42. O dia inteiro

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Freen estava nervosa e suas mãos inquietas demonstravam isso. Vestia trajes sociais e sua maquiagem e cabelo estavam impecáveis, mas abaixo disso, os nervos estavam a flor da pele.

Becky estava tranquila e séria. Havia se preparado para aquele momento e tudo o que poderia vir com ele. Era imprescindível manter a calma durante audiências, permitindo assim, seu cérebro tomar melhores decisões. Queria, no entanto, alcançar as mãos de Freen ao seu lado e lhe passar confiança, mas os olhos atentos sobre elas a impediam.

Kirk sentava do outro lado da mesa com uma expressão neutra em seu rosto, mas os olhos estavam sempre grudados em Freen. Becky apenas tentava não encarar o homem como quem quisesse socá-lo na primeira oportunidade.

Estavam a algum tempo esperando o conciliador para dar início a audiência, quando o mesmo entrou na sala e anunciou que teriam que mudar de local, porque contariam com a presença do juiz responsável pelo caso e de um representante do ministério público. Becky estranhou, aquilo não era exatamente comum.

Freen a olhou confusa e, ao levantarem para seguirem para a sala de audiência, a advogada fez com que elas ficassem um pouco atrás do restante do grupo e tocou suavemente no início das costas da tailandesa, chamando sua atenção.

"Vai ficar tudo bem," a advogada garantiu, com olhos firmes, mas carinhosos.

"Ok," Freen falou, suspirando aliviada. Confiava em Becky.

Assim que adentraram o novo lugar da audiência e se posicionaram em seus devidos lugares, a advogada voltou a sua postura total profissional.

Tudo acabou acontecendo exatamente como as duas mulheres esperavam e temiam, e em alguns aspectos, até pior. O advogado de Kirk constestou praticamente todos os pedidos feitos por Freen, até mesmo nas coisas onde Becky achou que não teriam problemas, como na divisão de bens.

Freen havia pedido apenas a casa onde moravam, porque queria que a filha tivesse aquela estabilidade. Não era um pedido absurdo levando em consideração o tanto de patrimônio que os dois tinham juntos. Ela abriu mão de propriedades em outros estados, alguns investimentos e outros bem materiais. Mas Kirk decidiu que ainda sim, ela pedia demais. O advogado passou minutos em um discurso - profundamente idiota, na opinião da modelo - de como a casa tinha valores sentimentais para Kirk e ele insistia em tê-la, mesmo que abrisse mão de outras coisas.

Estava claro como a luz do dia que Kirk dificultaria tudo até o fim. Freen sentiu um peso formar sobre seus ombros e como se um buraco tivesse aberto em seu estômago.

Enquanto todo o teatro do outro advogado acontecia, Becky aproveitou para observar tudo ao seu redor e tomar suas notas. Em algum lugar na página cheia de observações feitas por ela, a advogada marcou com um grande círculo um ponto de interrogação.

Quando enfim as duas partes finalizaram e nenhum acordo foi conseguido, só restou ao juiz declarar que tudo deveria então ser resolvido na audiência de instrução e julgamento. Quando o mesmo anunciou a data desta para daqui a dez meses, o coração de Freen foi ao chão.

Ainda teria que esperar dez meses para aquele inferno acabar?

Freen ainda estava presa em seus pensamentos pessimistas, mas Becky observou quando Kirk saiu com um sorriso vitorioso dali. A londrina sentiu raiva pulsar em suas veias e se perguntou como alguém tão podre podia ter recebido a honra de ter como família Freen e Li.

"Ei," Becky chamou delicadamente Freen, que ainda estava sentada no mesmo lugar, com um olhar perdido em seu rosto. "A gente já sabia que seria assim, certo? Mas agora ele mostrou as cartas dele e a gente tem com o que trabalhar. Vai ficar tudo bem."

Freen queria acreditar naquelas palavras. O tom delicado da advogada quase a convenceu, mas o pessimismo dentro de si estava falando mais alto naquele momento.

