Whisper

6. Idiomas

O caminho até o apartamento que Nam estava ficando em Bangkok foi desconfortável para as duas mulheres. Becky se debatia com os sentimentos de atração que tinha tido instantâneamente pela outra mulher e se sentia mais uma vez culpada, como se de alguma maneira não estivesse a respeitando. Racionalmente era um pensamento idiota, Becky sabia, mas andava tendo esses tipos de pensamentos ruins sobre si mesma constantemente nos últimos tempos. Sabia que talvez precisasse de mais que "férias", quem sabe até voltar a ter um acompanhamento psicológico, - mas isso era algo que pensaria depois.

Freen tinha os pensamentos ocupados também, mas diferente da mulher ao seu lado, pensava preocupada que se Kirk descobrisse o que ela estava fazendo, podia ser muito ruim para ela. A verdade é que o maior medo de Freen, não era apenas o fato de Kirk ser famoso, mas a influência da família de seu marido naquela cidade. O cantor vinha de uma família rica e influente, logo conhecia pessoas nos lugares certos, e aquilo era o que mais apavorava a influencer.

Becky percebeu que a mulher parecia tensa e presa em seus pensamentos, por isso não tentou puxar nenhum assunto. Estava ali para trabalhar e ajudar, mas não gostava de forçar sua presença em ninguém. Quando elas estivessem em uma situação mais formal, Freen teria que contar as coisas pra ela. Mas ali, elas podiam viajar apenas em silêncio.

Não demorou para Freen parar seu carro em frente a um prédio bonito localizado em uma rua bastante movimentada. Becky ousaria dizer que estavam em um algum tipo de centro comercial de Bangkok.

"Nam está ficando aqui," falou Freen se virando para o banco do carona e olhando pela primeira vez para Becky depois que entraram no carro. "Ela disse que você ficaria com ela, mas se você quiser, eu posso pagar um hotel para você," Freen ofereceu. Como Becky estava em Bangkok para oferecer seus serviços a Freen, ela não se incomodaria em pagar por sua estadia.

Nam tinha falado ao longo dos anos de Becky. Falava sempre com muito carinho do tempo de infância e da admiração que sentia pela advogada. Freen, que conhecia Nam muito bem, sabia que para a cantora ter tanto estima por alguém, a pessoa devia ser realmente especial. Com isso, apesar da situação que trazia a advogada até Bangkok, Freen queria que ela se sentisse bem e confortável, afinal era muito agradecida por ela ter aceito aquele convite um tanto inusitado.

Becky lançou para a outra mulher um sorriso educado e balançou a cabeça em negação.

"Eu não me importo de ficar com a Nam, vai ser até bom pra mim. Matar um pouco a saudade dela," Becky respondeu.

Freen concordou com a cabeça, entendendo, e se movimentou para sair do carro, sendo acompanhada pela outra mulher.

Juntas pegaram as coisas de Becky e entraram no prédio, onde Freen tinha passe livre, já que passava bastante tempo ali com a amiga e Li sempre que podia.

Entraram no elevador e Becky observou quando Freen apertou o botão do oitavo andar.

POV Becky

Eu observei Freen durante todo o caminho do aeroporto até o apartamento de Nam. Essa era uma mania minha, sempre gostei de observar as pessoas e imaginar o que se passava na cabeça delas.

Freen parecia ser uma mulher muito fechada em seu mundo. Não sabia se esse era o estado natural dela ou se apenas estava assim por conta do que estava passando em sua vida pessoal. A mulher tinha uma beleza encantadora, mas ao mesmo tempo passava uma tristeza quase imperceptível aos olhos de quem não observasse de perto. Eu reconhecia bem essa máscara, afinal era uma que eu costumava colocar todos os dias quando acordava.

Pensar nisso me fez sentir uma pontada de leve no peito. Imaginar que alguém tão nova e com uma vida cheia de possibilidades a sua frente pudesse carregar uns fardos tão pesados me incomodava. Será que era assim que as pessoas me viam?

