Kelvin
Meu coração estava batendo forte no peito.
Eu tomei a decisão de ir embora, eu fiz as malas correndo para embarcar no dia seguinte para a capital, eu que quis ir. Eu, por mim.
Mas nada disso me fazia sentir felicidade realmente. Para mim, era apenas uma viagem sem graça e sem amigos para acompanhar.
Olhei ao meu redor, as meninas do bar estavam todas aqui, Frank também. Aliás, que coisa mais esquisita viajar com esse cara, eu não o conheço direito.
Havia mandado mensagem para Luana avisando que estava indo viajar e gostaria de vê-la no aeroporto, mas não recebi nenhum retorno. Achei estranho, mas acho que ela decidiu escolher um "lado" e era óbvio que escolheria priorizar Ramiro.
Suspirei ansioso pela décima vez e enxuguei as mãos no moletom que eu estava vestindo. O dia estava frio, daqueles chuvosos, nublados e sem graça.
Olhei para Cândida e pude ver seus lábios sussurrando "ele está atrasado".
– Quem? – perguntei.
– Hã? – ela me olhou.
– Quem está atrasado?
– Ninguém, querido – ela sorriu, me fazendo carinho na bochecha.
– Eu ouvi você falando que "ele está atrasado"
– Eu não falei nada, você deve estar tão ansioso que está vendo coisas – ela riu.
Concordei com a cabeça, mas não acreditei nessa história.
Desde que decidi aceitar essa tal proposta de Frank, Cândida anda agindo esquisito e não para de repetir sobre eu precisar avaliar o que realmente está na balança quando se trata dessa decisão que tomei.
Pensei em falar que vi Ramiro com uma mulher, mas no que iria adiantar? Eu só iria ficar remoendo esse assunto por tempo indeterminado.
A voz angelical feminina anunciou o próximo vôo, liberando para embarcarmos e eu chequei em meus documentos.
– É o nosso – olhei para Frank, que olhava muito preocupado para Cândida.
– É sim. Temos... que ir – ele engoliu em seco.
Olhei para as meninas do Naitandei que estavam todas com uma expressão de espanto, olhando umas às outras, e até Berenice parecia sem saber o que fazer.
– Vocês não... não vão se despedir de mim? – perguntei baixinho, já me sentindo estranho.
– Claro... – Berenice falou, mas eu conhecia ela. Aquele não era seu tom de voz habitual, nem mesmo quando estava nervosa falava assim.
Minha amiga deu um passo para frente, insegura, e estendeu os braços.
Parecia ter esquecido de como se abraçava outro ser humano.
Me senti estranho entre seus braços rígidos e tentei amolecer ali, mas não tava rolando.
– Abraço em grupo? – tentei, estendendo os braços para os outros ao redor de mim.
Elas se olharam e negaram com a cabeça.
Me afastei de Berenice e seu abraço mecânico.
– Não?
Agora eu já estava realmente magoado. Por que agiam assim?
– Eu prefiro me despedir individualmente, coisa da minha cultura – Graciara falou.
– Então... então se despede, Graci – estendi os braços, implorando para que alguém me pedisse pra ficar.
Só um "por favor" e eu largaria tudo.
Ela veio também insegura para me abraçar, fazendo o abraço durar mais do que o habitual.
– Graciara, já ta bom... – tentei empurrá-la.
– Não, segundo meu povo, o abraço precisa durar três minutos completos para não dar azar
– Tem alguém contando? – perguntei, olhando para as pessoas ao meu redor e todos negaram – Ta, mas acho que já até passou de três minutos – relutei até sair de seus braços.
– Agora temos que cantar o hino do meu país – ela botou a mão sobre o peito e eu a interrompi antes que ela começasse a cantoria.
– Não, não! Não precisa mesmo, obrigada pela intenção, mas acho que o abraço já foi sorte suficiente – toquei seu cotovelo – Mais alguém?
– Ô meu querido – Cândida se jogou em meus braços, me enlaçando com os seus – Você chegou tão jovem no meu bar, parecendo um passarinho assustado e agora está pronto pra voar
Franzi a testa. Cândida não falava assim.
– Espera aí – afastei Gloriosa de mim – Vocês estão muito estranhas e acho que já saquei tudo – apontei para todos que me olhavam com os olhos arregalados – Vocês ficaram chateados que eu decidi ir embora e estão com medo de eu nunca voltar ou esquecer vocês, é isso!
Todos reagiram da mesma forma, da mesma maneira mecânica e bem ali eu soube que era mentira.
