POV Hyoga

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Eu e meu pai estávamos a caminho do hospital, em silêncio. Achei que, assim que meu pai tivesse oportunidade, ele ia me encher de perguntas, mas ele estava estranhamente quieto. Será que tinha esquecido o que aconteceu com aquele médico? Achava pouco provável. Ele provavelmente me daria uma surra por aquilo. Suspirei. Eu não estava muito bem pra passar por aquilo. Estava com medo das minhas reações a qualquer coisa que meu pai pudesse fazer ou falar. Eu sentia que poderia perder o controle a qualquer momento. Com Isaak eu estava mais seguro, porque ele conseguia tomar controle das circunstâncias de um jeito que só ele sabia fazer. Mas eu?! Se eu já estava delirando, não ia demorar pra perder completamente a razão. Eu não tinha mais forças pra lutar contra meus sentimentos. Sempre tentei manter tudo que sinto escondido. Vesti a máscara de bom moço, educado, simpático. Mas dentro de mim sempre foi um turbilhão de emoções. Raiva, amor, ódio, tristeza; tudo sempre muito intenso. E quando eu estava fraco, como era naquele momento, eu não conseguia controlar. O que aconteceu com aquele médico no dia anterior foi algo que eu normalmente não faria, mesmo que ele estivesse ali. Isaak o enfrentava de vez em quando, mas de certa forma ele podia, já que era em quem ele tinha mais confiança. Eu fiz isso apenas uma vez e me arrependi profundamente. Ele me espancou e depois me estuprou. Saiu tanto sangue naquele dia que até parecia ter sido minha primeira vez. Ele me machucou tanto que tive que me esconder no meu quarto por uns bons dias pra que minha avó não percebesse. Ela ficou preocupada, mas não invadiu minha privacidade. Ele não costumava ser violento comigo daquela forma, mas não deixava espaço para que eu pensasse que não o faria.

Senti meus olhos marejando. Eu não queria voltar para aquela vida. Mas eu tinha escolha? Eu tinha dono. Sim, dono. Porque eu era apenas um objeto. E talvez esse fosse o único papel que eu poderia desempenhar nessa vida. Sentia vergonha de mim mesmo por ser aquela pessoa. De que valia minha existência? De que valia minha alma? Por que eu tinha nascido naquele mundo? Minha vida se resumia a infortúnios e tristezas. Eu devia ser amaldiçoado. Tudo que eu tocava sofria ou era destruído de alguma forma. Eu não sabia o que era não causar sofrimento a alguém. Eu não sabia o que era ter alguém ao meu lado que fosse feliz por minha causa. Minha avó? Ela sempre dizia que eu dei um motivo para que ela continuasse viva. Mas que vida era aquela? Ela renunciou à própria saúde para que eu pudesse viver e encontrar com meu pai. Isaak? Talvez. A vida dele sempre foi tão ruim quanto a minha, isso ele mesmo dizia. Mas pelo menos ele enxergava dos dois olhos antes de me conhecer. Estar ao meu lado só fez com que ele perdesse parte da visão. Além disso, agora ele meio que se via obrigado a me proteger, porque eu era um fraco que não conseguia fazer isso sozinho. E ele estava, sim, arriscando a vida por isso. O irônico disso tudo é que, provavelmente, o único que obteve algum tipo de benefício com a minha existência foi aquele crápula. Talvez por ele ter entendido que eu não passava de lixo humano e ter me colocado no devido lugar. Ou talvez porque ele próprio não devia ser humano e, sim, um demônio.

Estávamos quase chegando ao hospital. Eu tinha que me segurar, não podia chorar. Meu pai estava com um semblante cansado. Eu não queria causar mais problemas pra ele. Será que ele estava tão preocupado assim comigo? Depois da conversa com Shaka e Mu, ele parecia estranhamente mais carinhoso. Até então ele parecia não querer se aproximar tanto. Ele parecia querer me dar mais privacidade e tempo para me acostumar com tudo. Mas agora ele estava mais protetor, de certa forma. Eu não conseguia imaginar o motivo para aquilo. O que será que Shaka ou Mu falaram com ele? Será que deram algum conselho sobre paternidade? Não saberia dizer. Não importava, de qualquer forma. Meu destino já estava selado. Claro que isso tornaria tudo ainda mais doloroso do que já era. Eu amava meu pai! Mais do que conseguia dizer! Mais do que conseguia expressar! E vê-lo retribuindo esse sentimento, de alguma forma, era mais do que eu imaginava receber algum dia. Talvez eu pudesse absorver o máximo possível daquele sentimento, assim eu teria mais forças para enfrentar o meu destino. Ou talvez eu amaldiçoasse ainda mais aquela vida injusta. Provavelmente seria a segunda opção, levando em consideração como eu era patético. Suspirei. Meu pai não merecia um filho como eu. Por que eu insisti em encontrá-lo? Se ele não soubesse da minha existência, não precisaria se preocupar com nada. Poderia viver a vida feliz com Milo, que, por sinal, era outro que não precisava passar por aquilo. Eu não só deixava meu pai preocupado, como também ia destruir o sonho da vida de Milo de ser pai. Afinal, quem desejaria ter um filho como eu? Eu merecia morrer por isso! E se eu tivesse oportunidade, com certeza daria fim àquela maldita vida desgraçada.

Doce Fruto de um Passado AmargoOnde histórias criam vida. Descubra agora