Balancei minha cabeça, tentando espantar aqueles sentimentos. Um dos motivos de ter aceitado vir para Bangkok, era para não me perder em meus pensamentos sombrios.

Freen saiu do elevador quando ele parou e eu a segui. Em alguns passos curtos, a mulher parou na porta do apartamento 801 e de sua bolsa tirou um molho de chaves. A observei enquanto ela abria a porta e me convidava para entrar antes dela. Fiz isso carregando minha mala e bolsa, enquanto ela me seguia carregando minha bolsa de mão que insistira em me ajudar a trazer.

O apartamento de Nam era maior que o meu em Londres. Tinha uma sala espaçosa que se dividia da cozinha por uma bancada de mármore bonita. A cozinha era em tons claros e a decoração jovial e colorida do apartamento me lembrou muito a minha amiga, o que me fez sorrir.

"É a cara da Nam, não é?" Freen falou, me despertando de meus pensamentos e me fazendo encará-la. A mulher sorria pequeno para mim e eu tive que me concentrar bem para não me perder encarando seu rosto. Eu tinha um fraco para sorrisos e os dela eram incríveis.

"Sim," respondi virando meu rosto de volta para o apartamento e tentando me tirar daqueles pensamentos. "Tudo o que Nam toca acaba tendo um pouco dela," falei sorrindo pensando na minha amiga.

"Até pessoas," Freen falou e eu tive que concordar.

Entramos mais no apartamento e eu deixei minhas coisas no chão da sala. Esperaria Nam chegar para me dizer onde eu deveria guardá-las.

Observei Freen andar até a cozinha e mexer em um dos armários.

"Aceita um café?" perguntou, se movimentando como se aquele lugar fosse seu. Imaginei que ela deveria passar bastante tempo ali.

Concordei com a cabeça, me sentando em um dos bancos altos que ficavam em frente a bancada da cozinha e observei a mulher se movimentando no pequeno espaço.

"Eu sei que já cobrimos isso, mas queria me desculpar mais uma vez por te fazer esperar hoje," tentei interrompê-la para dizer que não era necessário, mas ela não deixou. "Eu sei que você disse que entende, mas eu só quero que a gente comece tudo com o pé direito," falou terminando de arrumar o café na cafeteira e me lançando um sorriso, -que pela primeira vez alcançou seus olhos, - notei.

"Sem problemas, Freen. O café vai garantir que isso aconteça," falei tentando brincar e continuar com o clima mais leve.

Ela deu a volta na bancada e se sentou ao meu lado em um outro banco.

"Acho, então, que devo lhe dar boas-vindas a Tailândia," ela disse jogando seus cabelos sobre um dos seus ombros e me olhando nos olhos. O cheiro dos seus cabelos invadiram minhas narinas por conta do gesto e da proximidade e eu tive que me controlar para não me derreter naqueles olhos ainda mais brilhantes tão perto dos meus.

"Sim, fazem alguns anos que eu não venho aqui," falei e fiquei feliz que minha voz saiu firme. Eu não sei qual era o feitiço que aquela mulher tinha, mas eu estava encantada.

"O seu tailandês é muito bom, no entanto. Por conta da sua família?" perguntou.

"Isso também, mas eu estudei direito tailandês online ao mesmo tempo que estudei direito na inglaterra e isso me ajudou muito a manter contato com o idioma. Eu queria poder advogar nos dois países que considero minha casa," eu disse rindo sem graça e passando as mãos no meu cabelo ainda preso.

"Nesse caso, devo ficar grara por isso. Eu falo zero de inglês," respondeu, rindo de volta.

"Nam teria que ser nossa tradutora," continuei o assunto.

"Sim, mas eu teria medo de ela estar me enganando o tempo todo," respondeu divertida, inevitavelmente me fazendo sorrir.

Era como se agora uma outra Freen estivesse na minha frente. Essa tinha um ar jovial e alegre. Tinha um sorriso aberto e uma risada alta e natural. Até olhos escuros pareciam mais vivos nessa versão da mulher.

Eu decidi que gostava muito mais dessa versão dela.