capítulo 42

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Acordei com uma determinação renovada, pronto para mais um dia de treinamento com Gustavo. Arrumei meu quarto com cuidado, como se a organização física pudesse ajudar a aliviar a bagunça emocional que estava sentindo. Vesti uma roupa básica para o treinamento e desci as escadas em direção ao café da manhã.

Enquanto comia, uma sensação de raiva começou a se instalar dentro de mim. Raiva por tudo o que havia acontecido, por ter perdido o meu amor de forma tão repentina e injusta. Raiva por ter que assumir essa responsabilidade de treinar Gustavo enquanto ainda estava lidando com minha própria dor.

Tentei me concentrar no café da manhã, mas cada mordida parecia amarga em minha boca. A raiva fervia em meu peito, e eu queria gritar, socar algo, extravasar essa frustração que me corroía por dentro.

Ao encontrar Gustavo, tentei ser profissional e focar no treinamento, mas a raiva estava ali, borbulhando sob a superfície. Eu o corrigia com mais severidade do que o necessário, como se ele fosse o alvo da minha irritação.

- Gustavo, você precisa melhorar isso! - exclamei, minha voz mais dura do que pretendia. - Isso não é o suficiente! Você precisa se esforçar mais!

Ele olhou para mim, surpreso, e eu percebi que estava sendo injusto com ele. Gustavo era apenas um aprendiz, e minha raiva não tinha nada a ver com ele.

Respirei fundo, tentando controlar minha emoção. A raiva não era a resposta, mas parecia ser a única forma de lidar com a dor que me consumia. A sensação de impotência diante da perda me fazia querer extravasar de alguma maneira, e infelizmente, Gustavo estava no meio disso.

Enquanto ensinava Gustavo sobre o uso da arma militar, a raiva continuava a pulsar em meu peito. Tentei manter a compostura, mas era difícil não deixar que a frustração se manifestasse em minha voz.

- Segure a arma firme, assim- instruí, tentando me concentrar no treinamento. - E lembre-se de manter o dedo fora do gatilho até que esteja pronto para atirar.

Gustavo me olhou com respeito, mas também com uma ponta de receio.

- Alemão, você parece tão irritado - disse ele hesitante.

Suspirei, sabendo que não podia esconder meus sentimentos por mais tempo.

- Eu estou irritado, Gustavo- confessei, abaixando a arma e encarando-o com sinceridade. - Perdi alguém muito importante para mim, e a raiva que estou sentindo está sendo difícil de controlar.

Ele pareceu compreender, e seu rosto refletiu empatia.

- Sinto muito pela sua perda - murmurou ele, e eu percebi que também havia suas próprias feridas a cicatrizar.

Voltei a me concentrar no treinamento, tentando redirecionar minha raiva para algo produtivo.

- Vamos continuar - disse eu, minha voz mais calma. - A respiração é importante para manter a estabilidade. Respire fundo, concentre-se no alvo e, quando estiver pronto, puxe o gatilho com firmeza.

Enquanto orientava Gustavo no treinamento, percebi que compartilhar minha dor com ele criava uma conexão entre nós. Ambos estávamos lidando com nossas próprias perdas, e essa compreensão mútua trouxe um certo alívio para minha raiva.

À medida que o treinamento prosseguia, a raiva começou a diminuir, substituída por uma sensação de propósito. Ensinar Gustavo não só era uma forma de honrar a memória da minha amada, mas também uma oportunidade de ajudar alguém a se tornar mais forte e preparado para enfrentar os desafios que a vida nos reserva.

Ensinar Gustavo sobre armas militares ia além da mecânica do manuseio das armas. Eu também compartilhava com ele os princípios de responsabilidade e ética que eram essenciais na vida de um profissional armado. Buscava transmitir a importância de entender que uma arma não é apenas um instrumento de poder, mas uma ferramenta com consequências reais.

Enquanto observava Gustavo melhorar suas habilidades, também aprendia com ele. Sua determinação e vontade de superar os obstáculos me inspiravam a enfrentar meus próprios demônios internos. Ele me lembrava da importância de ser resiliente, mesmo diante das maiores adversidades.

Em meio aos tiros e exercícios, as memórias da minha amada irmã ainda surgiam, mas o treinamento me ajudava a manter o foco no presente. O futuro parecia mais promissor com a perspectiva de ajudar Gustavo a crescer como profissional e a se tornar um líder respeitado.

Após uma manhã intensa de treinamento, decidimos fazer uma pausa para uma limonada e um lanche. Sentamo-nos em um banco próximo, e enquanto saboreávamos os petiscos, Gustavo parecia disposto a compartilhar sua história de vida.

- Eu cresci em um bairro difícil - começou ele, olhando para o horizonte com um misto de tristeza e determinação. - Minha família sempre lutou para sobreviver, e eu me vi envolvido em coisas erradas desde cedo. Aos poucos, fui atraído para o caminho obscuro de uma organização mafiosa.

Ouvindo suas palavras, senti empatia por ele. A vida nos reservava trajetórias distintas, mas nossas experiências compartilhavam a complexidade da jornada humana.

- Eu estava perdido, sem perspectiva- continuou ele. - E foi assim que acabei indo parar nas mãos deles. A oferta de dinheiro fácil e poder parecia ser a solução para os meus problemas na época.

Mantive-me atento, deixando-o desabafar, compreendendo que cada um de nós carrega uma bagagem singular de desafios e escolhas.

- Mas com o tempo, percebi o quão profunda era a lama em que eu estava afundando - Gustavo continuou, seus olhos refletindo arrependimento. - E foi então que conheci vocês, a equipe do Coiote. Vocês me ofereceram uma segunda chance, uma oportunidade de recomeçar de crescer, eu sei que não será fácil mas eu estou disposto a tudo.

Aquelas palavras me tocaram profundamente. A vida havia cruzado nossos caminhos de maneira surpreendente, e eu estava grato por poder ajudá-lo a encontrar um novo rumo.

- Você é um homem corajoso, Gustavo - respondi sinceramente. - O importante é que você está aqui agora, aprendendo e crescendo.

Gustavo sorriu, parecendo mais leve ao compartilhar sua história.

- Sim, quero honrar essa segunda chance que me foi dada.

Enquanto o sol se punha, nossas histórias se entrelaçavam, e eu percebia que, mesmo em meio à adversidade, poderíamos encontrar companheirismo e apoio mútuo.

- Estamos juntos nessa jornada- disse eu, apoiando-o. - E a partir de agora, trabalharemos juntos para construir um futuro diferente, com muito dinheiro e muitas mulheres.

Gustavo assentiu rindo, e nossos olhares se encontraram, transmitindo uma cumplicidade que ia além das palavras. As cicatrizes do passado nos uniam, e a esperança de um futuro melhor nos guiava.

Enquanto a noite caía, compreendi que, mesmo na escuridão da vida, poderíamos encontrar uma luz para iluminar nossos caminhos. A trajetória de redenção de Gustavo era um lembrete de que o presente e o futuro são moldados pelas escolhas que fazemos a cada dia, e eu estava determinado a estar ao lado dele em sua jornada de transformação.

A jornada de luto ainda era longa e desafiadora, mas agora eu tinha um propósito claro: honrar minha amada, cuidar dos meus irmãos e seguir adiante com a lembrança do amor que compartilhamos, mesmo que a raiva e a dor ainda estivessem presentes.




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