- Então, será que agora Isaak pode continuar com a explicação? – falei.
Hyoga suspirou em resignação e acenou para Isaak. Sorri e abracei meu filho. Ele me abraçou de volta e eu senti um calor gostoso invadir meu peito. Ele estava me aceitando! Ele estava demonstrando carinho, apego! Será que finalmente eu tinha conquistado um espaço em seu coração? Confesso que me senti a última bolacha do pacote quando ele disse que Camus tinha encontrado alguém tão incrível quanto a mãe. Ele me comparou com Natássia e me colocou em pé de igualdade com ela!! Senti até minhas orelhas queimando de vergonha e alegria! Afinal, eu sabia o quanto ele amava e admirava a mãe, quase como se ela fosse uma deusa em um altar. E falar que eu era tão incrível como ela era algo extremamente significativo! Eu, com certeza, faria jus àquela declaração! Eu me esforçaria ao máximo pra corresponder àquelas expectativas! Seria o melhor pai que conseguiria ser! Tanto pra Hyoga quanto pra Isaak!
Hyoga afundou a cabeça no meu pescoço, como se quisesse esconder o rosto e não participar daquela conversa. Eu apenas o mantive abraçado a mim e virei-me para Isaak.
- Pode continuar, meu filho. – falei.
- Onde eu tinha parado mesmo? – Isaak ficou pensativo.
- Você ia explicar porque o líder criminoso perdoaria a dívida daqueles dois, apenas para o ajudar. – Camus respondeu.
- É mesmo! – Isaak respirou fundo antes de continuar. – Existem dois motivos pra isso. O primeiro é que, na verdade, a dívida já estava paga. Ele só estava aproveitando-se da ignorância dos dois e lucrando um pouco mais. Ulla não era uma prostituta que dava muito lucro, ele apenas queria recuperar um pouco do que poderia ter ganhado. Então não é como se ele tivesse tomado prejuízo. O segundo é que ele mesmo me disse que poderia fazer o que fosse necessário para tentar tirar Hyoga daqui sem que chamasse muita atenção. E pra isso, seria muito mais fácil se vocês não desconfiassem de mim. Claro que eu soube assim que os conheci que isso não seria possível. Afinal, quando cheguei aqui vocês já estavam com uma suspeita muito forte de tudo. Mas segui com o plano, só pra não dizer que não tentei.
- Mas por que esse cara faria todo esse esforço pra que Hyoga volte? Pelo que eu entendi do que você disse, tem outros garotos e mulheres lá, não é? – Camus perguntou.
- Porque Hyoga é o que dá mais lucro hoje. Ele é o garoto mais caro. Além disso, Hyoga é o preferido dele. Meu irmão é quase um tesouro encontrado no deserto. Desde criança, Hyoga tem uma beleza muito rara e chamativa. E ele só tem ficado mais bonito a cada ano que passa. O líder sabe que ele ainda vai render muito dinheiro.
- Se isso é verdade, por que ele permitiu que Hyoga viesse pra cá? Ele devia saber que corria o risco de Hyoga não voltar. – foi minha vez de perguntar.
- Foi um acordo. Ele quer que Hyoga comece a se envolver mais na organização. Até então, meu irmãozinho é apenas mais um dos garotos lá, mesmo sendo o mais relevante entre todos. E o líder quer que ele se envolva com as coisas da organização, mais como eu faço. Por exemplo, eu hoje, mesmo ainda sendo um garoto de programa, tenho outras responsabilidades, como cuidar pra que os outros garotos façam o serviço direito, designar quem vai se deitar com quem, garantir que o dinheiro arrecadado seja entregue ao líder, dentre outras coisas. E o líder quer dar algumas responsabilidades assim pro Hyoga também. Só que meu irmão nunca demonstrou que faria parte disso. Ele tem muito medo do cara, e com razão. Além de ser muito puro pra se sujar dessa maneira. O líder sabe que forçá-lo não ia adiantar e também sabia o quanto Hyoga queria conhecer o senhor Camus. Então ele fez esse acordo. Ele permitiria que Hyoga viesse conhecer o pai e, em troca, Hyoga passaria a ter mais responsabilidades na organização e começaria a se envolver mais. Como Hyoga é o preferido dele, provavelmente quer que meu irmão seja seu futuro parceiro.
