Kelvin
Saí do apartamento de Ramiro bastante chateado. Evitei falar dos problemas que me aconteciam na escola para poupá-lo, já que parecia tão chateado com sua falta de mobilidade desde o acidente.
Mas, pelo visto, tentar não jogar meus problemas sobre ele, era o mesmo que enfiar tudo no meu cu.
E o pior, ele sequer pensou na possibilidade de um mal entendido, já veio me acusando e, porra... a gente sempre foi muito aberto um com outro, custava ele me ouvir por cinco minutos?
Estive pensando sobre nossa relação e obviamente enxergava que era muito mais do que só uma ficada boba. Eu não iria tentar essa conversa por enquanto, é claro. Ele tinha acabado de sofrer um acidente, tava todo esculhambado, não era o momento.
Mas confesso que passou pela minha cabeça, em um futuro próximo.
Futuro esse que não vai chegar. Se ele não confiou em mim e no meu amor pela Antonella, isso definitivamente não iria funcionar.
O foda é que eu estava morrendo de preocupação também. Mas não tenho sangue de barata e tenho o mínimo de amor próprio, eu não voltaria para lá.
Pedi um carro por aplicativo e o destino era apenas a minha segunda casa: o Naitandei.
Cheguei quando as meninas estavam limpando o salão e elas estranharam minha presença ali tão cedo e no meio da semana.
– Olha só quem vem aí – Polerina anunciou.
– Não esperava te ver tão cedo por aqui, mami – Graciara se apoiou na vassoura que usava para varrer o chão.
– Pois é, mas aqui estou eu
– Veio com notícia nova? Anúncio de casamento? – Flor sorriu, esperançosa. Podia ver em seus olhos a alma da menina romântica que sempre quis casar e acreditava em um amor que me parecia bastante impossível.
– Nem de namoro, nem de casamento, nem de nada – respondi desanimado.
– Você já almoçou? – Polerina perguntou e eu neguei com a cabeça.
– Nem tô com fome, sabia?
– Isso daí é coração partido – a voz de Cândida soou de algum canto da boate e logo ela surgiu em meu campo de visão – o amor é assim. Quando chega, a gente perde a fome e quando vai, perde também. Por isso eu digo: se querem emagrecer, se apaixonem – brincou, fazendo-nos rir.
– Não tem nada partido aqui não, Gloriosa
– Vem comigo? Nós vamos conversar – ela estendeu a mão e eu segurei, seguindo-a até seu quarto.
Depois de me servir um copo com alguma bebida que aceitei apenas por educação, nos sentamos no pequeno sofá disposto no cômodo e Cândida me olhou.
– Agora me fala, meu filho, o que aconteceu?
– Nada, Gloriosa...
– Nada... – ela riu – nada não foi, alguma coisa aconteceu
– Aconteceu, mas realmente não foi nada demais
– Você ta mentindo – levantou o indicador.
Suspirei. Ela não ia desistir mesmo.
– Eu e o Ramiro, a gente... sei lá, terminou? A gente nem tinha nada
– Se deixou você desse jeito – apontou para mim – alguma coisa tinha
– A gente só se pegava as vezes, acho que pra suprir a carência
– Uma das meninas comentou comigo que você tava na casa dele
– Eu tava, ele sofreu um acidente, né?
– Não, na casa de praia
– Ah, é verdade, eu passei um fim de semana com ele e Antonella na casa de praia
Cândida assentiu.
– Olha, eu conheço o Ramiro faz um tempinho, desde antes da Antonella. Ele comprou essa casa de praia justamente pra levar a garotinha dele, eu que encontrei aquele lugar pra ele, inclusive
– É uma casa linda
– Sabe quantas vezes o Ramiro foi naquele lugar acompanhado de mais alguém, além da garotinha?
– Não
– Uma vez – apontou para mim – e foi com você
– Ta, mas isso não significa muita coisa, convenhamos
– O Ramiro não aparece aqui faz umas semanas, Kelvin. O mesmo Ramiro que batia ponto aqui no Naitandei pra ficar com alguma das minhas meninas
– Sim, a gente transava, acho que é por isso que ele não vinha mais – dei de ombros.
Cândida começou a rir.
– Menino bobo, você não lê nas entrelinhas mesmo
– O que você quer dizer, hein? Não gosto de enigmas
– Kelvin, olha só um pouquinho pra dentro de você
– Eu tô fazendo isso
– E então?
– E então que eu tô chateado com o Ramiro
– Só isso?
– Só isso – assenti.
– Você é mesmo osso duro de roer
– Mas não tem mais nada pra ver, tivemos uma... nem foi uma briga, nem uma discussão
– Então foi o que? DR?
– Também não, eu só fui embora sem falar mais nada
– Não teve nem um diálogo?
– Ele começou já me acusando de coisas, eu me senti ofendido quando vi que ele pensava que eu era realmente capaz de maltratar a Antonella. Tipo, eu sou apaixonado naquela criança
Cândida assentiu.
– Você ama o Ramiro?
– Não – neguei com a cabeça.
– Não tem nenhum sentimento aí que pertença a ele?
– Acho que sim, mas não é amor. Eu sei que parece até esquisito falar assim, mas eu ainda não senti amor mesmo
– Vai pra casa e pensa um pouco, pensa com o coração, dessa vez – Cândida falou.
Dei uma risadinha.
– Você fala cada coisa
– É, eu falo, sou meio biruta mesmo. Mas faz isso que eu te falei, vai pra casa pensar um pouco
– Ta bom – dei de ombros.
– Mas é pra pensar mesmo
– Ta bom, eu vou pensar
E eu poderia muito bem ignorar o que ela falou, agindo de acordo com aquilo que eu achava melhor. Mas Cândida já havia me acolhido tanto e em momentos diferentes da vida, ela não me daria esse conselho atoa.
Cheguei na minha casa, olhando o quadro na sala, que Antonella tanto gostava.
Deixei os sapatos na sala, jogando minhas coisas no sofá e deitando no chão, olhando para o teto branco e sem graça do meu apartamento.
Fechei os olhos pensando nos acontecimentos e desejando me teletransportar de volta para os momentos bons.
Os risos, os almoços, as conversas, as brincadeiras...
Desde que conheci Antonella e Ramiro, eu não tenho deixado de sorrir. Cada segundo do meu dia foi tomado por eles e aquele sentimento que aquecia, acariciava por dentro.
Abri os olhos, sentindo solitárias gotas escorrendo no canto dos olhos. Enxuguei antes que rolassem até meus ouvidos, odiava chorar deitado.
– Eu gosto dele de verdade...
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overnight (não revisada)
RomanceRamiro tenta enfrentar o furacão que é sua afilhada Antonella e conciliar a vida de pai com a vida amorosa, que não vai nada bem. Até que, em uma visita ao bar que costuma frequentar, Ramiro tem uma bela surpresa: Kelvin, o professor da garotinha.