eu já não era digno disso, nunca fui.
Cristopher estava certo, amor só me traria dor e ruína. Tudo que havia acontecido ate agora era apenas a concretização de suas palavras. E por um tempo eu estive realmente disposto a perder tudo por isso.

Na falha tentativa de me distrair, tentei focar minha atenção para os papeis em cima da mesa. Mas fui interrompido.
Ouvi alguém entrando no escritório e fechando a porta — Que droga é... — quando olhei para ver de quem se tratava, me auto interrompi e resolvi esbanjar minha faceta mais fria.
— Eu quero que diga na minha cara! — ela exigiu aproximando-se.

Eu não queria falar, tudo aquilo já havia nos magoado o suficiente. O efeito que aquelas temidas palavras iriam causar, seriam irreparáveis e acima de tudo uma baita de uma mentira.

Soltei um longo suspiro, me obrigando aquilo — Mais obvio do que já foi? — questionei fazendo questão de relembra-la o que havia acontecido a meia hora atrás.

— Apenas diga e eu vou embora, nunca mais você vai ouvir falar de mim — ela alegou com convicção, acho que no fundo ela sabia que eu não tinha forças e nem coragem. Que toda aquela ceninha ridícula tinha o único propósito de afasta-la.

Mr. Blake - King Of Crime (Sem Revisão) HiatusOnde histórias criam vida. Descubra agora