capítulo 41

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Meu corpo parece pesado, e a exaustão me acompanha a cada passo que dou. A decisão de sair do quarto foi difícil, mas a necessidade de ver meus irmãos e sentir sua presença ao meu redor foi mais forte. Observo-os de longe, cada um lidando com o luto à sua própria maneira. Todos estão abatidos, os olhares carregados de tristeza refletindo o que sinto dentro de mim.

Marasato, o mais novo, parece perdido em pensamentos, talvez tentando compreender a partida da cigana assim como eu. Sua expressão revela a dor que compartilhamos, um elo invisível que nos une em meio ao caos emocional.

Meus passos vacilam, e um sentimento de culpa me invade. Sinto que deveria estar mais presente, apoiando meus irmãos e enfrentando juntos essa tempestade emocional. Mas a negação ainda me abraça com firmeza, dificultando meu engajamento na realidade que insiste em me confrontar.

Percebo que cada um de nós está tentando encontrar seu próprio caminho para lidar com a dor. O luto é um labirinto confuso, e cada um de nós busca sua própria maneira de atravessá-lo. E mesmo que, por enquanto, eu esteja afogando minha dor em bebida e isolamento, sei que um dia encontrarei a força para caminhar lado a lado com meus irmãos, compartilhando juntos a saudade e honrando a memória daqueles que amamos.

No entanto, meu olhar se fixa em Erick, que parece estar absorto em seu trabalho, alheio ao nosso sofrimento. A raiva me toma, como se sua aparente indiferença fosse uma afronta à nossa dor compartilhada.

Por que ele parece não se importar? Por que sua vida continua como se nada tivesse acontecido? A sensação de abandono se mistura ao luto, e meu coração se divide entre a saudade da cigana e a frustração com meu irmão.

Erick se aproximou com um olhar sério, percebendo minha raiva evidente.

- Alemão, precisamos conversar - disse ele, apresentando Gustavo ao meu lado. - Ele é o novo talento da empresa, ele era gerente das bocas de fumo do coiote, e agora vai ser agiota. Preciso que você o treine pra que ele saiba tudo.

Minha expressão se tornou mais sombria, e a angústia que eu estava sentindo se misturou com a indignação.

- Você quer que eu treine esse rapaz agora? - respondi com a voz carregada de frustração. - Como se a morte da nossa irmã não importasse? Como se eu pudesse simplesmente seguir em frente como se nada tivesse acontecido?

Erick suspirou, tentando me acalmar.

- Eu entendo sua dor, Alemão, e não estou minimizando o que aconteceu. Mas precisamos seguir em frente, mesmo que seja difícil. Nossa irmã sempre nos ensinou a sermos fortes e resilientes, e é isso que devemos fazer agora.

- Eu não estou pronto para isso - murmurei, sentindo as lágrimas ameaçando escapar. - Tudo ainda é tão recente, a saudade é insuportável.

Gustavo olhou para mim com compreensão.

- Eu sinto muito pela sua perda - disse ele, genuinamente preocupado.

Erick continuou:

- Alemão, sei que é difícil, mas precisamos enfrentar os desafios da vida, mesmo quando estamos de luto. E você é o melhor para treinar o Gustavo. Sei que pode fazer um ótimo trabalho. E quem sabe distrai um pouco a sua cabeça...

Minha raiva diminuiu um pouco, ao perceber o quanto Erick confiava em mim. Eu respirei fundo, tentando controlar minhas emoções.

- Está bem - concordei, embora relutante. - Eu vou treinar o Gustavo, mas não posso prometer que será fácil.

Erick assentiu, compreensivo.

- Entendo, mas estou aqui para te apoiar em tudo o que precisar.

Enquanto me preparo para essa nova responsabilidade, a dor da perda da nossa irmã ainda está presente. Mas sei que ela estará conosco em espírito, nos guiando e nos dando forças para seguir em frente, mesmo nos momentos mais difíceis. E, juntos, enfrentaremos o luto e os desafios que a vida nos reserva.

Ainda com o coração pesado, segui para o lado de fora da casa com Gustavo ao meu lado. Minha mente ainda estava em meio à negação do luto, mas sabia que precisava me concentrar no treinamento militar que estava prestes a começar.

