Kelvin
Os primeiros meses do ano passavam muito mais rápido quando se está viajando e mergulhado de cabeça no trabalho.
Sair de casas noturnas não tão cheias para shows de um cantor internacionalmente conhecido foi uma loucura.
Se minha rotina antes era cansativa, agora que estava abrindo os shows de Oddy King, estava cansativa o dobro. Porém, o retorno financeiro era incomparável.
Além de me apresentar para muito mais gente e alcançar públicos que talvez eu não alcançasse se ficasse só nas casas de show, eu também havia ganhado a visibilidade de marcas. Então agora a Star tinha patrocínios de marcas de laces, maquiagens e até uma stylist.
Parecia um sonho.
Eu estava tendo ajuda de uma equipe para colocar o microfone e os equipamentos que vinham acoplados na roupa e meu celular estava apoiado na penteadeira.
Nele, uma Antonella gigante sorria para mim e falava sobre como havia sido seu dia na escola.
— Sabia que minha professora te conhece, papai?
— Sério, amor? Que legal
— É, ela perguntou de mim se eu era filha da Star e eu falei que sim — respondeu toda orgulhosa.
— É a melhor filha do mundo — joguei um beijinho pra ela, que sorriu toda boba.
Alisei meu vestidinho azul que combinava com os laços azuis que complementavam o penteado na lace de fios castanhos.
— Amor? — Ramiro chamou, se intrometendo na chamada.
— Tô aqui — acenei para ele.
— Filha, cobre os ouvidos — ele pediu para Antonella e a garota botou as mãos nas orelhas. Se aproximando do celular, Ramiro finalmente fala: — Você ta um tesão
— Ramiro!! — arregalo os olhos.
— A Antonella não escutou
— A Antonella não, mas a o camarim com um monte de gente da equipe ouviu
Pude ver Ramiro entrando em pânico do outro lado da tela e segurei a risada.
— Cambio, desligo — foi a última coisa que ele falou antes de desligar e eu não consegui segurar a risada que parecia ter vindo do fundo da alma, assim como o resto da equipe que estava comigo no camarim.
— Gente, desculpa, ele é assim mesmo — falei tentando me segurar, bebendo até um gole d'água.
Peguei o celular e mandei um áudio avisando Antonella que eu ligaria depois e poderíamos conversar melhor.
Depois de microfonado, dei uma última checada na maquiagem, garantindo que não iria derreter no meio do show.
Reparo quando Frank entra no cômodo, cumprimentando todos de uma vez.
— Star, posso falar com você? — ele chamou e eu estranhei.
Depois que passei a abrir os shows de Oddy, Frank já não me acompanhava mais tão de perto, estando presente apenas em decisões maiores e mais importantes.
Deixei o pincel de maquiagem de volta na penteadeira e me aproximei dele, estranhando a conversa naquele momento.
— Tá tudo bem? — perguntei.
— Tudo ótimo e com você?
— Tudo perfeito — assenti.
— Então, o assunto era sobre uma reunião que tivemos faz uns dias — franzi a testa tentando lembrar qual das reuniões ele se referia — Sobre sua música...
— Ah sim, eu lembro sim
— Falei que ia analisar sua proposta, seus números e tudo mais. Eu me juntei com o pessoal e eles estão interessados em ler a letra das músicas que você falou que tinha
— É sério? — perguntei animado.
— É sério — ele respondeu, monótono como sempre — Você tem elas aí?
— Tenho todas — caminhei rapidamente até onde estava meu celular, dando uma corridinha de volta até Frank e mostrando os arquivos com letras e melodias que eu tinha guardado.
— Tá bom — ele olhou rapidamente — Me envia todo esse material, tudinho. Eu vou levar pro pessoal e te retorno assim que possível. De qualquer forma, eles estão bem interessados em gravar algo com você, seja autoral ou não
Apertei forte o celular em minhas mãos, tentando controlar a euforia.
— Eu vou adorar
— Tá bom — ele deu um rápido toque em meu ombro como uma despedida — Vou indo ver o Oddy, qualquer problema pode me chamar, ta?
Concordei, voltando para onde eu estava antes, comemorando baixinho comigo mesmo.Tudo estava indo exatamente como o planejado e não demorou muito para Frank me retornar sobre a música.
