2. Fracasso

3.7K 491 35
                                    

Becky tinha acabado de perder um caso muito importante para ela e estava se sentindo um lixo. Não era um caso grande, que mudaria sua carreira, mas era um caso que ela tinha se dedicado muito por conta do carinho que conquistou pelo cliente e sua família.

Charlie tinha sido preso em uma batida policial em seu bairro,a na área suburbana de Londres, e acusado de posse e tráfico de substâncias ilícitas. Era de menor na época, mas os policiais ao descobrirem que faltavam poucos dias para completar 18 anos, esperaram a data certa para prestar as queixas.

Charlie não era traficante, Becky concluiu depois de muito estudar o caso e conversar com o garoto e a família. Charlie era bom aluno, bom filho. O problema de Charlie era sua cor e classe social. O problema de Charlie era que ele tinha escolhido uma péssima hora para ir na rua comprar cigarro pro tio na loja de conveniência. Charlie foi julgado e condenado bandido por sua aparência, sua classe social e por estar no lugar errado na hora errada.

A conveniência era uma fronte do crime, todo mundo sabia. "Mas o que a gente pode fazer se é lá que vende as coisas, minha filha?", Becky lembra de Mary, mãe do menino, lamentar para ela.

A história era errada e de cortar o coração da advogada. Por isso ela passou meses se dedicando incansavelmente naquele caso, mesmo sabendo que Mary não tinha condições de lhe pagar. Ela fazia hora com clientes pagantes, mas o caso de Charlie estava sempre em algum lugar da sua cabeça.

Os processos jurídicos foram todos realizados e mesmo com todas as provas que conseguiu recolher e apresentar, mesmo com toda a defesa e testemunhos que preparou, Charlie foi julgado culpado e sentenciado a 6 anos de reclusão.

Becky não conseguia tirar da cabeça os olhos desolados do menino que a encarava com desespero e angústia.

"Deu tudo errado?" perguntou desesperado. "Eu não fiz nada, eu juro, eu juro!"

O coração de Becky se quebrou e ela abraçou Charlie pedindo com as mãos para que os policiais aguardassem um pouco antes de levá-lo.

"Eu não vou desistir de você, Charlie," disse ela com firmeza. "Eu ainda vou lutar por você, eu prometo. Fica forte, não arruma brigas. Fica na sua e eu vou fazer de tudo para tirar você daqui."

Eles se afastaram e Charlie tinham algumas lágrimas derramadas que a advogada prontamente limpou com as mãos.

"Sem choro, rapaz," ela sorriu, tentando passar alguma esperança para ele naquele momento devastador. "Não desiste de mim que não desisto de você, tá certo?"

Isso arrancou um sorriso fraco do menino que abaixou o rosto enxugando suas lágrimas e voltou a encarar a advogada.

"Vou dar o meu melhor," respondeu. "Eu sei que já pedi muito da senhora, mas a senhora pode cuidar da minha mãe?"

Becky sabia que Charlie que levava comida para dentro de casa. Era uma das únicas preocupações do menino quando eles se conheceram.

"Não se preocupa, tá? Só pensa em se manter bem e não cair na pilha de ninguém lá dentro," falou rapidamente quando o policial veio na direção deles. "Eles vão ter que te levar agora. Força. Eu sei que você tem de sobra. Eu vou cuidar da sua mãe, fica tranquilo," ela foi tentando falar tudo rápido, enquanto o policial já ia levando Charlie.

Antes de entrar na viatura, ele virou para ela e deu um sorriso singelo.

"Obrigada por me ver, doutora. Eu nunca vou esquecer."

POV Becky

Passaram três semanas desde que Charlie havia sido preso e eu quase não dormi durante todos esses dias. Estava me sentindo péssima. Como pessoa e como profissional. Aquele caso tinha doído em mim como nenhum outro.

Olhei para minha sala e garrafas de cerveja estavam espalhadas por ali, assim como pacotes de comida de delivery. Quando eu estava em casa, ou eu estava trabalhando em alguma alternativa para o caso de Charlie ou estava afogando minhas dores em bebida e comida. Eu sabia que não era o certo, mas era como eu estava conseguindo lidar com aquilo.

Hoje tinha sido um dia particularmente ruim, pois eu havia visitado Mary e descobri que fazia dias que ela estava sem energia e a comida que eu tinha mandado na semana anterior tinha estragado em boa parte. A mulher não havia me ligado para não "me dar tralho" e eu me senti pior ainda.

Depois de pagar as contas de energia e esperar que a companhia fosse religá-la, levei Mary e Charlize, a filha mais nova de Mary, para novas compras. Não é que como se eu tivesse dinheiro para esbanjar, mas vivia confortável o suficiente para poder cumprir minha promessa a Charlie de não deixar sua família passar necessidades.

Eu as deixei em casa aquela noite e elas só me deixaram sair depois que compartilhei um jantar caseiro maravilhoso com as duas. Era uma sensação estranha estar junto delas. Um misto de dor, carinho, tristeza, raiva de mim mesma e angústia pelo o que elas e principalmente Charlie estavam passando.

Quando cheguei em casa, aquela sensação ainda me acompanhava, então decidi lavá-la goela abaixo com álcool.

Estava perdida em meus pensamentos sombrios quando meu telefone tocou. Suspirei cansada e me levantei para alcançar a minha bolsa onde ele estava desde a hora que cheguei no meu apartamento. Quando peguei o aparelho em minhas mãos, até me surpreendi com o nome na tela. Não falava com Nam há meses.

"Ei Nam," falei me jogando de volta no sofá e dando um gole na minha cerveja.

"Bebendo segunda-feira, Becky?" foi a resposta que recebi. Revirei meus olhos. Eu amava Nam, mas ela podia ser chata demais quando se tratava de alguns dos meus hábitos.

"Eu não estou num bom humor, Nam," respondi fechando meus olhos e pressionando a ponta dos meus dedos sobre os mesmos. Uma dor de cabeça começaria em breve.

"Tudo bem," sua voz se acalmou. "Não liguei para brigar. Na verdade estou precisando de um grande favor seu. Mas é grande mesmo."

Isso me surpreendeu. Apesar de conhecer Nam desde criança, ela nunca havia me pedido favores, ainda mais algo que parecia importar muito para ela se eu fosse julgar por seu tom de voz.

"Para você, o que você quiser," falei com sinceridade. Ela podia ser uma chata as vezes, mas eu a amava como irmã. Faria tudo por ela.

"Eu preciso de seus serviços como advogada, mas você vai ter que vir para Bangkok."

A família da minha mãe era Tailandesa e todo o verão, eu ia passar algum tempo lá. Foi onde eu conheci Nam.

"O que você tá fazendo em Bangkok que precisa de ajuda minha como advogada, Nam?" falei preocupada.

"Você vem? Se sim, eu te conto tudo."

WhisperOnde histórias criam vida. Descubra agora