- Entendi. – fiquei pensativo por um momento. – Você disse que se envolveu com os criminosos depois que assumiu a dívida da sua mãe, não é?
- Exato. – Isaak respondeu.
- Mas e Hyoga? Foi aliciado como?
- Isso eu consigo responder. – disse Hyoga, erguendo o rosto e me surpreendendo. Ele respirou profundamente e continuou. – Eu cuido das coisas lá de casa desde os sete anos, que foi quando minha avó começou a ficar mais debilitada. Desde então, eu que ia na cidade pra fazer as compras de casa, receber a aposentadoria da minha avó e tudo mais que fosse preciso. Até o médico dela passou a atender em casa, pra que ela não precisasse se deslocar dessa forma. Mas quando eu fiz dez anos, eles pararam de pagar a aposentadoria da minha avó do nada. Quando perguntei, disseram que as regras tinham mudado e ela não tinha mais direito a receber. E se ela quisesse, teria que recorrer na justiça. Pra isso, a gente teria que ir pra capital, pois só lá que dava pra resolver. Só que a gente não tinha dinheiro pra pagar advogado, nem pra ir pra capital. Além disso, minha avó já não tinha condições de viajar daquela forma. A gente teria que ir e voltar mais de uma vez, caso contrário teríamos que ficar por um tempo na capital, o que ficaria ainda mais inviável, já que a gente não tinha dinheiro. – Hyoga deu uma pausa, buscando energia pra continuar. – Eu decidi que não contaria nada disso pra minha avó. Sabia que se contasse, ela ia querer ir e resolver o problema. Eu tinha medo que ela piorasse e... – ele parou de novo, tentando evitar o choro. - ... eu não queria ficar sozinho. Eu tentei trabalhar pra ver se conseguia dinheiro pelo menos pra comprar os remédios da minha avó, porque com a comida eu podia tentar me virar com sobras. Mas como eu tinha só dez anos, ninguém quis me contratar. O máximo que eu conseguia eram uns bicos que me pagavam bem pouco. No fim das contas, não tendo escolha, tive que recorrer aos criminosos. Era o único lugar onde eu conseguiria dinheiro, independente da minha idade.
Hyoga ficou cabisbaixo, como se estivesse com vergonha do que fez. Compadeci-me do loirinho. Ele tinha dez aninhos na época. Realmente não tinha muito que pudesse fazer. Eu já me impressionava com a maturidade que ele teve ao assumir tudo. Ele poderia ter ido por outros caminhos mais egoístas como passar a roubar ou mesmo contar para avó para que ela se virasse, o que seria o mais provável que um garoto daquela idade fizesse. E mesmo que ele estivesse com medo de ficar sozinho, ainda assim sua atitude de tentar poupar a avó demonstrava uma maturidade, e até uma nobreza, que não se espera de uma criança de dez anos. Isso só reforçava o quanto aquele loirinho era especial. Claro que parte disso se dava a uma boa educação, com muito amor e carinho envolvidos, o que me levava a admirar tanto Natássia como a senhora Valéria. Mas isso não diminuía em nada o mérito de Hyoga. E isso só me fazia amar ainda mais aquele garoto!
- Deve ter sido muito difícil pra você, meu filho. – falei, afagando sua cabeça.
- Tenho vergonha do que fiz, mas não me arrependo. Foi o que deu pra fazer pra garantir minha sobrevivência e da minha avó.– ele ainda estava cabisbaixo.
- Já passou, meu filho. Não me agrada a ideia de você ter se envolvido com criminosos, mas não te julgo. Se não fosse por isso, talvez você não estivesse comigo hoje. E, pra falar a verdade, talvez isso fosse inevitável, de certa forma. Se você tivesse contado pra sua avó, talvez ela realmente não resistisse por muito tempo. E, sozinho, você acabaria nas mãos dos criminosos de qualquer forma. Sua atitude provavelmente deu sua avó mais alguns anos de vida. Só lamento que o preço pago tenha sido tão alto. – disse Camus.
