33. Liberdade

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Já eram passadas as 21h e por insistência de Nam, Freen decidiu dormir ali mesmo. Desde que saíra da fazenda dos pais de Kirk, estava ignorando as chamadas do ex-marido. Havia apenas enviado uma mensagem — por recomendação da advogada — avisando que estava na casa de Nam, mas que retornaria no próximo dia para conversarem. Quando Freen se sentiu mais racional, agradeceu à londrina, afinal não podia cometer nenhum erro que lhe custasse a guarda da filha.

Jantaram em um clima descontraído. Becky e Nam passaram o tempo inteiro tentando disfarçar o clima estranho para Li não perceber, e tinha dado certo. A menina agora trajava seus pijamas favoritos e estava deitada na cama de Becky. Haviam decidido que Freen e Li dormiriam no quarto da advogada e Becky dividiria a cama com Nam pela noite.

"Mãe, vamos ler o livro da borboleta?" Li pediu enquanto Freen a colocava para dormir. A menina era viciada naquele livro e claro que na pressa, Freen havia esquecido de colocá-lo na mochila.

"Poxa, filha, mamãe esqueceu de trazer esse livro. A gente não pode dormir hoje sem historinhas?" perguntou. Não queria passar nada da situação para a filha, mas estava exausta. E sem o livro, ela não tinha cabeça para inventar as histórias que geralmente contava.

A feição triste que tomou o rosto da menina foi como uma facada no coração da modelo. Ela sabia, conscientemente, que era apenas uma reação normal da criança ao não receber o que tanto queria. Mas na fragilidade do momento que passava, se sentiu péssima e inadequada como mãe. Já bastava se sentir assim como mulher.

Não sabia muito bem o que responder à filha, quando ouviu batidas leves na porta.

"Ei, eu vim pegar umas roupas para dormir," era Becky com um sorriso gentil no rosto. A advogada focou na feição de Freen e seu sorriso sumiu, sendo substituído por uma cara de preocupação. "Tá tudo bem?"

"Mamãe esqueceu meu livro das borboletas," falou Li fazendo um biquinho que a advogada achou adorável.

Freen, que estava agora de costas para a filha e de frente para a direção de Becky, sentiu algumas lágrimas se formarem em seu rosto.

A passos largos, Becky se aproximou da tailandesa e tocou os seus ombros.

"Freen, acho que a Nam está lhe chamando. Por quê você não vai ajudá-la e eu termino de por a Li pra dormir?" a londrina disse, apertando levemente os ombros de Freen, em um consolo silencioso. "Posso, Li?" perguntou para a menina.

"Você sabe contar histórias legais, Becky?" Li perguntou, desafiante.

"Se eu sei contar histórias legais?" Becky se fingiu de ofendida. "Sou a melhor contadora de histórias da Tailandia!" disse brincando. Becky abaixou seus olhos até a modelo, que ainda se encontrava sentada na cama, lutando contra um choro quieto. "Eu cuido disso, ok?" disse em sussurro. Freen concordou com a cabeça e limpou seus olhos rapidamente.

"Boa noite, bebê. Dorme bem. Amo você," Freen disse se aproximando da filha na cama e deixando um beijo em seus cabelos.

"Também amo você, mamãe," Li respondeu e Freen saiu dali rapidamente, antes que não conseguisse mais segurar suas emoções.

"E então, qual seu estilo? Princesas, Bruxos, Dragões... Ah, ouvi que gosta de borboletas. Que tal?" Freen ouviu Becky dizer antes de sair totalmente do quarto.

Andou a passos rápidos até o sofá e se sentou ali, cobrindo o rosto com as duas mãos enquanto se permitia finalmente chorar.

Nam encontrou a amiga daquele jeito e sentiu seu coração pequeno. Era tão difícil ver o sofrimento das amigas. Era como se fosse com ela mesma. Andou a passos lentos até Freen e se sentou ao seu lado, passando um de seus braços pelos ombros da mulher. Não sabia o que ela estava sentido e talvez nunca soubesse, mas torceu para que sua presença trouxesse algum consolo.

