POV Camus/POV Hyoga

170 10 1
                                    

POV Camus

Saí com a senhora Valéria pouco depois que Milo e Hyoga partiram. Esperava que Milo não forçasse nada com Hyoga, ainda mais nas atuais circunstâncias. Confiava em meu marido. Ontem ele soube lidar muito bem com a situação, ele teria o mesmo bom senso hoje. Eu não poderia perder essa oportunidade de que a senhora Valéria relizasse exames sem que Hyoga soubesse. Embora, pela minha experiência como médico e pelo que ela me confideciara, eu soubesse que a situação era grave, precisava de algo mais concreto para determinar o tratamento correto. Só esperava que não fosse tarde demais. Se algo acontecesse com ela, nem queria pensar no tamanho do sofrimento que causaria em meu filho. As coisas já não estavam tão bem assim. Ontem foi quando ele deu algum sinal de que tudo poderia melhorar. Mas o fato d'ele estar sensibilizado pela data da morte de Natássia, não me trazia a confiança de que a mudança seria permanente. Ele parecia instável, lutando contra algo que eu sequer tinha consciência. Afinal, o que mais poderia existir para lutar contra? De certa forma, os problemas que ele possuía na Sibéria, já não existiam mais. Agora ele estava comigo! Tinha condições de dar a ele tudo que ele sonhara e até mais. Então, por que ele parecia tão incerto? Por que parecia querer construir uma barreira entre nós? Por que lutar contra algo que apenas lhe faria bem? Não fazia sentido! Acreditava que nem mesmo a senhora Valéria entendia exatamente o que se passava na mente de Hyoga.

Estava silêncio no carro. O hospital não era muito longe, mas como eu estava perdido em meus pensamentos, o caminho parecia mais longo que o normal. A senhora Valéria olhava para frente, mas seu olhar também parecia perdido. Lembrar do dia da morte de Natássia provavelmente não devia ser fácil. Eu sequer estava lá e só de tentar imaginar, já sentia uma fincada no peito. Não sabia dos detalhes, mas pelo que Hyoga contara, a imagem de Natássia sorrindo em um barco afundando parecia bem palpável em minha mente. Ela era assim; sorria, mesmo querendo chorar. Mesmo que estivesse receosa, com medo, com raiva, lá estava o sorriso mais gentil do mundo em seus lábios. Era o tipo de atitude que eu esperava dela, mesmo em uma situação como aquela. E pensar que mesmo tendo passado por algo assim, a senhora Valéria ainda teve forças para chegar até aqui. Não sabia ao certo quando ela começou a ter problemas de saúde, mas parecia vir de antes de Natássia falecer. Isso significava que ela lutava para viver desde então. Dada a idade em que se encontrava e aos problemas que adquirira, era praticamente um milagre que ela ainda estivesse viva. Por mais que não tivesse muito embasamento científico, só poderia existir uma explicação plausível. Seu amor por Natássia era tão grande que lhe deu forças e determinação de permanecer viva até que cumprisse com sua promessa. Como médico, raramente eu encontrava casos em que isso pudesse justificar uma resposta do corpo humano. Porém, não tinha outra coisa que sustentasse sua existência. Era impressionante! E não me surpreendia que isso fosse por Natássia. Ela costumava ter esse poder sobre as pessoas.

Chegamos ao hospital. Estacionei o carro na minha vaga. Desci do carro e abri a porta, para ajudar a senhora Valéria a descer.

- Obrigada. – disse ela gentilmente.

- Imagina. Não faço mais que minha obrigação.

Segui com ela para dentro do hospital. Ao me verem lhe ajudar, logo apareceu uma enfermeira com uma cadeira de rodas. Agradeci e ela me deixou cuidar do resto. Pedi para que a senhora Valéria se sentasse e comecei a guia-la até o setor que eu queria. Eu não usava meu jaleco, mas todos me conheciam naquele lugar. Confesso que não me agradava muito ser o centro das atenções, mas se não era conhecido por meus feitos, era conhecido pela frieza.

Parei em frente à sala de enfermagem. Esperava encontrar a pessoa que poderia me ajudar com os exames da senhora Valéria. Ele raramente estava na sala de enfermagem, mas quem sabe eu não daria sorte. Ainda era cedo. Bati à porta e logo veio quem eu esperava.

Doce Fruto de um Passado AmargoOnde histórias criam vida. Descubra agora