03

250 28 0
                                    


Quando a aula terminou, eu senti um misto de alívio e frustração devido à reflexão provocada pela conversa que tive com o professor

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

Quando a aula terminou, eu senti um misto de alívio e frustração devido à reflexão provocada pela conversa que tive com o professor. O tempo estava se esgotando, o ano letivo estava quase no fim, e eu ainda não tinha notas para apresentar meu TCC, o que era um grande problema. Sentia-me perdida, sem saber por onde começar.

Minha amiga e eu caminhávamos juntas com os nossos livros abraçados contra o peito, em direção à saída do prédio da faculdade. O corredor estava cheio de estudantes apressados, alguns entrando em salas de aula enquanto outros se apressavam para sair. O barulho dos passos, das vozes e das portas se fechando era ensurdecedor. Nós nos esquivamos habilidosamente dos outros alunos e encontramos o nosso caminho através da multidão, desviando de mochilas, livros e corpos.

Enquanto andávamos, comecei a contar para a minha amiga sobre a minha conversa com o professor. Bárbara era a minha melhor amiga desde que cheguei ao Brasil aos quinze anos. Nos conhecemos no ensino médio e resolvemos fazer faculdade juntas. Minha amiga também não pôde seguir com a carreira de pedagoga que queria. Ela amava crianças e queria se dedicar a isso, mas sua mãe controladora já havia feito planos mirabolantes para o seu futuro após o término de seus estudos na faculdade. Por isso, ela se inscreveu no curso de economia junto comigo, dizendo que se fosse para estragar o futuro com uma profissão que não queríamos, que deveríamos fazê-lo juntas. Por isso, nos identificávamos tanto. Éramos quase irmãs, uma compartilhava das dores da outra.

— Não sei, Barbie. Acho que vou reprovar e o Miguel vai comer meu fígado. E, acredite em mim, aquele cretino está sempre buscando motivos para me punir — desabafei, com um tom de revolta.

Bárbara, ou "Barbie", como eu a chamava carinhosamente, tinha uma postura delicada e gentil. Seus olhos castanhos claros eram arregalados, combinando perfeitamente com os traços finos de seu rosto. Seus lábios eram carnudos e seu nariz era pequeno, complementando sua aparência delicada. Ela costumava usar uma maquiagem leve, que realçava sua doçura e, ao mesmo tempo, lhe conferia uma expressão madura. Seu corpo era cheio de curvas, e mesmo com seu estilo reservado e suas roupas comportadas que ela usava na maioria das vezes, ela exalava uma sensualidade natural e atraente.

Eu costumava dizer que ela era quase a reencarnação da perfeição, além de vir de uma família muito rica, tinha inúmeros talentos; cantava bem; se expressava bem; era boa com crianças e muito inteligente. Ela sabia lidar com assuntos difíceis. Ela estava sempre pronta para ouvir os meus desabafos e me aconselhar, como uma verdadeira amiga.

Minha amiga apertou os livros contra o peito. Usava uma calça branca com rasgos nos joelhos e uma blusa de uma banda de rock, e por cima uma jaqueta. Roupas que provavelmente ela comprou escondida da mãe, pois assim como eu, ela também tinha sua vida controlada. Ela levantou a cabeça buscando o meu olhar.

— Por que não conta para ele a verdade? Diz que suas notas estão baixas, porque não se sente bem fazendo esse curso. Abre o jogo — a voz da minha amiga soou firme, enquanto ela me olhava com determinação.

Encarei os seus olhos castanhos claros quase verdes, tentando encontrar alguma coragem para fazer o que acabara de me sugerir.

— Ele não vai me ouvir, Barbie. É um bruto, ignorante — suspirei, frustrada. — Só sabe gritar comigo e dizer que sou uma irresponsável! Só vai prolongar o castigo.

 Minha amiga balançou a cabeça, compreensiva.

— Eu acho que você e o Miguel deveriam resolver isso logo. Vocês moram na mesma casa, não podem agir como se fossem inimigos para sempre. E, além disso, essa situação está claramente afetando os seus estudos — ela disse, com um tom de preocupação.

Eu senti a raiva borbulhar dentro de mim, o ressentimento acumulado em relação ao meu tutor explodindo em meu peito.