"Só vamos sair daqui," Freen pediu, cansada.

"Ok," Becky falou se levantando e esperando que ela a acompanhasse.

Entraram no carro da tailandesa e Becky esperou a mulher ligar a ignição, mas não aconteceu. Freen encarava firmemente o volante a sua frente, enquanto suas mãos estavam fechadas em punhos nas suas coxas. A advogada observou tudo, se sentindo impotente.

POV Becky

Era difícil ver Freen naquela situação. Eu tentei avisá-la que seria um processo lento, mas também entendia que hoje tudo isso tinha se tornado ainda mais real. E não ajudava em nada o fato de Kirk não estar colaborando.

Deixei ela ter um momento seu, mas não queria que ela ficasse muito tempo presa em seus pensamentos. Eu, melhor que ninguém, sabia o quão perigoso podia ser estar refém da nossa própria mente às vezes.

Levei minhas mãos até a sua direita e, da maneira mais delicada que pude, desfiz o aperto de seus dedos. Isso me fez ganhar sua atenção. Fingi que não percebi seus olhos em mim e encaixei minha mão esquerda na dela, pedindo espaço com meus dedos entre os seus.

Quando eu a olhei dessa vez, ela me encarava curiosa, e eu apenas sorri.

"Eu meio que quis fazer isso o dia inteiro hoje," respondi sua pergunta muda. "Isso e socar seu ex-marido," completei.

Uma risada alta e gostosa saiu da garganta de Freen.

"Ele ainda não é meu ex-marido, infelizmente," falou voltando a ficar mais séria com esse pensamento.

"Só formalmente," falei.

A maneira que ela me olhou depois disso, me fez pensar se eu havia dito algo errado. Ela me encarou séria por alguns instantes, até seu olhar se transformar em algo que eu reconhecia. Engoli em seco.

Primeiro ela desentrelaçou sua mão direita da minha, apenas tempo o suficiente para encaixar nela sua outra mão. Observei seus gestos lentos e mesmo os atencipando, reagi fechando meus olhos quando senti sua mão suave em meu rosto. Quando finalmente os reabri, encontrei novamente os seus encarando minha boca. Senti meu coração acelerar. Eu havia a parado da última vez, mas sabia que se ela começasse, eu não teria forças para impedí-la agora.

Ela se aproximou devagar de mim, e eu pensei que ela me beijaria, mas seu rosto apenas tocou a lateral do meu, enquanto sua mão deslizava até a minha nuca. Senti sua boca passear pela minha bochecha, sem beijá-la, apenas um roçar leve. E novamente, eu virei só sentidos.

Sua mão macia, sua respiração quente e seu cheiro me invadiram de uma só vez. E mesmo que eu quisesse resistir, eu não conseguiria. Sem nem pensar, virei meu rosto e encaixei minha boca na dela. Eu já não podia negar que precisava daquilo. Sua mão apertou firme em minha nuca, como se ela não pudesse também mais negar nada.

Aquele beijo - diferente do primeiro - não foi suave, foi um tanto desesperado, necessitado. As nossas bocas se buscavam e se encontravam rapidamente e intensamente, como quem já havia esperado demais.

A mão de Freen em minha nuca, acariciava e me guiava de encontro a ela, enquanto a minha mão livre entrelaçadas em seu cabelo, buscava o mesmo.

O beijo intenso foi lentamente se transformando em leves carícias entre os lábios quando o ar nos faltou. Pensei em como eu não queria que terminasse. Em como seria quase torturante não poder fazer isso de novo.

Quando sua boca se afastou da minha, no entanto, senti seu polegar passear pelo meu rosto em uma carícia.

"E eu meio que quis fazer isso o dia inteiro," Freen falou, me fazendo abrir os olhos, que até então ainda estavam fechados aproveitando o momento.

O sorriso que tinha em seu rosto e a proximidade dele do meu, me deram coragem para tocar minha boca na sua em um beijo rápido.

"Pode fazer quando quiser," ofereci, desejando que ela quisesse sempre.

Notas da autora:

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