- Hyoga ia acabar nas mãos do líder de um jeito ou de outro, senhor Camus. O líder já estava de olho no meu irmão. Não ia demorar até que ele mesmo o procurasse. – disse Isaak.
- Bom, independente do motivo, agora sabemos que vocês dois se envolveram nisso por conta de uma dívida. E, pelo que Isaak disse, acredito que apenas quitar a dívida não vai ser suficiente para livrá-los dessa situação. Estou certo, Isaak? – falei.
- Está sim. Não sei se no meu caso isso seria verdade. Dependendo da quantia de dinheiro, acho que eles até me liberariam. Se bem que depois que eu assumi algumas responsabilidades, o lucro dele aumentou. Enfim, Hyoga seria mais difícil, de qualquer forma. Ele tem potencial de dar muito dinheiro pros criminosos e ainda pode ser usado pra muitas coisas. A dívida de Hyoga tornou-se insignificante perto do valor que ele possui pro líder.
- Nesse caso, talvez seja melhor comunicar às autoridades. – disse Camus.
- Também não é uma boa ideia. – Isaak respondeu. – O líder, com certeza, está nos vigiando de alguma forma. Ele deve ter informantes atrás de mim e de Hyoga. Ele nos mataria antes mesmo de irmos até a polícia.
- Eu acredito que eu tenho uma solução pra isso, mas preciso saber um pouco mais sobre essa organização e esse líder. Você poderia me dizer algo sobre eles, Isaak? – perguntei.
- Tipo o que?
- O nome desse líder, como ele é, o tamanho da organização.
- Entendi. Bom, o nome dele é Nikolai Turgueniev. Ninguém sabe muito bem da vida pessoal dele antes de se tornar um criminoso. Tudo que se sabe é que desde que entrou na organização, ele cresceu muito rápido na hierarquia. Ele não é o criminoso mais violento que existe, ele é mais um sádico estrategista. Claro que ele não pensa nem duas vezes se precisar matar, mas ele gosta mais de tortura do que de assassinato.
- Tortura? – questionei, temeroso.
- É. Como eu disse ele é bem sádico e meio sadomasoquista também. Talvez mostrar seja mais fácil do que explicar.
Nesse momento, Isaak levantou e virou-se. Ele ergueu a blusa o suficiente para mostrar suas costas. Fiquei horrorizado! Estavam cheias de marcas de queimadura, que pareciam ter sido feitas por cigarro, além de outras cicatrizes que pareciam de chicote e vara. Camus desviou o olhar, cerrando os punhos e fechando os olhos. Eu entendia perfeitamente seu sentimento. A vontade que eu tive ao ver as costas de Isaak foi de ir atrás daquele maldito e fazer com ele dez vezes pior.
- Essas marcas foram feitas, em sua maioria, durante a relação sexual. – disse Isaak, abaixando a blusa e voltando a se sentar. – Outras foi castigo mesmo. Eu tive uma fase meio rebelde. Ele me espancou muito nessa época. Mas, de qualquer forma, ele sente muito prazer em humilhar e machucar os outros.
- Eu não sei o que dizer, Isaak. Sinto muito que tenha passado por isso. – foi tudo que consegui falar.
- Está tudo bem. Ele até que pegava leve comigo. Ele machuca menos quando é alguém que ele “gosta”, digamos assim.
- Você também passou por isso, Hyoga?- perguntei, chamando a atenção de meu marido para a resposta que viria.
- Hyoga se livrou disso. – Isaak respondeu. - Como ele é o mais caro e o mais bonito do lugar, Nikolai evitava deixar marcas nele. E também não permitia que os clientes o fizessem, afinal tinha outros que eram sadomasoquistas. Mas ele chegou a te espancar algumas poucas vezes, né maninho?
- Sim, mas ele sempre tomou cuidado pra não me machucar a ponto de deixar cicatrizes. Ele quebrava meus dedos ou meus braços. Acho que o máximo que ele fez foi trincar umas duas costelas. Eu tive que mentir pra minha avó muitas vezes por causa disso. Mas marca mesmo eu só tenho uma, que ele fez questão de fazer. – Hyoga ficou vermelho naquele momento, o que achei estranho.
