POV Isaak/POV Camus

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E lá estava eu, vendo Camus abraçar Hyoga. Nem nos meus mais doces sonhos eu poderia imaginar que faria parte da mesma família que Hyoga. Por mais que eu o considerasse como um irmão mais novo, eu achei que apenas ficaria cuidando dele de longe. Esperança de ser adotado? Nunca! Sequer sabia o que era ter uma família. Apesar da minha mãe nunca ter me destratado nem nada, não dava pra dizer que ela tinha sido um exemplo de mãe. Ela nunca disse que me amava ou que tinha ficado feliz com meu nascimento. Pai? Eu não tinha ideia o que era. Nunca me foi apresentado. Até conhecer Hyoga, eu nem sabia o que era um pai. E quando meu irmão me contou algo sobre, confesso que fiquei encantado. Uma pessoa que nos protege, nos guia e nos ama desde o nascimento? Fala sério! Nem minha mãe tinha feito isso! Claro que eu queria um pai! Se era isso, então eu queria! Mas eu sabia que não era bem isso que eu teria na vida. O que eu tinha era um carrasco que me obrigava a fazer coisas horrendas. E, sinceramente, até conhecer Hyoga, eu achava que o que eu vivia era normal. Eu sabia que tinha pessoas que viviam diferente, mas não tinha ideia de que o que eu passava era algo fora do normal. Em outras palavras, pensava que o que eu vivia era algo aceitável pela sociedade, apenas não era a realidade de todos. E não tinha como pensar de outra forma, afinal todo tipo de pessoa aparecia para aproveitar meus “serviços”. Desde as pessoas mais humildes até aquelas que tinham bastante relevância na sociedade. E quando eu descobri que estava apenas sendo explorado e que era uma vítima, foi meio que chocante pra mim. Eu vivi uma mentira a vida toda e nem sabia que estava sendo enganado. Foi então que decidi que faria o possível para me tornar relevante e, quem sabe um dia, sair daquela vida. Eu queria conhecer como era estar do outro lado. O lado bonito da humanidade.
Eu não sabia se ficava feliz ou triste com tudo aquilo. Eu estava ganhando a melhor família que eu poderia querer, mas corria o risco de ficar sem ela. Se Nikolai sonhasse que eles estavam tentando tirar não só Hyoga, como eu também das mãos da organização, ele não mediria esforços para nos levar de volta. Eu sabia que eu tinha me tornado relevante na organização. Depois que assumi algumas responsabilidades, o lucro do “negócio” tinha subido consideravelmente. E Nikolai já tinha dito que assim que eu me tornasse maior de idade, eu assumiria um cargo mais elevado. Não entendia por que ele queria esperar que eu fosse maior de idade pra isso, visto que eu já trabalhava como um adulto desde meus seis anos de idade. Mas talvez tivesse algo a ver com impor mais respeito. Afinal, pessoas mais velhas não costumavam dar ouvidos a pirralhos. Enfim, eu sabia que Nikolai me considerava alguém importante para a organização e que não abriria mão de mim tão facilmente. E se era assim comigo, com Hyoga era dez vezes pior. Não diria que Nikolai amava meu irmão, porque eu não acreditava que ele tinha capacidade de desenvolver um sentimento tão nobre. Mas ele se apegou a Hyoga como uma criança se apega a um brinquedo novo. Então não era só questão do Hyoga ser o mais lucrativo ali. Para Nikolai, Hyoga era sua propriedade. Ele se achava o mestre, senhor, dono do meu irmãozinho. E, cara, como ele era possessivo! Tendo tudo isso em vista, dificilmente conseguiríamos nos livrar dele. Mas eu queria acreditar em Milo e Camus. O problema é que não queria arriscar a vida deles. Então, o que eu poderia fazer? Milo disse que sabia como resolver aquilo. Pelo que eu tinha entendido, ele era um grande empresário. Será que ele tinha tanto dinheiro assim? Quer dizer, a casa onde eles moravam era bacana, o carro também, mas não parecia ser algo de alguém que tivesse muito dinheiro, poder e influência. Se fosse assim, eu imaginaria alguém que morasse em uma mansão, com muitos empregados e essas coisas que a gente vê em filmes. Então, será que não estava apenas sendo muito otimista? Ele parecia confiante, mas ainda não tinha me convencido.
