Kelvin
Dei mais uma voltinha animado, me olhando no espelho.
— Eu fico bem de vermelho, realmente — me elogiei e Ramiro deu risada — O que foi?
— Nada, é que você fica uma gracinha animado assim
Me aproximei dele, ajudando-o a fechar seu macacão natalino na cor verde.
— Ah, eu sempre sonhei em viver cenários de filme assim, mesmo que seja bem bobo — dei de ombros — Nunca tive uma família presente pra viver essas coisas
— Eu sei, ta a coisa mais fofinha, de verdade — ele se virou para mim, me dando um beijinho.
— Ta chovendo, é dezembro, ta frio, temos uma árvore pra decorar, biscoitos no forno e chocolate quente. O que poderia ser mais perfeito?
— Falar em biscoitos, vou dar uma olhada neles pra não queimar — Ramiro calçou as pantufas de Grinch que comprei para ele, caminhando até a cozinha.
Saltitei até o quarto de Antonella, vendo a garotinha pegando seu karaokê portátil.
— Oii — sorri, parado na porta.
— Oi papai — ela colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha — A gente pode cantar no karaokê hoje?
— Claro, você quer cantar alguma música específica?
— Taylor Swift — sorriu.
Era óbvio que ela cantaria Taylor.
— Perfeito, então. Cantamos nós dois — apontei para nós.
Ela estava em seu macacão fofo com desenhos de bonecos de neve, papai noel e árvores de natal.
Enquanto ela procurava um par perdido dos microfones do karaokê, olhei todo o seu quarto, passando mentalmente uma lista do que ainda faltava para a decoração.
Antonella era uma criança muito criativa, costumava colocar sua personalidade nas coisas como suas roupas e agora na nova decoração de seu quarto.
Na casa nova, o quarto era bem maior que o do antigo apartamento, dando-lhe espaço até para um pequeno closet. Nem preciso dizer que ela amou.
O filme "Barbie: Moda e Magia" foi o ponto de partida para a decoração do quarto, trazendo um toque muito sutil das diversas coisas que Antonella era apaixonada.
— Papai, acho que eu perdi meu microfone
— Deve ter perdido na mudança, filha — entrei no quarto, ajudando-a a procurar por debaixo de alguns móveis.
Tentei lembrar se havia visto onde o brinquedo havia sido colocado e onde estaria nesse momento.
— Nada aqui — falou desanimada depois de procurar em uma metade do quarto.
— Aqui também não — neguei após verificar todos os armários da mini cozinha de brinquedo — Que tal a gente fazer assim: você canta no microfone e eu faço só a segunda voz? Você que é a protagonista mesmo
Ela assentiu, com um sorrisinho no rosto.
— Ta bom
Levantei, pegando-a no colo.
— Seu pai deve ter tirado os biscoitos do forno já, o cheirinho ta bom
— Vamos decorar?
— Com certeza — saí do quarto com ela, andando pelo corredor que levava à cozinha.
— Papai, posso fazer uma pergunta?
— Quantas você quiser
— O que é protagonista?
Não consegui conter a risada.As atividades de natal em família já haviam virado uma tradição semanal.
Não que precisassem marcar de passar um tempo juntos, mas fazer algo relacionado ao natal aos sábados se tornou algo muito comum na casa da família Santana Neves.
De jogos natalinos à filmes sobre aquela mágica época do ano, os três terminavam o dia agarradinhos no sofá, aproveitando cada segundo que tinham juntos.
Geralmente dormiam nos primeiros minutos de filme, mas o importante era que estavam unidos, como uma família de verdade. E ninguém poderia tirar aquilo deles.
Exceto por aquela mensagem recebida no celular de Kelvin.
O homem pegou o aparelho, estranhando Rodrigo mandar mensagem àquela hora de um sábado.
Sentiu o coração disparar à cada mensagem que lia.Kelvin
"Kelvin, prepara as coisas da Antonella, vão precisar levá-la."
"Os La Selva venceram a ação que era contra a adoção dela. Pela lei, a partir de agora, vocês não são mais nada dela."
"Estão passando pra buscar ela ainda hoje."
"Perdão, queria poder fazer algo, mas você sabe como são os La Selva... fiz tudo o que estava ao meu alcance."
"Sinto muito, Kelvin e Ramiro"
Não respondi, apertei no ícone de chamadas e liguei para Rodrigo.
Aquilo não poderia ser real. Não agora que estava tudo perfeito, tudo estava em seu devido lugar.
A ligação chamou, mas ninguém atendeu.
Liguei novamente. Eu não iria desistir de falar com Rodrigo, ele devia uma explicação melhor do que só as desculpas.
A campainha tocou.
Tremi dos pés a cabeça e olhei para Antonella dormindo no sofá.