- Ah! Aquela marca! Maldito sádico. – Isaak pareceu revoltado, o que me deixou curioso.
- Que marca ele fez em você, Hyoga? – perguntei, fazendo meu filho suspirar.
Hyoga levantou-se do meu colo. Ele virou-se de costas também e abaixou um pouco as calças, revelando uma marca na parte superior do glúteo direito. Era literalmente uma marca, como aquelas que fazem em gado pra demonstrar que eram propriedade de alguém. Tinha as iniciais “NT” e um círculo em volta. Não era pequena, mas dava pra esconder com a cueca. Aquilo fez meu sangue ferver! Quem aquele desgraçado pensava que era? Ele realmente tratava Hyoga como um objeto, como uma propriedade dele!
- Tem como tirar isso, Camye? – perguntei pro meu marido. Camus estava com os olhos escuros de ódio, o que me assustou por um momento. Ele respirou fundo antes de dizer algo.
- Dá pra suavizar, mas vai ficar a cicatriz, de qualquer forma. – ele respondeu, bem sério.
- Tá tudo bem. Eu não ligo pra isso, fica escondido mesmo. – disse Hyoga, um pouco sem graça.
- Mas eu ligo! – falei. – Você não é um objeto e nem propriedade de ninguém.
- Concordo com Milo. Podemos ver depois como retirar isso. Eu tenho alguns contatos de cirurgiões plásticos que podem me dar algumas dicas. Até mesmo para essas cicatrizes nas suas costas, Isaak.
- Vocês não precisam fazer nada disso. A gente já fica feliz só de vermos vocês se preocupando, né Hyoga? – Isaak falou, um pouco sem graça. Hyoga concordou com ele.
- Isso está fora de discussão, Isaak. Além disso, agora sou obrigado a fazer uma bateria de exames em vocês, pra ver se tudo que esse desgraçado fez não deixou alguma sequela. E também pra ver se não adquiriram alguma doença sexualmente transmissível. – disse Camus.
- E com relação ao desgraçado lá, não se preocupem. Eu acho que tenho a solução. Podem deixar comigo! – falei.
- Mas... – Isaak ainda tentou discutir.
- Não tem “mas”, Isaak. – Camus cortou na hora. – E digo mais; vocês dois estão proibidos de lidar com esse assunto sozinhos. Milo e eu vamos cuidar de tudo. Por isso, se acontecer alguma coisa, você devem vir nos avisar. Principalmente você, Isaak! Acredito que esses criminosos estejam em contato mais próximo com você do que com Hyoga. Se qualquer um te procurar ou entrar em contato com você, é pra vir nos avisar. Fui claro? – Camus falava firme.
Isaak não respondeu. Ele olhou pra Hyoga, que apenas suspirou e balançou a cabeça em negativa. O jeito como eles se olhavam parecia até que estavam se comunicando por telepatia. Pelo visto, teríamos que ficar de olho naqueles dois, principalmente em Isaak.
- Perguntei se fui claro! – Camus reafirmou.
- Não concordo com isso! Se eles desconfiarem que vocês estão tentando nos tirar da organização, eles virão atrás de vocês! – Isaak falou.
- Mas eles já viriam atrás de Hyoga de qualquer jeito, não é? – questionei. Isaak ficou em silêncio e achei aquilo estranho. – O que raios vocês dois estavam planejando fazer? – eles ficaram calados.
- Não te entendo, Isaak. Não foi você quem me disse que Milo e eu conseguiríamos proteger Hyoga? Por que está hesitando agora? – Camus perguntou, erguendo uma das sobrancelhas.
- Como é? – foi a vez de Hyoga se manifestar, em tom de revolta. – O que você estava querendo com isso, Isaak? – meu filho esbravejou, fazendo meu outro filho suspirar.
- Desculpa, maninho. Eu não esperava que seus pais fossem querer me adotar. De fato, se fosse apenas você, talvez eu conseguisse encontrar uma forma daquele crápula te deixar em paz. Mas se for nós dois, é capaz dele realmente querer nos tirar daqui à força.