- Bom, acho que já deu desse assunto, né? – disse Milo, me tirando de meus pensamentos. – Sei que talvez não seja o momento mais adequado, mas agora quero sair pra comemorar.
- Comemorar o que? – perguntei, confuso.
- Como o que? A formação da nossa família, oras!
- E o que você propõe, mon ange? – disse Camus, levantando-se do, até então, abraço com meu irmão.
- A gente podia sair com os meninos, passear um pouco. Que tal irmos ao shopping? Podíamos comprar umas roupas novas pros dois. – Milo parecia empolgado.
- É uma boa ideia. Se os meninos animarem, podemos ir. Mas temos que arrumar agora, pra não ficar muito tarde. – disse Camus.
- O que vocês acham? – Milo perguntou.
- Por mim, tudo bem. – respondi me encostando no sofá e colocando os braços atrás da cabeça.
- E você, Hyoga? – Milo insistiu, fazendo meu irmão suspirar.
- Temos mesmo? – ele perguntou, desanimado.
- Vai ser bom, meu filho. Você teve muitas emoções hoje. Precisa distrair um pouco. – Milo sentou-se ao lado de Hyoga.
- Tudo bem, não quero ser estraga-prazeres. – ele falou, resignado.
- Então vão se arrumar para sairmos o quanto antes. – disse Camus.
Eu me levantei e Hyoga veio atrás de mim. Subimos as escadas e entramos no quarto de Hyoga. Meu irmão estava bem desanimado. Seus olhos estavam muito vermelhos. Também, depois do tanto que ele chorou, seria difícil que não estivessem. Eu não saberia dizer o quanto aquela conversa foi difícil pra ele. Hyoga sempre foi muito reservado. Expor-se daquela maneira foi, provavelmente, exaustivo. E ele não se expôs pra qualquer um, foi pro pai dele. A pessoa que ele considerava seu herói. Eu me sentia mal por ele, porque eu sabia o quanto ele amava Camus e o quanto ele gostaria de ter sido um filho exemplar. Hyoga sempre foi muito perfeccionista, ele sofria muito por cada erro, cada falha, cada fraqueza. Principalmente quando isso acarretava em qualquer tipo de incômodo para os outros. Ele sempre colocava muita carga nos próprios ombros, como se ele fosse capaz de carregar todo o sofrimento do mundo nas costas. E ele até conseguia carregar bastante coisa, mas todo mundo tem seu limite e Hyoga não era diferente. Eu olhava pra ele e sentia que ele ia ter um colapso a qualquer momento.
- Hyoga, como você está? – perguntei, preocupado.
- Cansado. – ele respondeu, se jogando na cama.
- Se você quiser, posso falar com eles pra deixar esse passeio pra outro dia.
- Não, tudo bem. Eu aguento dar umas voltinhas. Devo isso ao Milo, afinal, tudo que fiz desde que cheguei foi preocupá-lo. – ele suspirou profundamente, enquanto eu me sentava na cama, ao seu lado. – Eu não sei o que fazer agora, Isaak.
- Você ainda está pensando em fugir?
- Sinceramente, eu não sei. Ainda acho que eles não merecem passar por isso. Mas... – ele deu uma pausa, seus olhos se encheram de lágrimas novamente. – Eu seria uma pessoa muito ruim se quisesse ficar? Será que eles me detestariam se eu fosse egoísta, só dessa vez? – senti meu coração se apertar com aquela pergunta.
- Claro que não, Hyoga. Ninguém vai te julgar por querer ser feliz, maninho.
- Eu não sei se tenho direito de querer ser feliz depois de tudo, Isaak. Eu tenho medo! Sempre que as coisas parecem caminhar bem, acontece alguma merda.
