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PIPA 🪁

Reuni os moleque tudo aqui em casa, não todos, os que tem mais agilidade e disposição pra fazer qualquer trabalho sem cagar em tudo. Minha casa tá cheia, papo de vite nego aqui comigo, Riquelme é um, que tá louco pra ir junto com a gente buscar Luana, mas eu nego toda hora, mesmo ele insistindo pra mim.

- Po patrão, essa chácara aí é facinho de invadir - um dos cara começa a falar - Papo de alguém magrinho passar pelo portão e destravar tudo lá dentro.

Riquelme outra vez já levantou o braço dizendo que ele faria isso.

Pipa: Cala a boca moleque, aqui não é brincadeira de esconder não - digo já sem paciência - Continua, pote.

Pote: E tem mais...

Riquelme: Qualé pipa, eu sou ágil - ele diz batendo no peito - No esconde - esconde eu domino, na barra roubando as velha, eu domino, gambe nenhum me pegou, então malandro nenhum vai me pegar.

Menino é insistente pra caralho, na montagem do plano todo ele não calou a boca sobre isso, minha cabeça tava ficando cheia já, tava ficando pilhado de ter que ouvir ele berrar no meu ouvido.

Pipa: Se você morrer, eu te mato - aponto pra ele - Você vai, mas se você arrastar, eu juro que meto bala nessa sua cabeça.

Riquelme já abriu um sorriso grande e se calou, a gente continuou fazendo tudo certinho, planejando cada detalhe, cada esquema, portes de arma.

Pipa: Não quero ver vocês falando disso com ninguém, tô de olho aberto, se um vai morrer, morre dois - digo e eles só balançam a cabeça - Se o peixe dar as caras por aí, age normal, se eu desconfiar que tem gente passando informação pra ele, vai rodar, e eu não vou ter pena.

Riquelme: Recado dado, cambada - todo mundo ali na sala começa a rir da cara dele e eu só dou um pescotapa nele.

Pipa: Se liga maluco! - ele debocha da minha cara - Mas é isso, o dinheiro de vocês vão cair assim que a missão terminar. Podem ir já.

Todos arrumam o fuzil nas costas e sai da minha casa, menos o pressão, ele ficou ali pegando um cigarro se sentando no meu sofá.

Pressão: Ae, vou poder matar o careca? - deu uma tragada no cigarro e me olhou com os olhos fundos - Tenho essa sede desde do dia em que ele matou minha filha e minha mulher - ele levanta a blusa e mostra a tatuagem dos nomes - Só te peço isso, na moral mermo.

Riquelme: E eu quero matar o peixe, do mesmo jeitinho que ele matou meus pais - ele diz e eu olho negando com a cabeça - Então se eu não puder matar, mata por mim.

Pipa: Tu pode matar o cara do seu jeito, mata a sua sede - olho pro pressão que levanta dali e faz um jóia com a mão e sai da minha casa - E você, tira esse sangue nos olhos, vai viver sua vida, vai estudar, ódio nenhum vai te fazer melhor - passo a mão na cabeça dele - Mas pode deixar, eu vou matar ele, do mesmo jeito que ele matou meus soldados e seus pais, jaé?

Riquelme mais uma vez me abraçou e eu comecei uma lutinha com ele, mas não durou muito já que a fome bateu.
Então eu sai ali da sala e fui pra cozinha pegando o macarrão no armário e a salsicha na geladeira, comecei a fazer os negócio tudo e em minutos ficou pronto, não ficou igual da Luana mas ficou gostoso, dava pra comer.

....

Tô sem sono, já fumei não sei quantos cigarros, acabei com a metade do meu maço de malboro. Esses negócio tá me deixando pilhado, Luana sequestrada com suspeita do peixe estar lá e peixe metendo a faca nas minhas costas.
É um bagulho surreal, eu ajudei ele quando mais precisou, e agora na primeira oportunidade tá sendo contra mim.

Solto a fumaça sentindo meus olhos arder e deixo algumas lágrimas caírem, as lágrimas não são de tristeza, mas de mágoa, rancor e decepção, nem raiva tem nelas, mas decepção tem de sobrar.

flashback

Caralho, ser vapor sem reconhecimento é foda, mesmo eu sendo o filho do vapor mais cobiçado dessa favela, não tem como, sou invisível perto deles.

Mas também eu nem ligo, já que eu não quero tudo isso pra mim, não quero ter fama e a cara manchada no asfalto, quero ser eu, tá ligado? Jogar tudo pra lua e viver a minha vida, ainda dentro do crime, mas com tudo na linha.

"Qualé pipa, briga dos cara na nove"

Meu radinho da sinal e eu monto na minha bicicleta indo até a viela, assim que eu cheguei lá vi uns três moleques dando um cacete num moreno da cabeça branca, já desci da bicicleta apontando a arma e dando apovoro em todo mundo ali, olhei pro moleque que tava apanhando e ele tava todo esfolado, os moleque judiaram dele legal.

Pipa: Qual foi disso aqui? - pergunto mas ninguém responde - Vai caralho! Solta a porra da voz!

- Maluco é folgado - um deles começa soltar a língua - E gente folgada merece apanhar mermo.

Pipa: Ae? - pergunto e ele balança a cabeça - Então eu vou meter um tiro na cara de cada um porque achei vocês folgados - já me encararam assustados - Vai, mete o pé daqui, rala caralho!

Os moleque saíram dali e eu cutuquei o maluco que tava no chão, ele me olhou e eu ajudei ele levantar, montei na minha bicicleta e esperei ele subir na minha garupa, sai dali indo pra praça e ajudei ele limpar o rosto na torneira.

Pipa: Não pode deixar os maluco te bater assim não - sento de frente pra ele pagando o meu cigarro - Fica ligeiro mano, não vai ser sempre que um bandido bonzinho vai te salvar não.

- Mas valeu aí - fez um jóia com a mão - Posso dar uma tragada?

flashback off

Depois daquele dia, só foi nós dois contra tudo, eu realmente criei um amor de irmão com ele, tá ligado? Peixe fazia parte de tudo, nos rolê na pista, nos baile, nas cobranças em tudo, peixe era o meu famoso casca de bala, mas agora, tá tudo descendo ladeira abaixo.

Riquelme: Posso dormir aqui? - me assusto com a sua voz vindo da porta - Tô sem sono.

Chamei ele com a cabeça e joguei a bituca do cigarro longe, fechei a janela e mandei ele ir pro canto, apaguei a luz e liguei o ventilador. Deitei na cama e fiquei olhando pro teto, o braço fino do Riquelme passou pela minha cintura e ele encostou a cabeça ali na área, fiquei sem ração nenhuma, mas só deixei.

Riquelme: Sinto falta do meu pai - suas lágrimas estavam caindo - Nunca achei que iria perder ele, não aguento mais segurar a barra, tô perdido...

Me virei pra ele e abracei ele também, com receio mas abracei.

Pipa: Sei como é - digo lembrando de como meu pai morreu - Tu tem a gente agora, fica tranquilo...

Riquelme: Eu sinto que a Lua ta bem - ele me atropela e me aperta - Ela tá dando um jeito, eu sei que está.

Eu não falei mais nada, apenas dei dois tapinhas nas costas dele e esperei o moleque dormir, e não demorou muito pra isso acontecer. Eu não consegui dormir, fiquei com  o olho aberto.

Eu vou pegar a Luana, mas vou pegar ela viva.

MalucosOnde histórias criam vida. Descubra agora