- Mas o que você ia fazer? Ia me deixar aqui e assumir a culpa? Você sabe o que ele faria se você voltasse sem mim! – Hyoga continuava revoltado.
- Ele não me mataria! Pelo menos eu encontraria uma forma de convencê-lo, sei lá. Talvez me espancasse, mas nada que eu já não esteja acostumado! Eu disse que te ajudaria! Apenas queria manter minha promessa!
- Não é justo! Você disse que a gente ia fugir juntos! – nesse momento, Hyoga colocou as mãos na boca, como se tivesse falado demais.
- Como é que é? – Camus levantou-se, um pouco alterado.
- Fodeu. – Isaak soltou.
- Olha a boca, mocinho! – Camus chamou a atenção do mais velho.
Eu tive que segurar pra não rir, porque a situação era séria. Então era isso que eles estavam tramando? Tudo parecia se encaixar agora. O fato de Hyoga estar evitando aprofundar laços era porque ele já planejava fugir desde o início. Admirava-me que ele fosse capaz de deixar a senhora Valéria para trás, mas ele provavelmente acreditava que ela estaria segura com Camus. De qualquer forma, fiquei impressionado com o quão determinado Hyoga estava disposto a ir para nos proteger. Mas ele também estava sendo muito ingênuo de pensar que não iríamos atrás dele. Ou será que ele imaginava e estava planejando outra coisa, além de fugir? Isso não parecia bom! Do jeito que ele estava, era bem capaz de cometer uma loucura.
Levantei-me e fui até Camus, que passava as mãos pelos cabelos, bem nervoso. Coloquei a mão em seu ombro, tentando lhe transmitir um pouco de calma. Ele respirou fundo e voltou-se para os meninos.
- Vocês perderam a razão se acham que vão colocar um pé pra fora dessa casa! Vocês não me testem! Façam isso e vejam se não sou capaz de arrastá-los de volta pelas orelhas! – Camus falava bem firme.
- Vocês não precisam se sacrificar dessa forma, meninos. Acreditem, nós vamos dar um jeito em tudo. – falei.
- Não sei como. Eles não são criminosos amadores. Eles são uma organização internacional de tráfico humano. O que vocês acham que podem fazer? – Isaak falava.
- E o que raios VOCÊ acha que vai fazer? – Camus continuava alterado.
- Eu ia matar aquele desgraçado! Assim, nenhum de vocês precisaria sujar as mãos! – Isaak também alterou-se.
Camus e eu nos entreolhamos. Será que...
- E você já matou alguém na sua vida, por acaso? – perguntei.
- Bem... – ele ficou sem graça. - ... não, mas de todos aqui, eu sou o único que poderia fazê-lo. Eu já me envolvi demais, então... – ele não continuou.
- Isaak, você diz que já se envolveu demais, mas o que você falou que faz está muito distante de algo como matar alguém. Até que ponto você se envolveu? Que tipo de crimes você já cometeu? – insisti.
- O máximo que ele fez foi roubar de alguns clientes. – disse Hyoga.
Nesse momento eu não me aguentei, acabei soltando uma risada. Aquilo foi tão ingênuo que chegava a ser fofo.
- Qual é a graça? – Isaak falou, completamente vermelho.
- Desculpa, não queria rir. Mas se esse foi o seu maior crime, então estamos empatados. – os dois olharam pra mim, surpresos. – Eu disse pra vocês que morei na rua quando era criança. Eu furtei muito nessa época. Eu roubava mais comida do que dinheiro e posses, mas cheguei a furtar algumas carteiras. Francamente, Isaak, você não é nenhum criminoso sujo. Pra falar a verdade, você é um garoto muito bonzinho. – sentei-me ao seu lado. – Por exemplo, você não precisava usar aqueles dois, como se fossem seus pais, pra nos enganar. Você só fez isso para ajudá-los a se livrarem das dívidas, não é? – Isaak ficou ainda mais vermelho, se é que era possível. – Você não me engana! Tenho certeza de que as funções que você tem na organização hoje é só para que você consiga evitar que os criminosos e outros desgraçados possam machucar ou fazer maldades com os garotos e mulheres lá. Estou errado? – Isaak bagunçou os próprios cabelos, em sinal de nervosismo.