— É óbvio que não! Como é que alguém espera que eu consiga me concentrar nos estudos com um tutor tão controlador me vigiando o tempo todo? Já faz um mês que ele me impôs essa prisão domiciliar absurda e não me deixa nem um tostão sequer. Eu já passei da idade de ser tratada como uma criança e colocada de castigo! Isso é completamente absurdo e ultrapassado! — desabafei, deixando transparecer toda a minha frustração. 

Minha amiga, percebendo a intensidade do meu descontentamento, pousou sua mão sobre meu ombro num gesto solidário, transmitindo seu apoio sem precisar dizer uma palavra.

— Sei que é difícil, mas queira você ou não, ele é o seu tutor você não pode viver desacatando tudo o que ele diz, Ayara ou vão viver nessa briga sem fim — ela aconselhou, com uma voz suave.

Eu refleti sobre o que ela disse, lembrando das inúmeras brigas e discussões que tive com meu tutor desde que me mudei para sua casa. Nós estávamos sempre em pé de guerra, sem nenhum momento de paz. Eu sabia que aquela situação precisava de um basta, mas era orgulhosa demais para admitir. Não iria baixar a guarda para aquele cretino.

— Talvez você tenha razão... — murmurei, um pouco hesitante.

— Nossa, você deu sorte mesmo! Se o professor tivesse te mandado para detenção por causa daquela sua palhaçada na sala, o Miguel teria um ataque — disse minha amiga, soltando uma gargalhada. — Ayara, você não tem noção do perigo, hein? Sua coragem às vezes beira a loucura!

Encarei ela, fingindo estar indignada.

— Barbie, por favor, não venha com essa falsidade. Você e metade da sala de aula ficam suspirando pelo professor, eu só tive a coragem de dizer em voz alta o que todos pensam! Ele é um homem atraente, e com certeza não é novidade para ele ouvir esse tipo de comentário. Eu só disse a verdade!

Chegamos na saída da faculdade e atravessamos os portões.

— Sabe, essas verdades que você anda falando em alta voz, se caírem nos ouvidos errados, podem te colocar numa enrascada e tanto. Mas, mudando de assunto, quer uma carona? — propôs minha amiga, com um sorriso radiante que iluminava seu rosto, acenando em direção ao seu carro que estava convenientemente estacionado na esquina, pronto para nos levar para longe daquele tumulto.

Era um Mini Cooper rosa charmoso, adornado com cílios nos faróis que lhe davam uma expressão quase animada. Um adesivo delicado de uma flor enfeitava a janela traseira, e um simpático chaveiro de um ursinho pendia no retrovisor.

— Não posso, Barbie. Tenho que ir embora com o motorista, lembra?! — Respondi, com um tom de resignação.

Eu odiava depender do motorista para ir e vir, mas era uma das condições impostas pelo meu tutor. Diferente de mim, que fui reprovada três vezes na prova de direção da autoescola, minha amiga era uma excelente motorista. Ela podia dirigir o carro que sua avó lhe deu de presente quando completou dezoito anos, algo que ainda estava fora do meu alcance. Quando questionei meu tutor sobre a possibilidade de ganhar um carro, aquele idiota alegou que não iria colocar a vida das pessoas em risco por causa de um capricho meu, já que eu poderia facilmente causar um acidente de trânsito.

— Está tudo bem, não se preocupe... — ela disse com uma voz suave, aproximando-se para deixar um beijo carinhoso na minha bochecha. Com um movimento delicado, ela estendeu a mão e acionou o controle remoto, destravando as portas do carro com um clique reconfortante. — Só não esquece do que conversamos, tá? Acho que você deveria ser sincera com o Miguel sobre suas notas. Melhor ele saber por você agora do que ser pego de surpresa depois.

Observei enquanto ela se afastava pela avenida movimentada, seu carro se fundindo ao tráfego da tarde. Ali, imóvel na calçada, senti o peso do mundo em meus ombros e um nó apertado se formando em minha garganta. Como eu poderia revelar ao Miguel que minhas notas eram insuficientes para a formatura? Como enfrentar sua decepção e as inevitáveis horas de sermão, ou pior, o risco de ter meu castigo estendido por mais tempo do que eu poderia suportar?

Entre Segredos e Paixões 1 - Raízes do DestinoOnde histórias criam vida. Descubra agora