"Eu sou uma péssima mãe?" a pergunta foi tão inesperada e ridícula, na opinião de Nam, que ela demorou alguns segundos para responder.

"Você é uma mãe incrível, Freen!" Nam falou com convicção. "Ei, me olha..." a menor esperou até que a amiga estivesse lhe olhando nos olhos para continuar. "Você é uma mãe maravilhosa, Freen. O jeito que você cuida, protege, põe tudo na sua vida em segundo plano para a sua filha é admirável. Eu imagino que deva estar a maior confusão aí nesse seu cabeção," brincou, conseguindo até arrancar uma risada fraca da outra. "Mas não pensa nunca que você não está fazendo o seu melhor. Não se culpe. As coisas podem não ter dado certo e tudo bem, acontece. Você é fortaleza, Nong. Você vai sair dessa e vai ser feliz de novo. A Li também. Crianças são resilientes e se pequena puxou um terço de você, que eu sei que sim, ela vai ficar bem também."

Freen ouviu atentamente as palavras de Nam e numa tentativa de agradecimento, a puxou em um abraço apertado.

"Eu amo você, Nam. Obrigada por tudo!"

"Eu amo você também, Freen. E você pode contar comigo sempre."

O momento foi interrompidos pela chegada de Becky na sala.

"Ela dormiu," a mulher informou.

"Obrigada, Becky. Você me salvou lá dentro," Freen disse limpando as lágrimas do rosto mais uma vez aquele dia. Torceu para que fosse a última.

"Não precisa agradecer," a advogada respondeu gentilmente.

Nam olhou entre as duas e se sentiu confusa. Elas estavam agindo normalmente durante toda a noite, mas agora a cantora estava sentindo alguma coisa estranha no ar, mas não sabia dizer o que. Achou que era melhor deixar quieto. Por enquanto.

"Freen, por que você não toma um banho para se deitar? Aí você relaxa um pouco," Nam ofereceu.

"Acho que vou fazer isso mesmo," disse Freen se levantando. "Antes disso, eu poderia conversar um pouco com a Becky a sós, Nam?"

A cantora olhou para as duas amigas e concordou. Desejou boa noite para Freen e foi em direção ao seu quarto, deixando as duas mulheres a sós.

Becky estava se sentindo tímida. Tinha receio do que a conversa traria, mas se manteve firme e tentou passar segurança em sua postura.

"Becky," Freen começou. "Eu queria falar do que aconteceu mais cedo."

Becky concordou e ambas se sentaram uma em frente a outra no sofá.

"Eu não sei o que deu na minha cabeça," prosseguiu Freen. "Na verdade, eu sei sim. Eu estava me sentindo frágil e você me passa tanta segurança e tem uma energia tão positiva e contagiante que eu acabei metendo os pés pelas mãos," ela falava rapidamente, mostrando o nervosismo. "Eu quero que você saiba que em nenhum momento eu quis brincar com você ou com os seus sentimentos e que eu sinto muito se eu te deixei descon..."

"Ei," Becky a interrompeu, pegando a mão de Freen, que estava sobre sua coxa direita. "Não precisa se desculpar. Está tudo bem, eu não estou magoada. Eu sei que não significou nada nesse sentido."

"Significou alguma coisa sim, Becky, eu só não sei te dizer o que é. E não sei se um dia vou conseguir te dizer. E é por isso que eu sinto muito."

"Pois não sinta. Em nenhum momento eu te cobraria alguma coisa em relação a isso. Eu quero que você foque em você, na sua felicidade, no que você precisa agora," Becky disse com uma sinceridade que era palpável para a tailandesa. Isso fez a mesma sorrir.

"Obrigada, Becky," falou simplesmente, porque não sabia mais o que dizer. Não tinha mais o que dizer.

"Não por isso. O que você precisa agora?"

"Eu quero ser livre," Freen respondeu prontamente.

"Então amanhã mesmo a gente começa a trabalhar nisso."

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