- Eu queria dizer que as coisas vão ser diferentes agora, mas não sou tão otimista assim. Mas eu acho que independente do que você escolher, vai ser difícil. E agora não tem como mais não envolver seus pais.
- Nossos pais. – Hyoga me corrigiu, me deixando um pouco sem graça.
- Nem acredito que eles querem me adotar, maninho. – falei, dentando-me ao seu lado. – Parece até que estou sonhando.
- Eu também fiquei muito feliz com isso! Pelo menos alguma coisa boa te aconteceu por ter me conhecido. – ele falava sorrindo, mas em um tom melancólico.
- Qual é, Hyoga?! Mesmo que nada disso acontecesse, ainda assim ter te conhecido estaria no topo da lista de coisas boas que me aconteceram. Tudo bem que não tem muitas coisas nessa lista, mas isso só torna você ainda mais especial. – eu o abracei.
Ele ficou calado, apenas olhando para o teto. Fiquei me perguntando o que ele estava pensando. Deitei de barriga pra cima, também olhando para o teto.
- O que você quer fazer? Quer esperar pra ver o que acontece? Você sabe que ele vai vir atrás da gente, né? – falei.
- Eu sei. Mas não temos pra onde ir. Ou temos?
- A gente teria que fugir pra um lugar onde nem ele e nem Camus e Milo nos encontrasse. Não sei como poderíamos fazer isso. Sabemos que Nikolai tem muitos contatos aqui na Europa. E Milo parece ter uma influência maior do que a gente imagina. Só se a gente mudasse de cara e de identidade. Você talvez consiga fazer isso, mas eu, com essa cicatriz no olho, seria mais difícil.
Ficamos os dois em silêncio. Estávamos mesmo sem muito o que fazer. Por mais que eu pensasse em alguma coisa, sempre tinha um risco de algo muito ruim acontecer. Talvez a gente devesse esperar até que algum dos lados fizesse qualquer movimento. Aí poderíamos tomar uma atitude mais definitiva.
Levantei-me da cama e estendi a mão para Hyoga.
- Melhor a gente se arrumar. Eles vão chamar a gente daqui a pouco.
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POV Camus


Resolvi tomar um banho antes de sairmos. Deixei que a água caísse e escorresse por todo meu corpo, como se aquilo pudesse levar embora todos os problemas e preocupações. Não sabia de onde tirei forças pra ter aquela conversa. Talvez ter Isaak contando tudo tenha facilitado um pouco. Se Hyoga tivesse que contar, teria sido muito mais sofrido. Ele chorou praticamente o tempo todo. Até agora aquelas palavras ressoavam em minha mente. Meu filho realmente acreditava que não me merecia, que não merecia ser feliz. Era exatamente como Shaka dissera. Mas aquilo era tão absurdo! O que eu faria para mudar aquela crença em sua cabecinha? Duvidava que só aquela conversa que tivemos o fez mudar seu modo de se ver. Por mais sinceras que tenham sido minhas palavras e as de Milo, Hyoga parecia estar convicto do contrário. Suspirei. Talvez isso só mudasse com o tempo mesmo. Acreditava que ele mudaria a medida que Milo e eu demonstrássemos o quanto ele era importante em nossas vidas e o quanto o amávamos. Por mais que eu detestasse mimos e essas coisas, eu ia acabar me tornando um pai coruja. Ri desse pensamento. Tanto Natássia quanto Milo sempre me disseram isso, que eu seria um pai bem babão e superprotetor. Parece que eles me conheciam melhor do que eu mesmo.
