capítulo 10

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Acordei por volta das dez horas, graças as minhas cortinas pesadas, nenhum raio de sol adentrava a escuridão.

Me sentei na cama ainda desnorteado e passei as mãos pelo rosto, a semana que se seguiria seria composta de porres noturnos e dores de cabeça matinais.

Parei por alguns segundos olhando pro nada, talvez minha alma ainda não estivesse no corpo. Um gesto quase imperceptível chamou minha atenção, a maçaneta da porta que dava para o corredor começou a girar lentamente.

Meus pés encontraram o chão gelado ao mesmo tempo que comecei a tatear cegamente o estrado da cama, meus dedos corriam tábua após tábua em busca do metal frio.

Assim que o metal da minha RT096 .22  tocou as pontas dos meus dedos, minha mão se fechou sobre sua coronha e a puxou para fora de seu esconderijo.

Com a arma em punhos, engatilhei ela e firmei o braço contra a porta esperando quem quer que estivesse no corredor entrar. A porta se abriu lentamente revelando um Gabriel com cara de quem não dormia a dias.

- QUE PORRA É ESSA ALEMÃO! - seu rosto sumiu rapidamente da minha mira enquanto ele se escondia atrás da porta, minha risada saiu rouca enquanto desengatilhava a arma e a jogava perto do meu travesseiro

- eu só queria uma jaqueta, tá muito frio aqui dentro de casa - ele se justificou acendendo a luz do meu quarto e entrando

- e você não tem nenhuma blusa de frio? - perguntei me levantando da cama

- tenho, mas as suas são melhores - ele abriu a porta do meu guarda roupas e começou a procurar alguma coisa que o interessasse

Tirei minha camiseta e joguei na cama enquanto me dirigia ao banheiro, encostei a porta e comecei a me despir, um banho quente era tudo que eu precisava.

Liguei o chuveiro, enquanto entrava em baixo de onde a água cairia, ele tossiu duas vezes antes de despejar um jato quente em mim. A água escorrendo pela minha pele era como se levasse todas as minhas preocupações embora e deixasse o mundo um pouco menos barulhento.

- você acha que a cigana fica? - a voz do Gabriel soou por cima do som do da água corrente

- eu não sei, a gente não anda conversando - respondi com sinceridade

- eu acho que ela retorna as atividades mais rápido do que gostaríamos, eu limpei a bagunça que ela deixou lá em baixo de madrugada...

- retornar é fácil, mas e ficar? Será que ela fica mesmo depois que voltarmos para Itália?

- bem provável, o pai sempre sabe como convencer todo mundo. E você? Vai ficar? Porque antes era você e a cigana na parte de cobrança, e agora como vai ser?

- bem provável que seja do mesmo jeito, ele não vai querer mudar algo que já está dando certo

- já deu certo, não sabemos agora né depois de tudo

- e você? Pretende ficar? Voltar a ser o chefe da segurança?

- eu gostava do me trabalho, sempre me dei bem cuidando de um bando de brutamontes querendo socar alguém - nos dois começamos a rir

- então vai voltar tudo aos conformes, o Erick com as fazendas, coiote com os cartéis, Marasato com a frota, você segurança, eu e a cigana nas cobranças.

- só não entendo porque fez o show todo, nos separou e afastou pra depois mandar a gente voltar.

Sai de baixo do chuveiro e comecei a me secar.

- não dá pra ter certeza sem perguntar pra ele, mas acho que ele só queria que dessemos um tempo sabe, todos estavam mergulhando de cabeça e sem pensar nas consequências

- deve ser porque não tem consequências, o que poderiam fazer com a gente?

- olha, tem muitas coisas que poderiam fazer com a gente, mas não vou lista-las pra você - sai do banheiro e dei de cara com ele jogado em minha cama mexendo no celular

- sabe o que vou fazer? - ele perguntou se levantando, olhei com a sombrancelha arqueada na direção dele- vou beber alguma coisa pra já começar bem o dia - ele passou por mim e saiu do quarto sem dizer mais nada.

Coloquei uma calça jeans escura, uma camisa de manga longa preta,  minha jaqueta de couro, e calcei minhas botas. Com o óculos de sol em mãos desci para a sala de estar. 

- o Alemão é especialista, nos diga alemão, como que mata a ressaca? - a voz do Marasato me encontrou antes mesmo que pudesse assimilar o que estava acontecendo. Meus olhos encontraram a mesa de centro com vários copos de shots.

- eu acho que minha opinião não vai mudar muita coisa - me sentei no sofá de frente a mesa - então mete bala, enche esse copo aí

- é disso que eu estou falando minha gente, se aproximem, não sabemos até quando vamos ficar nessa vida boa

Todos rodearam a mesa enquanto Marasato enchia os pequenos copos. Ninguém ali estava realmente bem, e nenhum de nós estávamos dispostos a admitir isso meus olhos passou de rosto em rosto, apesar de não querer estar ali, não podíamos voltar atrás.

Erick estava sentado ao meu lado, seu rosto impassível como sempre, demonstrar sentimentos não era o seu forte, e não sabíamos muito sobre ele já que conosco só falava sobre o trabalho. E depois que nós separamos isso só piorou, mas de nós foi o único que conseguiu seguir sem olhar para trás.

Do seu lado, Gabriel estava sentado no chão, assim que foi iniciado ele soube que isso não era pra ele, que só queria uma vida tranquila no interior com uma familia pequena, mas depois que entra não é tão fácil sair.

Cigana estava ajoelhada do lado dele, seu vestido lilás dava a ela um ar de inocência, porém os hematomas e cortes mostravam quem realmente ela era, desde pequena foi treinada para matar, sem ter realmente uma vida que deveria, ao invés de brincar de boneca, aprendeu como manusear qualquer arma que colocassem a sua disposição, fez faculdade de enfermagem, e aprendeu tudo que podia de luta corpo a corpo.

Marasato desde que nós conhecemos, desconta seu stress e suas frustrações em álcool, droga e mulheres. E mesmo assim, de nós é o mais centrado, sabe o que, onde, como e com quem sempre, tudo que você precisa ele é quem pode ajudar.

Coiote afundado em dividas e sem diferenciar o que é certo e o que é errado, sempre extrapolando em tudo que faz. Não foi surpresa para ninguém quando ele foi preso.

E eu, gastando dinheiro e investindo só pra não lidar com a realidade em que vivemos, já cansado de tudo e sem poder desistir, agora tendo que ver meu primeiro amor todos os dias sem poder tê-la ao meu lado.

Todos nós entornamos o líquido transparente e forte do copo, cada um com sua luta interna, sem dividir seus problemas com os outros, mas mesmo assim cientes de que todos nós compartilhamos o mesmo sentimento e a mesma dor.

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