Depois de alguns minutos comigo limpando a mão do Tom enquanto discutiamos sobre como eles me pagariam, vejo ao longe meu pai vir na minha direção. Não tinha muito o que ver no seu rosto, nada além de cansaço. Na hora que o vejo, jogo o cigarro no chão e piso em cima, jogando a fumaça para longe.
- Sua tia me contou o que aconteceu - é a primeira coisa que escuto ele dizer desde que cheguei, com todos meio que abaixando a cabeça quando meu pai se virou para Tom - Ele se machucou?
- Um pouco, senhor - anuncia parecendo arrependido. Tommy ainda tentava ganhar o máximo de confiança possível do meu pai.
- Pouco quanto? - questiona cruzando os braços, como se estivesse resolvendo a bagunça de crianças.
- Ele saiu bem desnorteado, senhor - completa Bill, com o mais velho olhando de um irmão para o outro.
- Bem feito - murmura com um projeto riso preso na garganta, me deixando aliviada - Eu vim te chamar porque já vamos... Vamos enterrá-la - seus olhos se voltaram para mim, sem vida, e a voz me cortava o peito.
Eu apenas concordei, começando a andar junto a ele.
Foram longos minutos, longos e dolorosos minutos ouvindo meu pai dizer as últimas palavras da minha mãe para ele, e dizer as dele para ela, mesmo que ela não o ouvisse mais. Minha irmã tinha voltado aos braços de Georg que a recebeu carinhosamente, a consolando mesmo que ela não tivesse mais o que chorar. Meu pai discursou por algum tempo até me olhar, indicando para que eu falasse algo já que minha irmã não conseguia. Apenas suspirei e abandonei a mão de Tom, que me olhou com pesar enquanto eu ia para onde meu pai estava, logo atrás do caixão de madeira escura e fechada.- Minha mãe me disse um dia que o amor pode doer - digo após respirar fundo, juntando minhas mãos na frente do corpo enquanto meus olhos se encontravam com os da minha irmã. Não tinha mais um pingo de alegria que eu pudesse fingir para tranquilizar as pessoas - Naquele dia eu tinha passado por uma situação complicada, e veja bem, eu e minha mãe nunca nos demos muito bem, então eu achei loucura ela pensar daquela forma. Existem tantas formas de amor, deve haver alguma que não doa - me recordei do pensamento, sentindo os olhos marejarem - Não tive muitas oportunidades de experimentar essas formas, mas eu tive a forma de amor dela, uma forma de amor que doía - eu não sabia bem o que falava, apenas colocava para fora o que me vinha à mente - Me doía e hoje sei que doía nela também. Minha mãe não era doce, não era gentil ou carinhosa, ela era firme, segura do que fazia, decidida até o último momento e foi assim que fui parar fora de casa - acabo soltando um riso, assim como alguns, acabando por limpar uma lágrima que me escorrera pela bochecha - A forma de amor dela doía porque era a única forma que ela sabia demonstrar.
'Quando eu descobri que ela tinha partido, eu fui até a cozinha e abri uma garrafa de vinho, eu tinha comprado aquela garrafa exatamente para aquele momento, ela dizia, como uma boa italiana, que vinhos curam as feridas internas quando as palavras não podem mais nos consolar, então eu quis testar sua teoria. Funcionou por algumas horas, talvez ela não estivesse tão errada - solto um riso nervoso, prosseguindo.
