regra idiota

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Kelvin

Dormir com Ramiro não era uma dificuldade, ele gostava de abraçar e fazer carinho em momentos aleatórios da noite. Mas dormir com Ramiro machucado era um pouco mais complicado.
A atenção era redobrada e eu acordava bastante durante a noite para me certificar de que não estava o machucando.
Mas o motivo por qual acordei essa noite foi outro.
A tempestade lá fora e o choro vindo do quarto de Antonella.
Fui o primeiro a me levantar para ver o que estava acontecendo.
Entrei o mais rapidamente no quarto de Antonella e me deparo com a garotinha sentada em sua cama, chorando muito, completamente apavorada.
Fui até ela, me sentando ao seu lado e trazendo seu corpo trêmulo de encontro ao meu.
– Ta tudo bem, ta tudo bem, meu amor – sussurrei para ela – eu tô aqui com você
Sua mãozinha gelada tocou a minha e eu beijei seus fios, tentando deixar o mais claro possível que ela não estava sozinha.
Comecei a cantarolar para tentar sobrepor os barulhos altos dos raios e trovões lá fora.
Ramiro entrou no quarto logo que senti ela adormecer em meus braços, mas ainda assim não parei de cantarolar baixinho e abraçá-la.
– Acordei com a chuva e você não tava na cama
– Ela teve outra vez...
Ramiro suspirou preocupado.
– Deixa eu.. – se aproximou na intenção de tomar Antonella nos braços.
– Não, pode ir dormir, eu fico aqui com ela
– Mas Kelvin...
– Ramiro, vai – ordenei, ainda que em sussurros.
Ele se deu por vencido e saiu do quarto, mas pude deixar de notar a expressão de frustração em seu rosto.
E foi ninando nando Antonella pela madrugada que também acabei pegando no sono e dormindo ali mesmo.
O sono estava tão gostoso que simplesmente esqueci que eu tinha um trabalho, acordando com Ramiro desesperado ao lado da cama.
– Kelvin, acorda, você ta muito atrasado
– Hã? – murmurei piscando os olhos.
– Já tá quase na hora da entrada dos alunos
– Meu Deus! – quase berrei, me levantando com pressa da cama – arruma a Antonella que eu vou me arrumar, compro café no caminho
Corri para tomar banho e me arrumar, fazendo tudo em tempo recorde, assim como Antonella com seu tio
Tanto que a garotinha ainda estava bastante sonolenta e dormiu no meu colo durante o caminho até a escola.
Eu sabia que o fato de chegar atrasado, e ainda por cima com Antonella, iria me render alguma surpresa nada boa. Só não esperava que essa surpresa estaria de braços cruzados na porta da sala dos professores.
– Bom dia, diretora Gladys – falei o mais simpático que pude.
– Bom dia, professor. Bom dia, Antonella
– Bom dia – a garotinha respondeu, bocejando em seguida.
– Antonella, meu amor, pode ir pra sua salinha, ta? – falei para ela, que assentiu e caminhou até a sala onde eram ministradas as aulas de sua turma.
– Isso são horas? – Gladys apontou para o próprio pulso.
– Desculpa diretora, tive um imprevisto com Antonella, ela acabou não se sentindo muito bem e...
– E o que você tem haver? Você é pai dela?
– Você sabe muito bem que ela não tem pai e nem mais. Aliás, tem pai sim, o Ramiro é pai dela
– Já entendi tudo – a diretora deu uma risada amarga – ta bom, Kelvin, vai pra sua nova turma. Mas não quero você perto da Antonella hoje, quero ver essa dedicação toda com os outros alunos
– O que você ta querendo dizer?
– Não quero você falando com a Antonella, não quero você perto dela, não quero
– Você não pode fazer isso, Gladys
– Posso! Você é professor do segundo ano, não dá Antonella. Portanto, dê atenção aos seus alunos – apontou o indicador para mim – estou de olho em você
Antes que eu pudesse abrir a boca para responder, ela saiu andando, me deixando apenas com meu ódio.
Decidi fingir que não havia acontecido nada pela manhã, assim foi melhor para me concentrar em conhecer meus novos alunos.
Na hora do lanche, Antonella correu animada até mim, já preparada para ocupar a cadeira ao meu lado e eu sorri.
Mas sei lá como, Gladys se materializou ao meu lado, me olhando séria.
– Meu amor, é melhor você sentar com suas coleguinhas ali na mesa, ta bom? – tentei soar o mais carinhoso possível.
– Por quê? – sua boca se curvou para baixo, em uma expressão tristinha.
– É melhor...
– Você não quer mais ser meu professor e nem meu amigo – ela murmurou com a voz embargada e se retirou, indo até Menah.
– Olha só o que você fez, magoou os sentimentos dela – olhei sério para a diretora.
– Passa, isso passa
Era óbvio que não passaria, não simples assim.
E meu coração se partiu em mil quando, em uma apresentação de fantoches que estava tendo na programação da escola, Antonella correu para se sentar comigo no chão, esperando poder se aconchegar em meus braços.
Senti o olhar frio de Gladys me olhando. Eu odeio ela.
– Nella, por que você não senta ali com as meninas da sua turma? – apontei para um lugar vago logo ali na frente.
A garotinha me olhou sem entender, os olhos verdes marejados e o lábio inferior tremendo.
Sem deixar nada, ela me obedeceu, saindo de perto de mim e indo se sentar juntos aos outros alunos.
Mas nada no mundo tirou minha atenção dela e das lágrimas escorrendo em suas bochechas.
Tive vontade de pegá-la no colo e beijar seu rosto, dizer que amo e fazer sorrir.

overnight (não revisada)Onde histórias criam vida. Descubra agora