– É isso! – Iná falou.
– Era exatamente isso, a gente que não queria falar – Polerina sorriu como se eu tivesse descoberto o segredo do cofre de um rico.
– Gente... já entendi – falei sério – Vocês não querem se despedir, tudo bem, direito de vocês. Mas obrigada por virem, eu juro que volto – dei um sorrisinho murcho e olhei para Frank, o convidando com o olhar.
Dei meia volta, segurando as lágrimas para não desabar ali. Só iria chorar depois que estivesse no avião.
Caminhando devagar até o local de embarque, querendo chegar lá e nunca chegar ao mesmo tempo.
De repente, sinto um puxão forte em meu braço e protestei com a dor.
– Que isso?
Meus olhos encontraram os olhos de Ramiro e ali eu realmente vi urgência em que eu não fosse.
Ele não disse nada, mas seu olhar no meu gritava "por favor, fique".
– Você ta aqui – murmurei antes de me jogar sobre seu corpo, esquecendo até que ele estava com o braço machucado – Você ta aqui, você veio!
Me distanciei dele para segurar seu rosto entre minhas mãos e suspirei, quase desacreditado.
– Não vai embora – ele murmurou.
– Não vou, eu não vou
– Você é meu e da Antonella, fica com a gente
– Eu fico – murmurei já chorando.
– Meu Deus, eu ia te perder – ele falou como se só agora tivesse se dado conta disso – Você ia me deixar...
– Eu ia porque te vi... com outra pessoa
Ramiro me olhou como se eu tivesse dito a maior besteira do mundo.
– Quando? Eu não tenho outra pessoa, você é minha pessoa
– Ontem. Uma mulher com você e a Nella
Ele negou com a cabeça.
– Minha fisioterapeuta?
– Ah, ela é a sua... – engasguei de vergonha – eu não sabia
– Eu sei que não – Ramiro riu.
– Você veio se despedir? – perguntei, mesmo sabendo que ele não veio me dizer tchau.
Eu precisava que ele dissesse alto e claro.
– Eu vim fazer muitas coisas e uma dessas coisas foi pedir desculpas. Eu não fui bom pra você quando falei que você tava ignorando a Antonella de propósito e fui pior ainda quando te beijei na festa pra dizer que te perdoava. Eu só precisava ter pensado por dois minutos, mas eu fui um burro, Kelvin. Burro por não ter visto o cara maravilhoso que eu tinha do meu lado e ainda ter duvidado disso. Eu preciso que você me diga se me perdoa ou não
– Eu não tenho o que perdoar – neguei.
– Tem, tem sim – ele assentiu com veemência.
Botei a mão sobre seu peito, do lado esquerdo, sentindo seu coração.
– Eu não tô mais chateado com isso porque eu faria o mesmo se alguém ousasse fazer algo pra Antonella. Eu amo aquela menina, muito mesmo
– Ela também te ama muito
– Mas e você?
Ramiro me olhou e deu um sorrisinho.
Encostou nossas testas e murmuro para mim:
– Eu te amo muito, Kelvin Santana. Mais do que você possa medir, mais do que cabe de amor dentro do seu corpo. Eu te amo além dos limites do amor, te amo muito
– Me ama na mesma quantidade que eu te amo? – perguntei olhando para ele e enxergando tudo embaçado pelas lágrimas.
– Acho que a gente tem tempo pra brigar e decidir quem ama mais – respondeu, me fazendo rir.
Juntei nossos lábios em um beijo muito desesperado e cheio de saudades.
Eu não queria e nem precisava de mais nada.
Eu estava em casa.
Desfiz o beijo ao sentir meus amigos nos envolverem em um abraço em grupo e eu gritei com o susto.
– Ei, vocês todos me devem uma explicação!
– É, eu confesso que a gente deve – Berenice respondeu, dando risada.
– Você é uma péssima atriz, sua baranga – apontei para ela – Sorte a sua que eu vou passar os próximos dias amando ou te quebraria na porrada lá fora
– Vem na mão, ridículo – ela me puxou para um abraço, dessa vez de verdade, e murmurou só pra mim – É amor mesmo e dos mais lindos
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overnight (não revisada)
RomanceRamiro tenta enfrentar o furacão que é sua afilhada Antonella e conciliar a vida de pai com a vida amorosa, que não vai nada bem. Até que, em uma visita ao bar que costuma frequentar, Ramiro tem uma bela surpresa: Kelvin, o professor da garotinha.