POV Valéria/POV Hyoga

194 13 0
                                    

POV Valéria

Eu acordei extremamente descansada. Eu não dormia tão bem assim há meses. O remédio que o senhor Camus receitara realmente tinha sido muito bom. Mesmo que eu não tivesse muito tempo restando, pelo menos passaria melhor do que nos últimos anos até ali. Espreguicei e me levantei. Será que Hyoga tinha ficado bem? Eu dormi tanto que me esqueci de que meu neto não estava muito disposto a socializar. Se bem que no dia anterior, quando entrei no quarto do meu neto, ele parecia bem nos braços do pai. Eu esperava que aquele tivesse sido um primeiro passo para eles. De uma coisa eu tinha certeza; eu não partiria para junto de Natássia antes de ver o sonho dela se tornar realidade. Eu tinha que ver pai e filho se dando bem. Senão, como eu poderia encarar minha filha? Se ela não pôde viver para ver aquele momento, pelo menos eu viveria. O que me deixava mais aliviada era que o senhor Camus parecia ser uma excelente pessoa. Mesmo parecendo tão rígido, algo nele me dizia que eu poderia confiar que tudo ficaria bem. Eu esperava estar certa, pois eu sabia que Hyoga podia ser bem difícil quando ele queria. Igual à mãe.

Levantei-me e fui me arrumar. Nem sabia que horas eram. Estava um pouco ansiosa para ver meu neto. Algo me dizia que aquele dia era importante, mas eu não conseguia me lembrar do por que. Esperava que não fosse nada demais. Não me demorei a arrumar e saí do meu quarto, indo em direção da cozinha. Acreditava que o senhor Camus já estaria acordado, como no dia anterior. Desci as escadas lentamente. Eu realmente estava ficando muito velha para morar em uma casa com escadas. Parei um pouco, assim que terminei de descer, apenas para recuperar o fôlego. Quando olhei para frente, na direção da sala, fiquei surpresa ao ver meu neto e sua nova família dormindo juntos no sofá. Hyoga estava abraçado ao pai. Aquela cena fez meus olhos marejarem. Natássia deu a vida para que aquele momento acontecesse. Deu a vida. Deu a vida? Que dia era mesmo? Será que... Será? Levei a mão à boca, abismada. Como pude esquecer aquele dia? Pobrezinho do meu neto. Era por isso que ele estava tão cabisbaixo nos últimos dias. Nem mesmo encontrar com o pai o fizera feliz. Senti lágrimas caindo por minha face e de repente me senti fraca. Sentei na escada e fiquei soluçando de leve. Dez anos. Dez anos sem minha linda filha. Eu nem acreditava que ainda estava viva depois de tanto tempo. E pensar que eu viveria o suficiente para ver meu marido e minha doce filha morrerem. Aquilo parecia injusto. Eu também queria ir para junto deles. Queria deixar aquela vida tão sofrida e me juntar a quem eu tanto amava.

— Vó? – ouvi a voz do meu neto em tom preocupado. – Vó! O que foi?

Ele se levantou, acordando o senhor Camus. Senti-me culpada de estragar aquela cena tão bonita. Vi meu neto vindo em minha direção e me abraçar. Aquele garoto era exatamente como a mãe, carinhoso. Ele limpou minhas lágrimas e me olhou preocupado.

— Você lembrou, né? – ele me olhou triste e eu não consegui dizer nada.

Meu neto me abraçou bem forte, como se quisesse me amparar naquele momento. Eu me sentia extremamente inútil, afinal eu quem deveria consolar Hyoga. Embora eu considerasse Natássia como uma filha, nós não éramos parentes de fato. Porém, Hyoga era filho de Natássia. Hyoga vira Natássia morrendo. Ele é quem estava sofrendo mais. Infelizmente, eu não tinha forças para fazer nada. Eu mal conseguia suportar a minha dor de perda, quiçá oferecer apoio ao meu neto. Tudo que eu podia fazer era chorar, abraçada ao meu mais precioso tesouro, Hyoga.

Senhor Camus ficou parado atrás de Hyoga, como que sem saber o que fazer. Vi de soslaio que o senhor Milo estava começando a acordar. Eu não queria ter acordado todos eles. Eu sequer sabia o que tinha acontecido na noite anterior. Provavelmente acontecera algo, caso contrário, por que eles estariam dormindo na sala e não no quarto? Hyoga me soltou por um momento, apenas para olhar dentro de meus olhos. Senti meu coração se apertar. Desde quando Hyoga estava com aquelas olheiras? Seus olhos estavam vermelhos daquele jeito no dia anterior? Que tipo de avó eu era por não perceber algo assim? Pobrezinho do meu neto. Será que era por isso que ele estava abraçado ao pai? Quer dizer, não fazia muito sentido. Logo no dia que chegamos, ele declarou para todos o quanto era indiferente ao pai. Então, no dia seguinte, lá estava ele agarrado em meio ao abraço do senhor Camus. Eu realmente queria acreditar que eles poderiam estar se dando bem, mas também sabia que essa possibilidade era remota. De qualquer forma, a vulnerabilidade de meu neto poderia por acabar aproximando os dois e quem sabe não seria uma oportunidade para que pai e filho pudessem se entender melhor?!

Doce Fruto de um Passado AmargoOnde histórias criam vida. Descubra agora