Independente da questão de autoestima de Hyoga, ainda tínhamos outros problemas para nos preocupar. Milo disse que tinha a solução para tirá-los das mãos daquele crápula. Eu não duvidava do meu marido. Eu bem sabia que ele tinha muitos contatos que poderiam nos ajudar a resolver aquilo sem que precisássemos sujar nossas mãos. Ele tinha muitas pessoas o devendo favores e provavelmente Milo cobraria alguns desses. Só esperava que isso fosse o suficiente. Não queria colocar os meninos em risco. Do jeito que eles estavam, era bem capaz deles me desobedecerem e se arriscarem desnecessariamente. Principalmente Isaak. Era visível o problema de autoestima de Hyoga, já Isaak era mais sutil. Realmente ele era bem parecido com Milo. Apesar da autoconfiança, dava pra ver uma pontinha de insegurança em algumas falas. Isaak parecia acreditar ser tão ruim quanto os criminosos com quem se envolvera. Talvez por ter nascido naquele meio, ele acreditasse que ali era o lugar dele. Diferente de Hyoga, com Isaak teríamos que ser mais incisivos. Se Hyoga já não tinha muitos limites, Isaak parecia não ter nenhum. Além disso, eu teria que ser cuidadoso se precisasse discipliná-lo. Na cabeça dele, meus métodos poderiam facilmente passar por agressão, visto que o desgraçado do Nikolai o espancou mais de uma vez. Precisaria conversar muito bem com ele para que entendesse a diferença. Ainda precisaríamos consertar muitas coisas antes que tudo ficasse bem.
Senti braços me envolverem por trás, sorri.
- Preocupado, Camye? – Milo sussurrou em meu ouvido. Virei-me de frente para ele e dei um selinho em seus lábios.
- Difícil não me preocupar, mon ange. A situação é bem delicada.
- Sinceramente, Camye, depois de ouvir tudo, estou mais confiante. Fica mais fácil lidar com as coisas quando a gente sabe qual é exatamente o problema.
- E o que está pensando em fazer?
- Eu tenho um amigo que pode me ajudar. Por mais que Nikolai seja um criminoso que possa ser respeitado na Sibéria, não acho que ele seja tão grande e perigoso assim. Isaak provavelmente saberia se ele fosse membro da máfia russa ou algo do tipo. Ele deve ser de alguma organização menor. Se esse for o caso, não acho que ele será um problema, visto que tenho contatos mais poderosos que isso nesse meio.
- Não sei o que me desagrada mais; você ter esse tipo de contato ou termos que usar desse meio pra livrar os meninos.
- Você sabe que tenho todos os tipos de contato, isso nunca foi segredo.
- Eu sei, mon ange. – segurei seu rosto, com carinho. – Eu confio em você e sabe disso. Eu apenas gostaria que tivesse uma outra forma de resolvermos, sem ter que recorrer a isso.
- Até tem, Camye. – ele falou, colocando os braços em meus ombros. – Assim como tenho contatos nesse submundo, também tenho nos altos escalões do governo. Eu poderia fazer as coisas de modo a chamar o mínimo de atenção possível. Mas dessa forma seria muito mais demorado e arriscado. Como Isaak disse que Nikolai provavelmente está vigiando os meninos de alguma forma, quanto mais demorarmos pra resolver, mais arriscado vai ser.
- Eu entendo. – suspirei. – Tudo bem. Se for pra resolvermos isso logo, não importa. Quanto antes nossos filhos estiverem seguros conosco, melhor.
- Nossos filhos. – Milo repetiu, sorrindo. – É tão bom ouvir isso! Sinto que agora não falta mais nada na nossa vida. Podemos seguir pra próxima meta, que é ter netos. – ele começou a rir e eu também.
- Só você mesmo pra me fazer sorrir numa situação dessas. – falei, dando-lhe um selinho logo em seguida.
