capítulo 56

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O suave toque do telefone na cozinha irrompeu a quietude da madrugada, interrompendo o sono que me envolvia com seus braços calorosos. Meus olhos piscaram lentamente enquanto minha mente começava a despertar, e meus pensamentos ainda estavam turvos pela sonolência.

Com um suspiro, empurrei os cobertores para o lado e me levantei, meus pés descalços tocando o chão frio da cozinha. A luz da lua espreitava pelas cortinas, criando padrões suaves de sombra e luz no chão. Meus passos eram lentos e desajeitados, como se estivesse navegando entre dois mundos - o dos sonhos e o da realidade.

Alcancei o telefone, suas luzes indicadoras piscando suavemente, e olhei para o visor, minha testa franzindo em confusão. Quem poderia estar ligando a esta hora? Minha mente estava tão embotada pelo sono que mal conseguia formar conjecturas.

Enquanto o telefone continuava a tocar, eu me sentei à mesa, meus dedos acariciando a superfície de madeira como se buscasse ancoragem naquele momento confuso. A voz da pessoa do outro lado da linha permanecia inaudível para mim, uma conversa que eu ainda não estava pronta para participar.

O som da voz distante flutuava pelo ar, ecoando na sala silenciosa. Eu me encolhi levemente, as palavras ainda sem clareza para mim. Meus olhos se desviaram para a janela, onde as estrelas cintilavam no céu noturno, como se fossem testemunhas silenciosas dessa interrupção em meu sono tranquilo.

Enquanto observava o céu noturno através da janela, perdida em meus próprios pensamentos, a voz distante no telefone mal conseguia penetrar minha consciência. Era como se eu estivesse em um estado de transe, separada da realidade imediata pelo véu da madrugada.

No entanto, a voz de Erick, grave e inconfundível, quebrou o encanto e me trouxe de volta à sala, à casa silenciosa e escura. Ele disse meu nome, uma única palavra que carregava um peso significativo, e foi o suficiente para me fazer largar o telefone como se tivesse sido queimado.

- Cigana - ele repetiu, a urgência em sua voz penetrando profundamente em mim. De repente, a sala pareceu mais nítida, mais presente. Meus olhos encontraram a escuridão lá fora, mas minha mente estava focada nas palavras que ele estava dizendo.

A voz de Erick soou pelo telefone, penetrando minha mente como uma lâmina afiada. Ele estava falando, suas palavras eram claras, mas pareciam distantes, como se eu estivesse em um estado de torpor, lutando para processar tudo o que estava acontecendo.

- É hora de você voltar para a Itália, Cigana - ele disse, sua voz firme, mas cheia de preocupação. - Alguém sabe que você está viva, e está ameaçando a família. Precisamos tomar providências.

As palavras pareciam girar em minha mente, como se eu estivesse presa em um redemoinho de confusão e ansiedade. Voltar para a Itália? Mas... eu havia construído uma vida nova, um refúgio seguro aqui. Como poderia deixar tudo para trás, enfrentar o passado que eu havia enterrado tão profundamente?

- Erick... - comecei a dizer, minha voz tremendo ligeiramente. - Eu... não sei se posso fazer isso. Minha vida aqui, as pessoas que conheci...

Ele interrompeu, sua voz mais urgente do que nunca.

- Cigana, precisamos garantir a segurança de todos. Alguém descobriu que você está viva, eles podem usar isso contra nós, contra nossa família. Não podemos arriscar.

Minha mente estava em tumulto, as palavras de Erick colidindo com minhas emoções e medos. Ameaças à família... era algo que eu nunca poderia ignorar. Mas, ao mesmo tempo, a ideia de retornar àquele passado doloroso era avassaladora.

- Eu entendo a gravidade da situação, Erick - murmurei, minhas palavras quase sussurros. - Mas... será que não há outra maneira? Posso ajudar de alguma forma aqui, sem precisar voltar.

Houve uma breve pausa do outro lado da linha, e eu podia sentir a tensão em suas palavras quando ele finalmente respondeu.

- Cigana, sei que isso é difícil para você. Mas estamos falando da segurança de todos nós. Não podemos subestimar essa ameaça.

Eu sabia que ele estava certo. A família sempre vinha em primeiro lugar. Fechei os olhos por um momento, tentando reunir coragem para enfrentar a realidade.