'Raramente a via tomar vinho, na verdade, mesmo que adorasse, mas existiram dias em que eu acordava e via uma garrafa vazia escondida ao lado da geladeira. Meria sentia muitas coisas e não sabia demonstrar, uma mulher que mesmo tão firme e fria, tinha um coração enorme que transbordava os sentimentos mais puros. Ela podia não saber demonstrar o amor que tinha por mim, pela minha irmã, pelo meu pai, ou pelas próprias irmãs, mas ela amava e quando disse que o amor pode doer, era disso que ela falava. O amor dói quando você o perde, principalmente quando o perde e sabe que nunca mais vai encontrá-lo. E eu sinto muito não ter retribuído tanto esse amor - meu rosto já se inundava, tudo o que eu não havia chorado até então, eu colocava para fora, com a voz embargada e a visão embaçada pelas lágrimas - Minha mãe era uma mulher incrível do qual eu não sabia um terço da vida porque nunca perguntei, porque nunca me preocupei em saber porque ela era daquela forma, eu só julguei a forma dolorosa dela amar e não fiz nada para melhorar isso. Então eu sinto muito por isso, mãe.
'Eu sei que minhas lágrimas, assim como as da maioria, são pela tristeza de terem perdido ela, mas mesmo com toda aquela casca fria eu sei que ela não iria querer que chorássemos em seu túmulo. No enterro da própria mãe ela fez questão de fazer um almoço gigante para a família depois do funeral, dizia que funerais são para os vivos lamentarem a morte, não lamentar por quem morreu. Então eu sei, lá no fundo, que ela estaria organizando alguma coisa para que nos fizesse nos sentir bem, e sei que não teria brigado comigo e com meus amigos por estarmos rindo, como alguns de vocês tiveram vontade de fazer. O sol também brilha a noite, e sei que ela diria para vivermos o segundo, aqui e agora. E eu vou sempre lembrar da minha mãe como alguém que segurou firme os últimos segundos que a vida lhe cronometrou.Eu tinha conseguido controlar o choro, ficando para trás o resquício de tristeza molhando meu rosto. Então me afastei do túmulo, com eles começando a descer o caixão enquanto eu voltava para os braços de Tommy, que me aqueceu enquanto me permitia chorar silenciosamente vendo a caixa de madeira se esconder na terra.
Ficamos ali por um bom tempo ainda, com as pessoas partindo aos poucos enquanto esperávamos para ver o caixão coberto pela terra preta. Até que minha irmã deu o primeiro passo para sair, e ali soubemos que era hora de ir.
Meu pai se juntou a nós, ficando ao nosso lado a todo momento enquanto íamos para o estacionamento calados. Então me encostei no carro, tirando da bolsa o cigarro e isqueiro, oferecendo um aos gêmeos que pegaram.
- Desde quando fuma? - questiona meu pai se encostando do meu lado e pegando um cigarro da carteira.
- Desde quando você fuma? - questiono acendendo o seu cigarro.
- Desde antes de você nascer, eu só dei um tempo - responde após um trago, esperando por uma resposta.
- A algum tempo, não sei dizer ao certo - dou de ombros, tragando o meu enquanto o olhava, com os meninos apenas observando a conversa com o resto conversando mais longe - Posso te pedir uma coisa?
- A vontade - e então olho para Bill.
- Teria como ele ir para o show em Frankfurt? - questiono primeiro ao vocalista, que olha para o irmão, com ambos concordando ao mesmo tempo - E teria como ele tocar uma música comigo?
- Tocar? - pergunta meu pai confuso.
- Acredito que sim - responde Bill, que parecia pensar nas probabilidades.
- O senhor tocaria comigo, pai? - volto meu olhar para o mais velho, que tinha o cenho franzido, sem entender.
- O que você tá aprontando, Lia?
- Tocaria, pai? - insisto, o vendo trocar o peso nos pés.
- Sim.
- Vamos a Frankfurt então - e dou mais trago, olhando para Tom que tinha o mesmo olhar curioso, dando aquele meio sorriso conhecido enquanto tragava.
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❝Live Every Second❞ | Tom Kaulitz
Ficção AdolescenteLianna é uma garota de 18 anos que sempre sonhou em viver de música, barrada de seus sonhos pelos pais que não viam futuro nisso. Seu futuro então muda quando, em uma noite, ela conhece Tokio Hotel, uma das mais famosas banda de rock emo da Alemanha...