- Que saco você! É isso mesmo, tá legal? – ele falava, com o rosto virado para outro lado e os braços cruzados, como se estivesse emburrado. – Mesmo assim, se eu fizesse algo desse tipo, faria mais sentido. Eles iam acreditar que eu apenas estava querendo tomar o controle. Disputa de poder é bem comum na organização, então ninguém ia suspeitar muito. Aí eu poderia livrar o Hyoga.
- Seu plano tem tantas falhas que fica até difícil de argumentar. Supondo que você conseguisse, o que faria depois? Realmente assumiria o papel de líder e se tornaria um criminoso de fato? Além disso, você acha que todos seriam fiéis a você logo de cara? E se aparecesse oposição e eles quisessem te matar? – eram perguntas retóricas, mas ele entendeu meu ponto. – Isso supondo que você realmente conseguisse matar o cara. Você fala em matar como se fosse fácil. – falei.
- Eles fazem parecer bem fácil. – ele respondeu.
- Mas não é. Não pra alguém como você. Porque, diferente deles, você tem bom caráter, você tem senso moral e ético, você tem boa índole. Se você hesitasse por um minuto sequer, ele poderia virar o jogo e acabar te matando. Entendam, meninos! Vocês são apenas adolescentes! Mesmo tendo vivido tudo que viveram, ainda existem muitas coisas que vocês precisam aprender. Vocês ainda têm muito o que amadurecer em diversos aspectos. É por isso que Camus e eu queremos protegê-los, porque essas ideias que vocês têm, por mais nobres que sejam, podem ter consequências terríveis. E, sinceramente, não estamos dispostos a arriscar perder vocês dois.
- Mas vocês também não têm garantias de que podem lidar com a situação sem que vocês mesmos se arrisquem. – Isaak insistia.
- Eu tenho meus meios, não se preocupe. Nessas horas, ter dinheiro e influência tem suas vantagens. – falei, sorrindo confiante.
- Não sei de quem tenho mais medo. – ele falou, debochado, o que me fez rir de seu comentário. – O que você acha, Hyoga? – Hyoga estava cabisbaixo.
- Não me sinto confortável com isso. E se ele vier atrás de vocês? E se ele machucar vocês? E se ele chantagear vocês? Não! Não! Não! Eu não quero isso! Eu prefiro morrer!
Ouvi meu marido suspirando e vindo ao encontro de Hyoga.
- Hyoga, entenda uma coisa; nós somos seus pais! Estamos aqui para te proteger, independente se você gosta disso ou não! Eu sei que é difícil pra vocês, afinal, até então tiveram que enfrentar tudo por conta própria. Mas o mesmo medo que você tem que ele nos machuque ou faça coisas ruins conosco, nós também temos que eles façam com vocês. E, nas atuais circunstâncias, nós temos muito mais recursos e chances de proteger vocês do que o contrário. Estou pedindo para que nos deem uma chance de provar isso! Por favor, confie em nós!
Hyoga ficou calado, seus olhos estavam brilhando pelas lágrimas se acumulando novamente.
- Me perdoa, pai! Me perdoa por aparecer na sua vida com todos esses problemas! Eu não queria te envolver nisso! Eu... – ele não aguentou e começou a chorar de novo. Camus o abraçou carinhosamente.
- Está tudo bem, meu filho. Você não tem que me pedir perdão. Vai ficar tudo bem agora!
Fiquei olhando para aquela cena com o coração aquecido. Eu protegeria aquela família! Nem que eu tivesse que sujar as minhas mãos para isso!
Continua...
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Doce Fruto de um Passado Amargo
FanfictionCamus é um médico bem sucedido, casado com um famoso empresário. Mas nem sempre sua vida fora bela. No passado, Camus sofreu uma terrível desilusão amorosa. Anos depois ele descobre que todo o sofrimento teve um motivo. E essa descoberta lhe trazia...