- Tudo bem, Erick. Vou voltar para a Itália. Mas, por favor, me prometa que faremos tudo o que estiver ao nosso alcance para manter todos seguros.

Sua voz estava mais suave agora, cheia de gratidão e determinação.

- Prometo, Cigana. Vamos cuidar uns dos outros, como sempre fizemos. - ouve uma breve pausa antes dele continuar - estamos indo te encontrar...

Enquanto desligava o telefone, senti um misto de emoções. Medo, ansiedade, mas também a força interior que vinha de minha conexão com minha família. Eu estava voltando para a Itália, para enfrentar meu passado, para proteger aqueles que eu amava. Era uma jornada assustadora, mas eu sabia que não estava sozinha. Juntos, enfrentaríamos o que quer que viesse pela frente, como sempre fizemos.

Levantei-me da cadeira, ainda sentindo o peso do sono em meus olhos, mas a urgência da situação me impulsionava. Olhei ao redor da pequena casa que eu havia construído com tanto cuidado. Cada canto, cada objeto, cada detalhe carregava memórias e sentimentos que agora pareciam intensos demais.

Sabia que precisava arrumar a casa, prepará-la para receber meus irmãos, para esse reencontro tão aguardado e temido. Eles acreditavam que eu estava morta, que eu havia partido para sempre. Imaginava como seria o impacto de ver-me viva, de me ter de volta em suas vidas de uma forma tão inesperada.

Meus passos eram lentos enquanto eu andava pela casa, a mente dividida entre o que fazer a seguir. Peguei um pano e comecei a limpar a poeira que havia se acumulado nas prateleiras e móveis. Era uma tarefa simples, mas a familiaridade da ação me trouxe um certo conforto.

Enquanto arrumava as coisas, pensei em como explicaria tudo aos meus irmãos. Como poderia contar-lhes sobre minha "morte", sobre o que eu havia passado e sobre a ausência? Seria um reencontro cheio de emoções, de perguntas não respondidas e de respostas difíceis de dar.

À medida que o sol subia no céu, iluminando cada canto da casa, senti a tensão aumentar. Eu estava prestes a ver os rostos que tanto amava, mas também a enfrentar a complexidade de nossos sentimentos compartilhados. Como eles reagiriam? Como lidariam com essa reviravolta em suas vidas?

Com a sala arrumada e um sentimento de dever cumprido, decidi me distrair um pouco e canalizar minha ansiedade para algo produtivo. A cozinha era o meu refúgio, um lugar onde eu poderia me perder nas atividades do dia a dia. Resolvi fazer biscoitos, uma iguaria que sempre trazia um conforto acolhedor.

Enquanto misturava os ingredientes na tigela, minha mente vagava entre memórias passadas e expectativas futuras. A textura da massa sob meus dedos, o aroma da baunilha se misturando aos outros ingredientes... Tudo isso me transportava para um lugar de calma, mesmo em meio à tempestade emocional que eu estava enfrentando.

À medida que a massa ganhava forma, eu pensava nos meus irmãos. Como eles reagiriam ao me verem novamente? Será que eles entenderiam por que eu fiz o que fiz? Eles ficariam com raiva? Comovidos? Havia tantas incógnitas e emoções a considerar.

Enquanto os biscoitos assavam no forno, eu percebia que a ansiedade estava sendo substituída por uma sensação de propósito. Eu estava fazendo algo para recepcioná-los, para mostrar que eu ainda estava aqui, que eu ainda era parte dessa família, apesar de tudo o que havia acontecido.

Finalmente, os biscoitos estavam prontos, dourados e deliciosamente perfumados. Coloquei-os em uma bandeja, ao lado de uma jarra de café fresco. Era um pequeno gesto, mas um gesto carregado de significado.

Enquanto a bandeja repousava na mesa, olhei pela janela e vi meus irmãos se aproximando. Meu coração disparou, as borboletas no estômago se agitaram. Era chegada a hora do reencontro, do enfrentamento das perguntas e das emoções.

E, assim, com a bandeja de biscoitos como um símbolo de boas-vindas e uma expressão de amor, eu me preparei para recepcioná-los. Estava pronta para encarar o passado e construir um novo futuro juntos, fortalecidos pelo vínculo familiar que sempre nos uniu, não importando as adversidades que enfrentássemos.

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