Whisper

38. Segurança e Conforto

Freen acordou cedo no outro dia, mas sem se surpreender, não foi a primeira ocupante do apartamento a acordar. Parecia que Becky levantava junto com o nascer do sol.

Quando a modelo entrou na cozinha, encontrou a mulher escorada no balcão, lendo alguma coisa em seu celular enquanto uma xícara de café repousava em sua frente. Ela vestia shorts curtos de pijama, uma blusa branca colada ao corpo e tinha seus cabelos presos em um coque no topo da cabeça. O olhar concentrado e os óculos redondos de grau completavam o visual.

Os olhos de Freen percorreram a figura da mulher e não pela primeira vez, a tailandesa questionou os efeitos que Becky tinha sobre ela. Era inegável que a mulher era atraente e ainda mais inegável que o beijo que compartilharam havia sido especial para modelo. Ela continuava sem saber o que especial significava, mas em meio aos seus devaneios de mais uma noite mal dormida, ela se viu pensando nos lábios macios de Becky no seus.

"Ei, bom dia," Becky disse percebendo a presença de Freen na cozinha.

"Bom dia," a tailandesa respondeu, sentindo seu rosto corar levemente por conta dos pensamentos que estavam rodeando sua cabeça. A verdade era que ela não podia se dar ao luxo de pensar nisso. Não agora.

A advogada serviu mais uma xícara e depositou ao lado da sua no balcão, oferecendo um sorriso convidativo para Freen. Não precisava mais perguntar se ela queria, já havia virado uma resposta óbvia.

"Obrigada," a modelo agradeceu, ocupando o banco em frente a advogada, que estava do outro lado do balcão ainda escorada no mesmo.

"Como você está se sentindo?" Becky perguntou com seu tom de voz gentil e a tailandesa observou como seus olhos percorreram rapidamente até seu braço.

"Melhor que ontem," Freen respondeu, sincera. Apesar de não ter dormindo quase nada durante a noite, estar ao lado da filha lhe trazia conforto e ela acabou conseguindo dormir algumas horas boas de sono.

"Você quer falar sobre o 'você sabe o que?" a advogada falou virando seu rosto até o corredor. Ficou claro que o código era para caso Li acordasse do nada como no dia anterior.

"Quero. O que vai acontecer agora que 'voce sabe quem' decidiu ir contra?"

"As coisas vão seguir normalmente. Eu já entrei com o processo ontem, agora temos que esperar eles marcarem a audiência. Vai chegar um e-mail com a data da audiência de conciliação para mim e uma carta de citação da petição inicial do divórcio para ele. Então ele vai ter que arrumar um advogado para ir com ele no dia. Nessa primeira audiência, a gente vai tentar resolver por meio de acordos. Eles já terão as nossas estipulações e trarão as deles. Seria importante resolver tudo isso logo nessa primeira audiência, mas do jeito que você falou que as coisas foram ontem, provavelmente teremos que resolver a separação, o divisão de bens e a custódia da menor na audiência de instrução e julgamento," Becky explicou calmamente. Já havia explicado isso antes para a tailandesa, mas achou que seria bom reafirmar.

"Mas ele vai ser obrigado a assinar, mesmo se não quiser?" perguntou Freen, essa era sua preocupação desde a conversa falida do dia anterior.

"Sim, Freen. O juiz vai determinar isso na audiência. Ele não pode te obrigar a ficar com ele. Como você não pediu muita coisa em relação a separação de bens, eu acredito que essa parte vai ser a mais fácil. Temos mesmo que nos preparar para lutar pela guarda da Li, mas acho que com o que temos, vai ser o suficiente. Ainda mais que você decidiu pedir apenas guarda compartilhada," a advogada tentou assegurar a outra mulher.

"Eu não quero que ela cresça sem o pai presente," Freen respondeu. Em nenhum momento queria isso para a filha.

"Eu sei," Becky sorriu gentilmente.

Admirava muito Freen por inúmeros motivos que foi descobrindo gradativamente durante aquelas semanas que se conheciam, mas uma das coisas que mais encantava a londrina em relação a tailandesa, era o coração. Em meio a todo o caos que um divórcio pode trazer, ela conseguia sempre pensar no melhor para a filha. Nem todos os pais conseguiam deixar de lado o rancor o suficientes para isso. Não que Becky estivesse julgando alguém, afinal quem era ela? Mas era apenas mais um motivo para reconhecer a mulher incrível que Freen era.

"Esses processos podem demorar?" Freen perguntou preocupada. "Você vai ficar aqui para tudo, não é?"

Percebeu naquele instante que não consegui se imaginar travando aquela batalha sem Becky ao seu lado.

"Sem nenhuma dúvida," a advogada respondeu rapidamente, sem nem pensar duas vezes.

O olhar cúmplice que surgiu entre elas fez o coração de Becky acelerar. Estava sendo difícil para a londrina negar os sentimentos que vinham cada vez mais fortes e insistentes a cada interação que tinha com Freen. Conscientemente, ela sabia que não podia agir neles, mesmo que parte de si acreditasse que seria sim correspondida; mas inconscientemente era impossível não querer estar ali para a tailandesa como mais que advogada e amiga. Não queria nem pensar nisso, mas se Freen assim quisesse, Becky se entregaria fácil aos seus sentimentos.

Freen, ao mesmo tempo, também reagia àquela troca. Mas diferentemente de Becky, o que ela sentia era segurança. No decorrer daquelas semanas, esse era o sentimento que a modelo relacionava à advogada, segurança e conforto. Saber que a outra estaria ali com ela lhe dava esperanças que essa fase ruim passaria sim.

Notas para esclarecimento dos termos jurídicos:

Petição inicial: é a peça jurídica onde o(a) autor(a) descreve para o juiz os fatos que envolvem seu direito; os fundamentos jurídicos do mesmo (artigos de lei, decisões judiciais anteriores e/ou lições de autores sobre o tema) que confirmem seu direito; e faz seus pedidos ao juiz.

Citação: momento em que réu é notificado por um Oficial de Justiça da existência de um processo contra ele. Neste documento, constam quem é o(a) autor(a) e o objeto/motivo da ação.

Audiência de conciliação: é uma audiência preliminar, onde as partes podem chegar em um acordo, sem a interferência do juiz. Se houver acordo em todas as questões da ação, o juiz homologa o acordo e encerra o processo sem julgamento.

Audiência de instrução e julgamento: é a audiência principal, onde o juiz poderá ouvir autor e réu, bem como as provas que as duas partes querem produzir, como ouvir testemunhas. Posteriormente, analisa as alegações das duas partes e dá sua decisão por meio de sentença.