Desvencilhei-me de seus braços e saí do banho. Ele continuou lá dentro. Sequei-me e enrolei a toalha em minha cintura. Dirigi-me para o quarto, a fim de vestir uma roupa. Enquanto escolhia o que vestir, voltei a perder-me em pensamentos. Eu estava bastante preocupado com Hyoga. Ele claramente não estava bem. Pela sua aparência, ficava surpreso por ele ainda não ter desmaiado por exaustão. Eu não sabia o que fazer para mudar isso. Eu poderia me assegurar que ele tivesse boa alimentação e bom sono, mas enquanto houvesse aquela instabilidade e fragilidade emocional, nada seria muito efetivo. E como se não bastasse aquela situação com o desgraçado da Sibéria, ainda tinha a questão da senhora Valéria. E mesmo que Isaak estivesse com ele, o que parecia deixá-lo mais tranquilo, ainda era muita coisa para aquela cabecinha loira e teimosa. Suspirei. Eu tinha que me apressar e ficar ao lado dele. Eu precisava passar segurança pro meu filho. Eu precisava demonstrar o quanto eu o amava e me preocupava com ele. Quanto antes ele entendesse que não estava mais sozinho, melhor.  Escolhi logo minha roupa e terminei de me arrumar. Vi que Milo tinha terminado o banho, mas não esperei por ele. Saí do quarto e me direcionei para o quarto de Hyoga. A porta estava aberta. Isaak não estava ali, somente Hyoga. Ele estava sentado na cama, cabisbaixo, com a toalha na cabeça. Perguntei-me se sair com ele seria mesmo uma boa ideia. Ele parecia muito abalado e cansado. Eu entendia o lado de Milo, mas me questionava se não seria melhor ficarmos em casa.
Aproximei-me dele e me sentei ao seu lado.
- Ah... é você, pai?! Achei que fosse Isaak. – ele falou, limpando as lágrimas que teimavam em cair de seus olhos.
- Até quando vai ficar chorando assim, meu filho? – falei, terminando de secar seus cabelos com a toalha. – Tem alguma coisa que eu possa fazer por você?
Ele ficou calado, o que me fez suspirar. Peguei o pente que estava em cima da mesa de cabeceira e comecei a pentear os cabelos dele.
- Hyoga, você não precisa ter receio de me pedir ajuda. Eu quero cuidar de você, meu filho. Dói tanto te ver assim e não poder fazer nada. Por que hesita tanto em me deixar te ajudar? Do que tem tanto medo? – falei, fazendo-o suspirar.
- Se eu falar o que realmente penso, você vai brigar comigo.
- Por que eu brigaria com você? Está pensando coisas ruins de si mesmo, não é? – falei e ele virou-se para mim.
- O que você chama de coisas ruins, para mim é a realidade. Não é que eu hesite em deixar você cuidar de mim. Eu apenas não sinto que mereço e aí eu fico meio sem reação. Você me pergunta do que tenho medo, eu te digo. Meu medo é que quanto mais eu mostrar quem realmente sou, mais eu te afaste de mim. Se eu mostrar o que realmente penso, tudo que vai acontecer é te causar decepção e desgosto. Porque eu não tenho nada de bom para acrescentar em sua vida. Eu não tenho nada de bom pra falar de mim mesmo. Eu não tenho nada de bom em mim! E eu não quero ficar te mostrando minhas fraquezas, eu não quero que você tenha vergonha de mim, como eu tenho. Só de estar aqui, eu já sou um problema pra você. Não tem porque eu aumentar isso ainda mais. – dessa vez ele falava de maneira mais calma, sem chorar. E isso só me fez perceber o quanto aquilo estava enraizado em sua mente.
- Você acredita mesmo nisso, não é?
- Por que não acreditaria?
- Porque não é verdade, meu filho. Você não tem que merecer nada para que eu cuide de você. Afinal, essa é uma obrigação minha! Não tem a ver com o que você fez ou deixou de fazer. Tem a ver com o fato de que eu te amo e quero que você esteja bem, feliz, seguro. Por exemplo, você disse que quer me proteger. E se eu dissesse pra você que não sinto que mereço essa proteção?
- Por que você não mereceria? Não faz sentido.
- Eu posso te dar mil razões pra isso. Posso dizer que eu não estive com você quando precisou de mim. Posso dizer que não deveria ter deixado sua mãe ir embora e que a culpa de tudo que você passou foi a minha falta de coragem.
- Mas nada disso faz sentido!
- Exatamente! É assim que você soa pra mim quando diz que não merece meu cuidado. Simplesmente não faz sentido! Porque não tem a ver com o que você sente sobre si mesmo e, sim, com o que eu sinto por você. Entende? Mesmo que você sinta que não merece, quem decide isso sou eu! E eu não tenho motivos pra dizer que você não merece meu cuidado, meu carinho, meu amor.
