POV Camus

72 4 2
                                    

Eu seguia para casa com a cabeça a mil. A reação de Shaka ao ouvir meu relato não me deixou nem um pouco feliz. Óbvio que eu já sabia que qualquer coisa que tivesse acontecido seria grave. Milo enumerou várias possibilidades e nenhuma era aceitável. Pra falar a verdade, era uma pior que a outra. E tudo que eu conseguia pensar era "por que". Por que meu filho tivera que passar por aquilo? Que destino era aquele que fazia um garotinho sofrer daquela forma? Ele cresceu sem o pai, perdera a mãe, estava bem perto de perder a avó. O que mais ele poderia ter perdido sem que um estrago permanente tivesse sido feito em sua alma? O que eu poderia fazer para que ele fosse feliz dali pra frente? Do que eu precisaria proteger meu filho? Ele realmente precisava de proteção ou ele apenas sentia medo por conta do trauma? Mas se ele não estava sob real ameaça, por que relutava tanto em nos contar o que acontecera? Quão perigosa poderia ser essa pessoa com quem ele se envolvera? Era muita pergunta sem resposta! Sentia meu coração se apertar e meus olhos marejarem. Só de pensar em tudo que Hyoga passou, sozinho, sem poder contar com ninguém... Sentia-me um inútil. O que eu poderia fazer? Eu poderia, de fato, fazer alguma coisa? Mesmo que eu garantisse sua proteção a partir daquele momento, eu seria capaz de dar a ele a felicidade que lhe fora roubada? Embora eu não tivesse culpa, eu me sentia culpado por não ter estado ao lado dele por tanto tempo. Isso era irracional! Eu sequer imaginara sua existência! Eu nunca imaginei que Natássia faria algo como me tirar a oportunidade de ser pai. Logo ela, que vivia sonhando com o momento em que formaríamos uma família. Logo ela que sempre me dizia que eu seria um pai maravilhoso. Nem nos meus piores pesadelos eu poderia imaginar aquela situação. E, embora eu quisesse muito colocar a culpa na minha ex-esposa, eu sabia que não era tão simples. Eu sabia muito bem o quanto Natássia me amava. E eu podia imaginar a dor que ela sentira ao ser forçada a me deixar, ainda mais sabendo que estava grávida. Mesmo que eu não concordasse com sua atitude, eu sabia que ela apenas o tomara por pensar que estava me protegendo. Além do mais, ela não tinha como imaginar que morreria tão cedo, daquela forma tão precoce. Tendo que dizer adeus ao filho pequeno, que tanto amava, numa tragédia como aquela. Por mais que eu detestasse, só poderia colocar a culpa no destino.

Cheguei em casa mais tarde do que gostaria. Fiquei conversando com o dr. Shura por um bom tempo. Eu precisaria do seu auxílio na cirurgia da senhora Valéria. Ficamos analisando as imagens da tomografia para avaliar os riscos da remoção do tumor. Já não era uma cirurgia muito simples, em uma senhora de idade com problemas coronários seria mais delicado ainda. E óbvio que perguntei a opinião dele sobre o tumor em si. Infelizmente, ele tinha a mesma opinião que eu. Provavelmente era maligno. Já era um milagre que ela estivesse viva até aquele ponto. De acordo com nossa conversa, ele me disse que em casos como aquele, mesmo com a remoção do tumor, a pessoa não viveria mais do que seis meses. No caso dela, então, talvez nem chegasse a isso. No fundo, eu já sabia disso, só não queria acreditar. Além de todo aquele problema que Hyoga estava enfrentando, provavelmente teria que se ver diante da morte da avó. A pessoa que o criara com todo amor e carinho. Que lhe educara, ensinara praticamente tudo que ele sabia. Por mais que eles estivesse comigo agora, ainda seria um baque muito forte. Até mesmo eu sentia-me pesaroso com aquilo. Se ela tivesse conseguido entrar em contato comigo antes, se ela tivesse conseguido vir antes, talvez eu conseguisse fazer algo por ela. De alguma forma, tudo que Natássia havia confiado a mim, estava esvaindo pelos meus dedos. Eu não conseguiria proteger sua mãe de coração, não consegui impedir que seu filho sofresse. E mesmo que nada do que eu estava sentindo fizesse sentido, ainda assim não conseguia deixar de sentir.

Entrei em casa e estava silêncio. Provavelmente Milo ainda estava fora com os meninos. Direcionei-me para a sala e sentei-me no sofá, cansado. Eu sabia que aquele dia seria difícil, mas não imaginava que seria tão cansativo. E ele estava longe de acabar. Ainda precisava ir até a casa de Shaka e Mu para terminar a conversa de mais cedo. Eu definitivamente não estava preparado para ouvir o que quer que ele tivesse para me revelar. Era a primeira vez que eu preferia ficar na ignorância a saber toda a verdade. Quando Natássia me abandonara, eu sofri muito. Mas foi uma pancada só. Sofri tudo que tinha para sofrer de uma única vez. Claro que demorou bastante para que eu me recuperasse. E, querendo ou não, o único afetado, até então, era eu. Lidar com o estrago dependia apenas das minhas próprias forças. Mas aquela situação estava sendo muito pior. A cada nova informação, era um soco na boca do estômago. Eu mal tinha tido tempo de me recuperar e já recebia outro golpe. E eu não era o único que estava apanhando. Meu filho era o mais afetado. O sofrimento que eu demorei anos para vencer, Hyoga o vivia diariamente desde que viera ao mundo. Por mais forte que eu fosse, a recuperação já não dependia apenas dos meus esforços. E, de certa forma, eu teria que ver Hyoga sofrendo sem ser capaz de mudar uma vírgula. Joguei a cabeça para trás, sem conseguir segurar as lágrimas escorrendo de meus olhos. Eu queria apenas abraçar meu filho e dizer que tudo ficaria bem, mesmo que eu não acreditasse naquilo. Eu queria poupá-lo de mais sofrimento. Mas como?

Doce Fruto de um Passado AmargoOnde histórias criam vida. Descubra agora