- Vamos começar pelo básico - disse eu, tentando focar no que tinha que fazer. - Você precisa aprender a ser ágil e rápido, mas também preciso alertá-lo que não será fácil. O treinamento é intenso e exige dedicação.

Gustavo olhou para mim com determinação.

- Estou disposto a aprender e me esforçar ao máximo - respondeu ele, mostrando sua vontade de superar os desafios.

- Ótimo - falei, tentando não deixar a dor me afetar demais naquele momento. - Vamos começar com alguns exercícios de corrida e resistência. Precisamos garantir que você esteja preparado para qualquer situação que possa surgir.

Ao longo do treinamento, fui me deixando levar pelo desafio do ensino, focando no presente e na responsabilidade que tinha em preparar Gustavo da melhor forma possível. Cada instrução que eu dava e cada movimento que ele fazia me ajudava a tirar um pouco a dor da perda que me atormentava.

Apesar de ainda estar em meio à negação do luto, percebi que o treinamento também era uma forma de honrar a memória da minha irmã. Ela sempre foi uma pessoa forte e corajosa, e tenho certeza de que ficaria orgulhosa de ver que estou ajudando alguém a se tornar igualmente forte e determinado.

Com o passar do tempo, o treinamento se tornou uma espécie de fuga momentânea da realidade. Concentrando-me no desenvolvimento de Gustavo, consegui temporariamente deixar de lado a tristeza que me acompanhava.

No entanto, quando o treinamento chegava ao fim, a realidade voltava a me atingir com força. A negação do luto ainda estava presente, mas, aos poucos, comecei a perceber que também precisava enfrentar a dor e aprender a lidar com ela de uma forma mais saudável.

Após o primeiro dia intenso de treinamento com Gustavo, encontrei-me exausto, mas com uma sensação de dever cumprido. O sol estava se pondo no horizonte, pintando o céu com cores quentes, e o cansaço físico parecia temporariamente aliviar o peso emocional que carregava.

Enquanto observava Gustavo treinando alguns movimentos por conta própria, percebi algo surpreendente: aos poucos, minha mente estava se distraindo da dor do luto. A presença constante da perda ainda estava lá, mas havia momentos em que me permitia focar totalmente no treinamento e nas conquistas do dia.

Gustavo me olhou com um sorriso confiante.

- Obrigado por tudo, Alemão- disse ele. - Aprendi muito hoje, e estou ansioso para continuar treinando com você.

Senti um pouco de orgulho se misturando à minha tristeza. Ver o entusiasmo de Gustavo e o progresso que estava fazendo trouxe um pouco de luz ao meu coração sombrio. Talvez, em meio à dor, eu pudesse encontrar alguma esperança.

- Você tem potencial, Gustavo - respondi com sinceridade. - Continue se esforçando, e com o tempo, tenho certeza de que se tornará um excelente líder.

Enquanto a noite caía e nos aproximávamos da casa, a sensação de que estava tomando um novo rumo começava a surgir dentro de mim. Percebi que, apesar da dor insuportável, a vida continuava, e havia oportunidades para encontrar um propósito diferente em meio ao luto.

Ao entrar no quarto, olhei para o lugar onde me isolei por dias. A cama desfeita e as garrafas vazias testemunhavam meu sofrimento, mas também a mudança que estava acontecendo.

Talvez, ao ajudar Gustavo a encontrar seu caminho, eu também pudesse encontrar o meu. A dor da perda não desapareceria, mas a ideia de seguir adiante e honrar a memória da minha irmã me trazia algum conforto.

Assim, enquanto a noite avançava e o luto ainda ecoava em minha alma, percebi que poderia transformar essa dor em uma motivação para viver uma vida mais significativa e encontrar novos significados na minha jornada.

O treinamento de Gustavo era apenas o começo, e, à medida que os dias passavam, eu compreendia que, embora a tristeza permanecesse como uma sombra, eu também poderia encontrar um caminho de esperança e superação, honrando a memória da minha amada em cada passo que desse daqui para frente.

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