- Mas eu sou sujo, pai. – ele falava como uma criança de cinco anos. Não me aguentei e o abracei.
- Ôh meu filho, é só você que pensa isso. – afastei-me e segurei em seu rosto, pra que ele olhasse pra mim. – Eu sei que não tem como esquecer o que te aconteceu, mas não se engane. Eles que são os sujos! Sinceramente, tenho vontade de matar todos os desgraçados que encostaram um dedo sequer em você.
- Eu não sou tão inocente ao ponto de pensar que não tenho culpa, pai. Eu que fui atrás dos criminosos. Eu sabia o que eles faziam e mesmo assim eu aceitei! Eu sou tão asqueroso quanto eles!
Suspirei pesado. Ele não ia entender, não adiantava ficar discutindo. Eu não tinha como lidar com aquilo, precisava de ajuda profissional.
- Hyoga, tudo que eu preciso que entenda é que independente de qualquer coisa, eu te amo! E eu vou estar aqui por você, mesmo que você pense que não merece ou qualquer dessas coisas absurdas que você diz. Entendido? – ele apenas abaixou a cabeça, o que me fez suspirar novamente. – No mais, vou colocar você em uma terapia com psicólogo.
- Que? Mas...
- Não tem “mas”, Hyoga. Eu não posso permitir que você permaneça se auto depreciando dessa forma. Você provavelmente já sofre de depressão. Se eu não fizer nada, você vai acabar definhando aos poucos. Eu não vou ficar parado assistindo você se machucar dessa forma! – ele abaixou a cabeça, mas segurei em seu queixo e levantei seu olhar pra mim. – Não fique assim! Eu só quero o seu bem, meu filho. Eu disse que vou te proteger, mesmo que seja de si mesmo!
Nesse momento, Isaak entrou no quarto, também secando os cabelos com a toalha. Ele olhava para o chão, então nem percebeu que eu estava ali.
- Maninho, me empresta seu... – ele parou de falar quando viu que eu estava ali, mas logo continuou. - ... pente.
- Vem, senta aqui, Isaak. – falei, batendo na cama ao meu lado.
Ele veio e sentou-se. Fiz com que ele se virasse de costas pra mim, para que eu pudesse pentear seus cabelos também. Ficou silêncio por um momento, até que senti que meu mais velho estava fungando. Achei estranho.
- Está chorando, meu filho? – perguntei.
- Ah! – ele limpou as lágrimas. – É de emoção. Você penteando meus cabelos me lembrou da minha mãe. Ela não era muito carinhosa. Pra falar a verdade, eu raramente via ela sóbria. Mas eu lembro que ela adorava pentear meus cabelos. Ela ficava trançando e prendendo, quase como se eu fosse uma boneca. – ele riu do próprio comentário. – Eu não tenho muitas lembranças de quando ela era viva e das nossas interações, mas essa é uma que eu guardo com muito carinho. Acho que eu fiquei meio emotivo com toda aquela conversa mais cedo. Desculpa.
- Isaak, olha pra mim. – ele se virou. – Não me peça desculpas por se emocionar. Você pode se abrir comigo ou com Milo, com quem se sentir mais confortável, ok? Mas não precisa se segurar.
- Eu não quero incomodar vocês com isso.
- Nem vem, Isaak! Você e seu irmão vão ter que se acostumar em compartilhar as coisas conosco. Não digo que precisam compartilhar tudo, afinal, já fui adolescente. Sei bem que tem coisas que vocês não vão querer conversar com a gente por um motivo ou outro. Mas para todo o resto, estamos totalmente disponíveis para vocês.
- Que isso? Estão fazendo reunião de família e nem me convidaram? – Milo apareceu na porta, sorrindo. – Já estão prontos?
Os meninos acenaram a cabeça em afirmação. Logo me levantei e me dirigi à porta.
- Então vamos.

Continua...

Doce Fruto de um Passado AmargoOnde histórias criam vida. Descubra agora