POV Milo/POV Camus

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POV Milo

Eu acordei no meio da noite. Suspirei pesado. A pequena discussão com Hyoga tinha mexido comigo. Fiquei me perguntando se eu realmente queria ajudar ou só queria provar que estava certo sobre minha teoria. Não fazia muito meu estilo ficar fazendo as coisas só pra provar meu ponto. Sim, eu era ogulhoso, mas não nesse nível. Mas o que eu podia fazer para Hyoga entender isso? No estado em que ele se encontrava, seria difícil fazê-lo acreditar que eu me importava com ele de verdade. Ele, claramente, estava tentando nos afastar. Eu sabia que tinha relação com o que ele estava escondendo de nós. E por isso eu ficava insistindo naquilo. Eu queria que ele colocasse o sofrimento para fora, desse uma abertura, confiasse que nós iríamos ajudá-lo no que fosse preciso. Não estava interessado no que ele estava escondendo e sim no sofrimento que aquilo estava causando. Ele parecia sentir medo de alguma coisa. Ele parecia acreditar que estava sozinho ou que ficaria sozinho. Por que? Por que ele pensava que, justo agora que encontrara seu pai, ele ficaria sozinho de novo? Será que ele planejava fugir? Então por que veio pra cá? Não fazia nenhum sentido! E me frustava saber que Hyoga escondia algo assim. Porque eu queria ajudar! Eu queria que aquele garoto fosse feliz. Caramba! Eu bem sabia como era ruim não ter muita esperança no futuro. O quanto era horrível ter que viver um dia após o outro, apenas esperando não ter que acordar no dia seguinte. Passei parte da infância e juventude desprezando a vida. Eu fiz coisas que me arrependia profundamente, apenas para sobreviver. E se alguém não tivesse me estendido a mão, sabe-se lá o que poderia ter acontecido comigo. Teria me matado? Teria sido morto? Estaria preso? Teria virado um bandido? Tinha tantas possibilidades e nenhuma era boa. Talvez, por isso, ver Hyoga recusando a nossa mão estendida me deixava tão frustrado. Que futuro esperava aquele jovem se ele não se permitisse ser ajudado? Eu não queria ver nele, o que poderia ter acontecido comigo. Eu não permitiria que ele passasse por aquilo que eu lutei para não passar. Não era por mim! Não era para provar meu ponto! Eu simplesmente não queria sequer pensar em arriscar a vida dela daquela forma! E se houve alguém nesse mundo que se importou comigo, seria muito desrespeitoso não fazer o mesmo por alguém que se encontrava na mesma situação que eu, no passado.

Olhei para o lado. Vi que Camus dormia, mas não tinha uma expressão muito tranquila no rosto. Eu sabia que ele também estava preocupado. Eu só não sabia se ele tinha noção da gravidade da situação. De fato, eu sabia que a vida de Camus não tinha sido um mar de rosas, mas ele passava longe de ter sofrido como eu ou Hyoga. Ele não teve uma boa relação com o pai, mas sempre teve uma casa. Teve a mãe ao lado dele, que fazia praticamente tudo por ele. Talvez por isso ele tenha esse lado protetor tão forte em si. Ele fez o que pôde para proteger a mãe. Eu sequer podia imaginar o que tinha passado na mente dele ao descobrir que não pôde proteger a pessoa que ele amou tanto, que fora Natássia. Não tínhamos conversado sobre tudo aquilo ainda. Também pudera. Desde que Hyoga e a senhora Valéria chegaram, foi uma coisa atrás da outra. Não tínhamos tido tempo nem de respirar. Mas eu me perguntava como aquilo tinha repercurtido na cabeça dele. Descobrir, depois de tantos anos, que a mulher que ele achava que tinha traído sua confiança, na verdade fez tudo para protegê-lo e proteger o filho deles. Pelo que conhecia de Camus, ele provavelmente não ficaria remoendo nada. Camus nunca fora do tipo de ficar se lamentando pelo passado. Se ele o fez alguma vez na vida foi por realmente ter sofrido muito, o que não foi muitas vezes. Mas eu acreditava que saber o real motivo do que aconteceu, fez com que ele tirasse aquela carga negativa que envolvia o nome de Natássia. E o que antes trazia angústia e raiva, hoje trazia nostalgia e certa tristeza. E era por ter essa visão que eu tinha medo no que isso afetaria nossa relação. Talvez, por isso, eu me sentia tão frustrado com Hyoga, também. Eu queria que ele criasse um laço comigo, para que eu não ficasse sobrando ali. Eu queria me tornar alguém tão importante quanto Camus, assim não me sentiria um estranho no meio da história dos dois. E, obviamente, se eu não superasse essa barreira, não realizaria o sonho de ser pai. Não queria que Hyoga me visse como o marido do pai dele. Eu queria que ele me visse como seu pai também. Podia parecer capricho meu, mas eu precisaria correr atrás do prejuízo. Hyoga naturalmente veria Camus como pai. Mas eu precisaria trabalhar o dobro para que ele me visse da mesma maneira.

Doce Fruto de um Passado AmargoOnde histórias criam vida. Descubra agora