uma dinda para antonella

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Kelvin

Os alunos adoravam as sextas feiras pois era o dia de levar seu brinquedo favorito.
Senti meu coração quentinho ao ver Antonella entrando na sala, carregando em seus braços o unicórnio que eu a dei de presente.
Ramiro veio logo atrás, segurando a mochila dela.
– Tio Kelvin, olha só o que eu trouxe pro dia do brinquedo – falou segurando seu unicórnio acima da cabeça.
– Tô vendo, pelo visto você gostou do presente
– Muito! – ela pulou para mostrar intensidade ao "muito" – Vou mostrar para as minhas amigas, ta bom tio? – virou para Ramiro, que assentiu e observou a garotinha correndo para o fundo da sala.
Ramiro deu alguns passos para se aproximar de mim e ergueu a mochila.
Sem falar nada, peguei-a de sua mão, deixando meus dedos tocarem levemente os seus.
– Bom dia pra você – falou sem tirar os olhos de mim.
– Pra você também – respondi também hipnotizado e tirando forças do além para desviar o olhar, agindo como se eu não tivesse morrendo de vontade de beijar ele.
Coloquei a mochila de Antonella junto à sua mesa e observei Ramiro saindo da sala, sendo parado por uma mãe de algum aluno.
Me aproximei de forma despretensiosa da porta para escutar a conversa.
–... e eu acho muito fofo você com a sua filha – a mulher falou.
– Ela não é minha filha, é minha afilhada – respondeu simpático.
– E você não acha que ela tá precisando de uma dinda, não? – riu, se jogando levemente em cima dele para isso.
– Estou bem assim, mas obrigada pela conversa, eu tenho que ir – apontou para a porta, já se distanciando dela.
A ousadia da mulher foi tanta que ouvi Ramiro dar um quase grito assustado ao receber um tapinha na bunda. Que porra é essa?
– Tava sujo bem aí – ela riu, mostrando a mão que estava claramente limpa.
Apareci na porta da sala e ela sorriu cúmplice pra mim.
– Ambiente escolar, né? – ergui as sobrancelhas e ela se aproximou de mim como se fôssemos amigas íntimas.
– Tava puxando um assunto com o bonitão ali – apontou para Ramiro que andava rápido para fora da escola.
– Percebi
– Acho que agora que interagimos, posso começar a realmente investir, acho que ele gostou de mim
– Se você acredita... – murmurei para mim mesmo.
– Você sabe o nome da afilhada dele? Talvez possa usá-la como meio de me aproximar
A olhei assustado pelo plano e também por ela ter coragem de externalizar isso.
– Não sei – menti.
– É aquela lorinha bem ali, segurando o bichinho – espiou para dentro da sala, apontando para Antonella.
Segurei a porta, deixando apenas uma brecha para falar:
– Vou começar minha aula, tenha um bom dia e mantenha distância dos meus alunos
E propositalmente bati a porta em sua cara.
Uma hora dessas querendo usar uma criança? E pior, pra conquistar o Ramiro? Sem chances.

Na hora do lanche, enquanto eu comia minha salada de frutas na companhia de outros professores, a diretora se juntou à nós

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Na hora do lanche, enquanto eu comia minha salada de frutas na companhia de outros professores, a diretora se juntou à nós.
E em certo momento, Antonella passou correndo por nós, carregando nos braços o seu unicórnio.
Mas a pelúcia atrapalhou sua visão, fazendo com que ela tropeçasse e caísse. Por sorte, o unicórnio evitou que ela batesse o queixo no chão.
Quando ela começou a se levantar, já virando o lábio inferior em uma carinha de choro, corri até ela.
– Oi, meu amor. – a ajudei a se levantar – Ta tudo bem, você ta bem – afirmei.
Passei a mão em seu cabelo, arrumando e por seus braços, na tentativa de me certificar que não havia nada quebrado.
Diretora Gladys apareceu ao meu lado com o unicórnio em mãos e se abaixou.
– Toma aqui seu bichinho que caiu – estendeu para a garotinha, que o pegou e permaneceu calada, ainda com a carinha de choro.
A diretora, tentando contornar a situação, fez a pergunta de um milhão de dólares:
– Quem deu esse bichinho pra você? É lindo!
Meu coração quase pulou pela boca e não tive tempo de responder por cima, Antonella já estava com o dedinho apontando em minha direção.
Gladys me olhou com os olhos vermelhos. Infelizmente não era maconha, era raiva.
Sem perceber o clima tenso entre mim e a diretora, Antonella tocou seus joelhos e choramingou de dor.
Olhei para a região e vi que havia ralado um pouquinho.
Antonella começou a chorar baixinho e largou o unicórnio, me abraçando pelo pescoço.
E apesar de querer arrancar minha cabeça fora, a diretora devia dar atenção à aluna ferida primeiro.
– Vamos fazer um curativo nesse dodói – ela falou, tocando o braço de Antonella para que juntas fossem à enfermaria, mas a garotinha virou o rosto, deitando em meu ombro, e apertou mais seus braços ao redor de mim.
– Vamos, Antonella, eu vou com você – fiz carinho em seu cabelo macio e ela apenas assentiu.
Peguei o unicórnio caído no chão e me levantei com ela no colo.
Segui até a sala da enfermeira rezando vinte Ave Marias, e eu nem relogioso era.
A enfermeira recebeu Antonella com carinho e muito cuidado, conversando e passando confiança de que ficaria tudo bem.
– Kelvin, podemos ter uma palavrinha na minha sala, um segundinho?
Antes que eu pudesse responder, Antonella segurou minha mão e a apertou.
– Fica aqui comigo, tio Kelvin
Quase me joguei no chão e chorei, ela era a coisa mais fofa e adorável do mundo.
Diretora Gladys pareceu perceber que Antonella não queria que eu saísse de perto e se deu por vencida, pelo menos por enquanto.
Com um suspiro cansado, ela se dirigiu até a porta da enfermaria e avisou que iria ligar para Ramiro e o deixar a par do acontecido. Não era nada realmente grave e que precisasse que ela voltasse para casa.
Depois de uma rápida limpeza e ums remedinhos, a enfermeira colocou um curativo rosa escolhido pela garotinha, finalizando o atendimento.
– Como você foi uma garota muito corajosa, vai ganhar uma estrelinha! – a enfermeira anunciou, fazendo Antonella sorrir ao receber no dorso da mão um adesivo dourado em formato de estrela.
Saímos juntos da sala e Antonella segurou minha mão, caminhando ao meu lado, enquanto eu ainda segurava o unicórnio que causaria a possível próxima discórdia da minha vida.

Saímos juntos da sala e Antonella segurou minha mão, caminhando ao meu lado, enquanto eu ainda segurava o unicórnio que causaria a possível próxima discórdia da minha vida

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overnight (não revisada)Onde histórias criam vida. Descubra agora