De todas que mandei, a escolhida foi "Te Esquecer", música que eu já tinha guardada comigo há muito tempo.
Por sorte, o período que marcamos para que eu fosse ao estúdio gravar, eu estava em casa e não pude deixar de levar Antonella comigo.
— Papai, tô animada — ela falou do banco de trás e eu a olhei.
— Tá mesmo? Eu também, sabia?
— Eu gosto da sua voz
— Obrigado, meu amor — estiquei a mão para ela, fazendo um carinho em seu joelho — Tô feliz que vocês estão indo comigo
Olhei para Ramiro concentrado no trânsito e pude ver quando ele sorriu.
— O seu trabalho é muito legal, os meus amiguinhos da escola gostam de você, pelo menos um monte deles gostam, menos aquela chata...
Franzi a testa. Antonella não era de falar assim de ninguém da escola.
— Quem, filha?
— A Vivi. Ela é uma chata que fica falando que você não pode ser meu pai porque a família só tem um pai e uma mãe. Ela também fica falando que você não pode ser a Star porque homem não pode vestir roupa de mulher
— Que chata — concordei — E o que você falou pra ela?
— Nada, eu derrubei o lanche dela no recreio
Cobri a boca com a mão, evitando dar risada da atitude, apesar de ter achado divertido.
— Filha, mas você não pode fazer isso com seus colegas — Ramiro falou.
— Mas papai, ela falou bobagens
— É verdade, ela falou bobagens mesmo, mas quando isso acontecer, você precisa avisar a professora e caso a professora não resolva, você precisa falar com a gente — foi minha vez de intervir.
— Me desculpa, papai — ela mostrou um biquinho.
— Tá tudo bem, só não faz isso outra vez, tá bom?
— Tá bom
— Bater nas pessoas, xingar, derrubar o lanche... nada disso é correto e mesmo que a pessoa tenha dito uma grande besteira, o certo a se fazer é contar para algum responsável — olhei para ela, que desviou o olhar do meu e fez a carinha de arrependida que me derretia todo.
— Você já tentou conversar com essa Vivi? — Ramiro perguntou.
Tão pacífico esse meu marido.
— Não — Antonella cruzou os braços.
— Que tal tentar? Talvez essa Vivi tenha visto em algum lugar que uma família só pode ter mãe e pai, talvez ela só não saiba...
— Mas papai, porque ela acha errado? O que tem errado?
— Não tem nada errado, filha. Pode ser que os pais dela tenham ensinado ela assim, ela é uma criança ainda, assim como você — falei.
— Os pais dela são loucos?
Mordi forte o lábio inferior e Ramiro forçou uma tosse tentando não rir.
— Antonella, você não pode falar assim das pessoas — tentei soar sério.
— Desculpa, foi só uma pergunta — ela deu de ombros e eu agradeci aos céus por estarmos chegando no prédio da gravadora.
— Depois a gente conversa direito sobre isso, tá? Agora temos que ir — avisei já tirando o cinto de segurança para descer do carro e tirá-la da cadeirinha.
— Sabe o que também estamos fazendo na escola? — ela perguntou enquanto caminhávamos até a recepção.
— O que? — perguntei segurando a mão dela.
— Apresentação de dia dos pais! — ela deu um mini pulo de empolgação.
— Jura? Ai, eu quero saber depois
— Não, não. Vai ser surpresa, vocês dois só vão saber no dia da apresentação — negou com o dedinho, parecendo uma garota crescida.
— Ah, eu vou ficar muito curioso até lá — fiz um biquinho.
— Você aguenta, papai — ela sorriu dando um tapinha na minha mão como consolo e Ramiro me olhou, rindo da atitude da garotinha.
Olhei para ele boquiaberto e Ramiro falou:
— Ela é igualzinha à você
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overnight (não revisada)
RomanceRamiro tenta enfrentar o furacão que é sua afilhada Antonella e conciliar a vida de pai com a vida amorosa, que não vai nada bem. Até que, em uma visita ao bar que costuma frequentar, Ramiro tem uma bela surpresa: Kelvin, o professor da garotinha.