— Ramiro! — o procurei, olhando ao redor e me desesperando mais ainda ao não encontrá-lo — Ramiro!
Campainha novamente.
Olho para Antonella no sofá e corro até a cozinha, procurando meu marido.
Vendo que ele não estava lá, volto para a sala e sinto uma dor física enorme ao dar de cara com Antonella no colo de Ramiro, chorando muito e segurando forte o pescoço do pai, enquanto meu marido a entrega para um homem desconhecido.
Os olhinhos da garotinha encontram os meus e me sinto sendo esmagado pelo desespero visível nas íris verdes.
Seu braço esticava em minha direção e os gritos de "não!" jamais sairiam da minha mente.
Caminho o mais rápido possível até ela, tentando alcançá-la, mas parece que nunca vou chegar.
O caminho de onde estou até a porta não é tão longo, por que não consigo pegá-la? Quero segurar sua mão e impedir que qualquer pessoa a tire de mim.
Quando me aproximo, já é tarde demais.
Ramiro está parado como estátua ao meu lado e me vejo socando seu peito, inflamando de raiva por ele tê-la deixado ir.
O ar falta aos meus pulmões e eu sinto que vou desmaiar. Tudo escurece e a sensação de que estou caindo de um lugar muito alto me faz sobressaltar.
Abro os olhos.
Foi tudo um sonho.
Antonella está dormindo tranquila, seu corpo cobre o corpo de Ramiro, que também está dormindo e sei que vai acordar com o pescoço doendo, se continuar naquela posição.
Olho para a porta e contemplo o silêncio.
Levanto para espiar na janela e sinto um alívio gigante ao não ver ninguém do lado de fora. Aproveito para fechar melhor a cortina, como se aquilo fosse alguma garantia de segurança.
Procuro por mensagens de Rodrigo no celular e sorrio ao ver que a única coisa que recebi dele foi um meme sem graça, mas que naquele momento foi o motivo do meu sorriso.
— Ta namorado aí, é? – Ramiro sussurra rouco.
— Hã?
— Ta sorrindo pro celular, deve estar namorando
— Besta — rindo, deixo o celular de volta no braço do sofá e vou até ele — Vou levar ela pra cama, você vai ficar com dor no pescoço deitado assim
— Ta doendo mesmo, mas é tão bom estar assim com ela — ele deixou um beijinho no cabelo de Antonella, tirando o cobertor que os cobria — Ela tá crescendo tão rápido
— Ta mesmo
Peguei a garotinha, ninando quando ela abriu os olhos por um segundo, para depois deitar em meu ombro e voltar a dormir.
Levei Antonella até o quarto enquanto Ramiro organizava a sala.
Depois de cobri-la e garantir que estivesse quentinha, deixei um beijinho na testa dela, sussurrando um "te amo" antes de apagar a luz e deixar o quarto.
Encontro meu marido só de cueca em nosso quarto e me jogo na cama fofinha, admirando o monumento com quem me casei.
Apesar do frio que estava essa noite, Ramiro não conseguia mudar o hábito que era dormir de cueca e eu, obviamente, não reclamava nem um pouco daquilo.
— Sabe o que eu tava pensando?
— O que? — perguntou ao se deitar debaixo das cobertas comigo, me puxando para si.
Coloquei uma de minhas pernas sobre as suas, usando seu peito como travesseiro.
— Não quero mais perder nada, a partir de agora
— Como assim?
— Parece que minha vida finalmente começou, sabe? Quero criar novas memórias, novas tradições, viver de verdade
— E onde exatamente você quer chegar com isso?
— Que tal a gente fazer o natal aqui em casa?
— Por mim, tudo bem. Acho que já mencionei que e eu a Antonella não tínhamos o costume de comemorar realmente o natal, né?
— Bom, agora nós vamos ter
— Gosto da ideia. Você me apresentou muita gente nova e com quem eu gostaria de compartilhar momentos assim
— Acho que vai ser bem legal
— Também acho. E a Antonella vai adorar, são coisas novas que ela ainda não viveu
— Como foi o natal dela com a mãe biológica?
— Pelo que eu me lembro, teve briga nesse dia, foi cada um pra um canto, mas a Nella era muito neném ainda, não entendia nada
— Ainda bem que ela veio parar com a gente
Ramiro assentiu.
— O que essa menina não ia sofrer na mão dos avós...
— Rams?
— Hum?
— Ninguém vai tirar ela da gente, né?
— Não, amor
— Promete?
— Prometo
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overnight (não revisada)
Roman d'amourRamiro tenta enfrentar o furacão que é sua afilhada Antonella e conciliar a vida de pai com a vida amorosa, que não vai nada bem. Até que, em uma visita ao bar que costuma frequentar, Ramiro tem uma bela surpresa: Kelvin, o professor da garotinha.