Eu acordei com a minha cabeça rodando. Aquele chá que Camus me deu me apagou de um jeito absurdo. Confesso que não tinha uma noite de sono tão bem dormida assim em muito tempo. Olhei para a cama e vi que Hyoga ainda estava dormindo. Fiquei mais aliviado. Eu estava preocupado com Hyoga. Ele realmente estava mal. Muito mais do que nos outros anos. Mas fazia sentido. Não foi só mais um ano se lembrando da morte da mãe, ainda tinha a avó que estava doente e, logo agora que tinha acabado de conhecer o pai que tanto sonhara, se via obrigado a voltar para aquela vida horrível na Sibéria. Bem, talvez essa última não fosse acontecer do jeito que ele estava pensando. Eu ouvi toda a conversa do dia anterior e nós definitivamente não tínhamos muito tempo. Fiquei impressionado com o quanto eles conseguiram descobrir apenas analisando as ações e reações de Hyoga. Faltava algumas pontas, mas o bruto eles já sabiam. Qualquer conversa que tivessem com Hyoga seria apenas para confirmar toda aquela suposição. E não tinha nada que eu inventasse que poderia fazê-los acreditar no contrário. Se Hyoga realmente não queria envolver os pais, ele teria que fugir mesmo. O problema é para onde. Se ele voltasse pra Sibéria comigo, claro que seria o primeiro lugar onde os pais o procurariam. Mas não podíamos ir pra outro lugar, porque aquele idiota com certeza tinha informantes atrás de nós. Hyoga estava em um beco sem saídas e nem sabia disso. Provavelmente os pais dele descobririam tudo antes que a gente conseguisse fugir. Não que eu achasse isso ruim. Já tinha falado com Hyoga que seria muito melhor contar tudo e deixar que eles resolvessem. Embora, depois de conhecer os dois, eu entendia perfeitamente por que Hyoga queria protegê-los. Eu imaginava o quanto Camus estava chateado por saber o que aconteceu com o filho que sequer sabia da existência a dias atrás. Eu não podia dizer o que era isso, afinal eu não tive pais que me amassem. Mas eu conseguia ver nos olhos tanto de Camus quanto de Milo o quanto eles estavam preocupados com meu irmãozinho. Até comigo eles começaram a se preocupar. Fala sério! Por quê? Eles nem me conheciam direito. Ok, eu amava muito Hyoga e claro que eles perceberam o quanto eu me preocupo com ele. Mas isso não é motivo pra que se preocupem comigo também.
Como se não bastasse tudo que eles já sabiam sobre Hyoga e a preocupação que isso causou, meu irmãozinho me faz o favor de soltar aquela pergunta pro Milo na noite passada. Eu tinha certeza que Milo já desconfiava que eu estava mentindo sobre meus pais. Hyoga apenas deve ter reforçado sua desconfiança com aquela pergunta. De qualquer forma, independentemente disso, o que foi aquilo? Por acaso ele estava pensando em fazer alguma coisa sem mim? Ele queria enfrentar aquele cretino sem mim? Não! Ele não seria louco! Ele sabe muito bem que se fizesse algo assim, eu jamais o perdoaria! E ele ainda estava tentando garantir que eu ficaria bem com os pais dele? Tinha que ter um limite pro quanto Hyoga estaria disposto a se sacrificar. Não era possível! Eu sabia o quanto ele sentia culpa pelo que aconteceu com o meu olho e tudo, mas querer se sacrificar para que eu pudesse ter a vida que pertencia a ele por direito seria muito mais do que pagar qualquer espécie de dívida que ele achava que tinha para comigo. Eu tinha que falar isso claramente para ele! Se ele pensava que iria me enganar pra assumir tudo sozinho, ele devia estar realmente fora da realidade.
Sentei-me na cama e me espreguicei um pouco. Ainda estava pensando se contaria pro Hyoga que os pais dele já sabiam de praticamente tudo. Acredito que se eu contasse, Hyoga ia se desesperar e fazer algo precipitado e idiota. Eu tinha que pensar em alguma coisa. Estava marcado de encontrar com meus "pais" por volta da hora do almoço. Depois disso, Hyoga ficaria sozinho com os pais dele. E provavelmente eles exigiriam respostas o mais rápido possível. Seria difícil fugir com Hyoga até lá. Tinha que ser quando eles menos esperavam. Precisávamos de tempo pra conseguir escapar. Se eles desconfiassem rápido, conseguiriam nos pegar fácil. Além do que, eles conheciam Paris muito melhor que a gente. Não conseguiríamos nos esconder. Eu tinha que dar um jeito de comprar a passagem do Hyoga pra já fugirmos direto pro aeroporto, próximo da hora de embarque, sem que eles tivessem tempo de avisar autoridades ou qualquer coisa do tipo. Ah! Isso seria muito difícil. Até mesmo o canalha teria dificuldade de ajeitar isso. Embora eu soubesse que ele não desistiria de ter Hyoga de volta. Meu irmãozinho era o preferido dele. Além de dar um lucro absurdo; não tinha muitas pessoas bonitas como Hyoga naquela cidadezinha minúscula. Mas o tanto de velho tarado que tinha, não estava escrito. Tinha uns que eram clientes assíduos e faziam questão de deitar com Hyoga. Outros levavam os filhos pra que perdessem a virgindade. E o melhor pra isso, claro, seria com alguém que fosse atraente como Hyoga e com quem pudessem "brincar" depois que os filhos fizessem o que tinham que fazer. Eu fazia aquilo há mais tempo que Hyoga e consegui até certo respeito e preferência daqueles velhos nojentos. E no início, eu conseguia evitar que eles pegassem Hyoga. Mas eu não consegui proteger meu irmãozinho tanto quanto eu queria. Infelizmente, ele acabou caindo nas graças daqueles desgraçados e passou a ser o preferido. Eu até consegui manter alguns só comigo, mas o cretino empurrava Hyoga pra todos que ele sabia que pagariam melhor. E não demorou pra que Hyoga se tornasse o mais caro de todos. Isso só fez com que o canalha gostasse ainda mais dele. Como se não bastasse explorar meu irmãozinho, ele mesmo se declarava dono de Hyoga. O que de certa forma foi até melhor, pois ele selecionava muito bem com quem Hyoga se deitaria. Afinal, ele não queria que "estragassem" seu brinquedinho. E óbvio que foi ele o primeiro a tomar Hyoga. Aquele dia foi horrível! Como o cretino era um sádico de marca maior, ele o fez na frente de todos. Hyoga ficou calado o tempo todo, apenas deixava que lágrimas escorressem pela sua face. Seu olhar era vazio, como um corpo sem alma. Foi a primeira vez que senti vontade de matar aquele imbecil. Ele também foi meu primeiro, e na época eu era ainda mais novo que Hyoga, por volta de uns seis anos. Mas de alguma forma, comigo não parecia ter sido tão cruel como foi com meu irmãozinho. Afinal, eu nasci naquele meio. Desde muito novo eu tive contato com aquelas coisas. Hyoga não! Hyoga era um garotinho puro, sensível, completamente o oposto daquele ambiente sujo onde estávamos.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Doce Fruto de um Passado Amargo
FanfictionCamus é um médico bem sucedido, casado com um famoso empresário. Mas nem sempre sua vida fora bela. No passado, Camus sofreu uma terrível desilusão amorosa. Anos depois ele descobre que todo o sofrimento teve um motivo. E essa descoberta lhe trazia...