POV Milo

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Eu estava me sentindo mal. Eu não consegui perceber a profundidade da dor de Hyoga. Eu era tão bom nesse tipo de coisa. Sempre me diziam o quanto eu era sensitivo, empático. Era uma das minhas qualidades mais perceptíveis e eu não consegui usá-la. Sentia-me inútil. Talvez eu estivesse exagerando, como sempre, mas nem vontade de comemorar os bons resultados eu tinha mais. Tudo que eu queria era entrar naquele quarto e consolar aquele garoto. Parecia tão estranho algo assim partir de mim. Eu não era de recusar uma comemoração. Ainda mais com meus melhores amigos. Kanon viera da Grécia apenas para festejarmos. Como eu poderia recusar algo assim por causa de um garoto que conhecera no dia anterior? Hyoga nem sequer estava pensando em me considerar como pai. Então por que me preocupar tanto? Eu sabia bem a resposta. Hyoga era a encarnação do meu sonho de paternidade. Ele era filho biológico do meu marido e eu não queria me sentir um intruso naquela relação. Eu também queria ser aceito. Mas não queria ser o marido do pai dele. Eu queria que ele também me visse como um pai. Talvez eu estivesse querendo demais, mas eu não conseguia evitar. Eu sabia que Camus, provavelmente, jamais adotaria uma criança. Ele não tinha desejo algum de ser pai. Eu queria respeitar a vontade dele, mas meu sonho sempre foi dar para alguém aquilo que eu nunca tive na vida, amor paterno. Meus pais me abandonaram quando eu ainda era um menininho. Morei alguns anos na rua, até encontrar um senhor já idoso que era muito solitário e perdera o filho em um acidente de carro. De algum modo que eu não sabia explicar, ele se afeiçoou a mim quando nos encontramos pela primeira vez. Foi estranho, porque eu tentei roubá-lo para comprar algo para comer. Ao invés de me entregar para a polícia ou algo assim, ele pagou um prato de comida para mim. Ele me ofereceu sua casa e disse que cuidaria de mim. Claro que aquilo era extremamente esquisito do meu ponto de vista, mas eu era um moleque de rua que não tinha dinheiro nem para comprar um buraco e cair morto dentro. Qualquer coisa que alguém me oferecesse era melhor do que a vida que eu levava. E assim eu comecei minha jornada. O senhorzinho me levou para casa, me alimentou, me matriculou em uma escola, cuidou de mim. Tínhamos uma boa relação, mas não era algo tão próximo assim. Ele era como um tio meio biruta. No início ele teve muita dificuldade comigo, já que eu não tive o mínimo de educação para saber me comportar. Mas depois as coisas foram se acertando e eu passei a respeitá-lo mais que tudo. E eu só cheguei aonde cheguei, porque um dia alguém teve uma ideia fora do comum e resolveu me dar uma chance. Eu era muito grato a ele. Claro que ele já havia falecido, mas o que ele fez por mim ficaria vivo para sempre. A questão toda é que, por mais grato que eu fosse, eu não tive o que mais precisava; o amor dos pais. Eu via as outras crianças abraçando o pai ou a mãe quando saíam da escola e sentia-me completamente rejeitado. E depois de ficar mais velho eu decidira que me tornaria pai de alguma forma e que eu daria ao meu filho todo o amor que eu não tive. Aquele era o meu sonho! E depois de várias discussões com Camus, finalmente eu conseguia ver o que eu sempre quis se tornar realidade. E eu não perderia aquela chance por nada!

Eu e Camus subimos para o quarto de Hyoga. Eu sentia a tensão de meu marido. Camus não era muito acostumado com demonstrações emocionais. Ele sempre ficava sem saber o que fazer. Muitos me disseram que eu era louco por estar com ele, mas eu achava charmoso o jeitão frívolo dele e todo aquele ar altivo que ele tinha. E quem o conhecia de maneira mais íntima sabia que ele não era um sem coração. Ele apenas demonstrava os sentimentos de uma maneira mais discreta. Por isso eu imaginava como devia ser difícil para ele, passar por toda aquela situação delicada, que envolvia muito mais sua capacidade em lidar com sentimentos do que sua razão. De qualquer forma eu sabia que Camus seria um pai excepcional. Mas não era hora de pensar naquilo. Hyoga precisava de nós.

Camus bateu na porta e a abriu devagar. Entramos no quarto e Hyoga estava jogado na cama, de barriga para cima com o braço por cima dos olhos. Eu e Camus nos entreolhamos preocupados. Eu havia sugerido que ele ficasse com nossos afilhados e Seiya, mas talvez não fosse a melhor ideia possível. Por mim eu enxotava aquele povo todo dali e ficava o resto do dia abraçado com aquele loirinho, apenas mimando ele. Mas Camus era educado demais para fazer algo daquele tipo e ele tinha razão. Por mais que Kanon, Saga e Aiolos fossem meus amigos, seria querer abusar muito que, após uma viagem da Grécia até ali, eu os expulsasse de nossa casa. Mesmo que eles fossem entender nosso lado, não seria justo. A única coisa em que pude pensar era em não deixar que Hyoga ficasse sozinho naquele momento. Ele precisava de algo para se distrair, pelo menor por enquanto. E eu acreditava que seria bom que ele se aproximasse mais de garotos da sua faixa etária. Até mesmo se acostumasse pelo menos com Ikki e Shun, que ele veria com mais frequência. Eu só torcia para que meu plano desse certo. De manhã ele parecia bem à vontade ao lado de Ikki. Eu esperava que continuasse assim.

Doce Fruto de um Passado AmargoOnde histórias criam vida. Descubra agora