capítulo 3

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Os primeiros raios de sol passaram o tecido fino e quase transparente das cortinas, fazendo minha cabeça dar os primeiros sinais de que um péssima ressaca estava chegando.

Me recusei a abrir os olhos, aquele sol acariciando meu rosto já estava fazendo minha cabeça latejar, se eu abrisse os olhos seria mil vezes pior.

Algo chutou meu pé mas ainda sim recusei me mover, qualquer movimento por menor que fosse exigia muito esforço e eu não estava afim de fazer nada.

A pessoa continuou insistindo, meu corpo estava muito cansado para que eu me estressasse já cedo, então tudo que consegui fazer foi abrir os olhos e encarrar a garrafa de água gelada na minha frente.

Antes que meu cérebro pudesse começar a processar as informações do que estava acontecendo ao meu redor, minhas mãos se agarraram aquela garrafa, a sensação era de alguém que atravessou um deserto e só depois de dias achou um pouco de água.

- você tem que levantar, e ir pra casa - a voz do Alemão me preencheu trazendo de volta a realidade.

Olhei ao redor identificando tudo que podia, ainda estava no galpão, mas agora nos fundos dele, onde tinha um tapete fofinho, dois sofás grandes e uma tv desligada.

- deixa eu dormir mais um pouco - resmunguei me enrolando na manta quentinha que estava sobre mim

- você sabe que tem que voltar lá né - ele disse se sentando ao meu lado no sofá, senti seus dedos passearem pelos meus cabelos - vai ter que pelo menos dar uma explicação para ele - quando não respondi ele voltou a falar mas dessa vez com a voz mais cautelosa - a não ser que você vá resolver isso e ir embora

- eu não quero deixar ele - minha mente estava inquieta pensando em tudo que vivemos nos últimos meses e na calmaria que ele me trouxe

- vamos, eu quero tomar um café depois de te deixar na sua casa - sua mão pousou sobre meu ombro o que me fez abrir os olhos novamente

- só levanto se puder ir junto tomar o café - um largo sorriso se formou em seu rosto - e quero passar na nossa casa antes, preciso de um banho e do meu carro

Sem falar nada ele se levantou e estendeu a mão pra mim, peguei em sua mão e fui arrastada para fora do sofá onde estava aninhada.

- primeiro para casa depois café? - assenti sentindo minha cabeça latejar mais do que antes.

Atravessamos o galpão inteiro de mãos dadas, Gabriel ainda estava jogado em uma cadeira dormindo, mas não havia nem sinal dos outros. Cada passo era como uma martelada na minha cabeça, mas tudo se intensificou quando o Alemão abriu a porta e o sol escaldante de verão invadiu meu corpo me fazendo perder todos meus sentidos.

Caminhamos até a sua Silverado 3500HD, abri a porta do passageiro e me sentei jogando minha cabeça para trás e fechando os olhos antes mesmo de fechar a porta.

- você tá acabada - ele riu sentando-se ao meu lado - a quanto tempo não bebe?

- eu costumo beber um copo ou outro, não a noite toda - resmunguei sem nem me dar ao trabalho de olhar para ele

Assim que a camionete se colocou em movimento pela estrada senti a mão quente dele pesar sobre meu pescoço como antigamente quando eu estava estressada e sem debater ou brigar comigo, ele me acalmava apenas repousando suas mãos sobre mim.

Um barulho me arrastou para longe das terras tranquilas do meu sonho, abri os olhos procurando o que podia ter acontecido para que eu acordasse, mas foi como se apenas tivesse pulado para outro sonho.

A casa estava na minha frente, a nossa casa, nosso lar, o lugar onde todos estavam seguros e não existia tristezas. Já havíamos passado o túnel de bambus que levava até a entrada da casa, na nossa frente estava a grande fonte ainda jorrando água cristalina, dois pássaros se aventuravão em mergulhos rápidos.

Logo atrás nossa casa emergia como se estivesse esquecida em uma floresta, ramos de trepadeiras subiam em alguns cantos da casa, e flores pequenas rodeavam o chão a sua volta.

Descemos da camionete e eu o segui inebriada por uma onda de lembranças que me invadiu, todas de uma vez me deixando zonza. O alemão abriu a porta principal da casa e me deu passagem para que entrasse primeiro.

Assim que pisei o primeiro pé no carpete macio do saguão de entrada, o aroma de eucalipto invadiu meu ser, mesmo depois de tanto tempo a casa permanecia com o mesmo aroma.

O quadro com o por do sol ainda estava pendurado na parede ao lado esquerdo, e na lateral direita uma mesa pequena acomodava um vaso com um grande buquê composto de gira-sois e flores lilases.

Passei pela sala de estar, e subi as escadas para o segundo andar, atravessei o corredor sem me deixar levar pelos pensamentos, isso iria ficar para outra hora.

Cheguei ao final do corredor e abri a porta a direita, o meu quarto estava exatamente da mesma forma em que deixei, a luz do sol passava pelas cortinas iluminando o quarto claro.

Atravessei o quarto sem reparar muito, a minha cabeça realmente estava me matando. Entrei no banheiro e liguei a água para encher minha banheira.

Enquanto a banheira enchia peguei alguns sais de banho no armário, coloquei na pequena mesa disposta perto de onde me deitaria na água quente, e comecei a me despir.

Assim que a água alcançou a beirada, desliguei a torneira e coloquei o pé na água quente e convidativa, o choque contra o ambiente frio me fez estremecer.

Lentamente me deitei deixando a água quente me consumir, minha cabeça girava, muitas vozes falando, muita coisa para pensar, eu só precisava de silêncio, queria o mundo parasse.

Respirei fundo e deixei que a água calasse o mundo, aos poucos afundei até que nenhuma parte do meu corpo estivesse para fora da água. E como mágica tudo aos poucos foi ficando calmo e silencioso, até que não sentisse mais nada.

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