— Sinto sua falta, Elisabeth — disse ao me ajoelhar próximo ao jazigo que guardava o corpo da minha esposa. — Meu amor, a dor de te perder é insuportável. Cada dia sem você é uma luta constante. Sinto sua falta em cada pequena coisa, desde o seu sorriso até o som da sua risada. Você era a luz da minha vida, meu apoio, minha melhor amiga. Eu ainda me pego esperando te ver entrar pela porta, como se isso fosse apagar o vazio que você deixou. Eu só queria que tudo fosse diferente, queria que tudo fosse ao contrário. Se eu pudesse ter te impedido de sair de carro naquele dia, eu... — Engoli o desejo de chorar, sentindo a garganta arder com o desabafo, e coloquei as rosas vermelhas sobre o túmulo, retirando as rosas secas que ali estavam. — Eu sinto muito, meu amor. Prometo que cuidarei de nossa filha, que honrarei sua memória em tudo o que fizer. Eu só queria que você estivesse aqui.
Enquanto eu estava absorto em meus pensamentos, meu celular tocou. Era uma ligação do advogado de Carlos, informando-me que a filha adotiva dele, Ayara, havia chegado inesperadamente mais cedo no aeroporto Santos Dumont e eu precisava ir buscá-la. Meu coração disparou. Eu me lembrei das palavras de Carlos em seu testamento, onde ele expressava seu desejo de que eu cuidasse da filha como se fosse minha própria filha. Eu me sentia sobrecarregado com a responsabilidade de cuidar de uma adolescente de quinze anos, ainda mais quando eu ainda estava lidando com a recente perda de minha esposa e a morte de Carlos, que havia sido um golpe devastador para mim. Ele tinha sido o homem que me acolheu e cuidou após a morte de meu pai. Carlos era sem dúvidas, meu herói e modelo.
Ajustei meu terno nervosamente, endireitei meu corpo e olhei para o extenso gramado verde com jazigos, tentando encontrar forças para seguir em frente. Caminhei em direção à saída do cemitério, onde meu carro estava estacionado, e entrei nele, dando partida rumo ao local combinado com o advogado de Carlos para encontrar a menina. Eu havia preparado um quarto em minha casa para ela, com todos os frufrus que meninas de quinze anos gostam, na esperança de tornar a transição mais fácil para ela. Mas a dúvida ainda pairava em minha mente. Como seria a minha relação com ela? Como ela se adaptaria a um novo país, uma nova cultura, uma nova família? Como eu poderia ser um bom pai para ela, se eu ainda estava sofrendo pela perda da minha esposa? Eu não tinha as respostas, mas eu esperava que o tempo me ajudasse a encontrá-las.
Quando cheguei ao local combinado, o avião particular de Carlos já havia pousado. Pedi a um funcionário que avisasse que eu havia chegado, e logo vi um homem alto e ruivo, vestido com um terno elegante, descendo as escadas do avião com a menina ao seu lado.
A menina olhou para o céu e sorriu inocentemente, tirando as luvas e estendendo a mão para sentir os raios solares do dia quente de verão no Rio de Janeiro. O advogado falou algo que parecia animá-la, e seu sorriso se ampliou ainda mais. Quando finalmente se aproximaram, o homem me cumprimentou formalmente com um aperto de mão.
— Mr. Mendanha? (Senhor Mendanha?)
— Yes, nice sir. (Sim, prazer senhor, Styne.) — respondi em inglês.
— The pleasure is all mine, sir. Well, this is Mr. Carlos Arantes' heiress, Ayara Arantes. (O prazer é todo meu, senhor. Bem, essa é a herdeira do senhor Carlos Arantes, Ayara Arantes) — ele gesticulou para a menina que apenas me observava calada quase coagida, com uma notável nota de desconfiança no olhar.
— Hello, how are you? (Olá, tudo bem?)
— Não precisa falar comigo em inglês, eu entendo tudo o que você fala, afinal eu sou brasileira. — Ela tinha um sotaque carregado, mas com uma certa confiança.
Embora ela fosse bastante suscinta com a sua resposta, me encarou com os olhos arregalados, e só então notei os seus traços. A sua pele era parda, talvez pálida por passar tantos anos vivendo em um país frio como a Inglaterra, mas ainda assim o seu tom era notável. Os seus olhos eram grandes e amendoados, e muito escuros, quase negros. Os seus lábios eram carnudos e rosados, e os seus cabelos eram muito lisos e escorridos, batendo até o meio das costas. Ela se parecia com uma índia, e tinha uma beleza exótica e marcante.
Eu sabia por alto que Carlos após perder a esposa para um câncer, fez uma viagem para o Brasil e adotou uma criança, mas não sabia que a menina tinha traços tão fortes com o povo indígena. Eu me perguntava qual seria a sua história, e como ela se sentia em relação a mim, o seu novo tutor. Eu esperava que ela não me odiasse, e que pudéssemos nos dar bem.
— Ayara — o advogado começou a falar. — My work with you ends here, from now on it's all with Mr. Miguel Mendanha, he's legally responsible for looking after your interests and your well—being. Hope you guys get along, and anything just let me know. (Meu trabalho com você termina aqui, a partir de agora é tudo com o senhor Miguel Mendanha, ele está legalmente incumbido de cuidar dos seus interesses e de seu bem-estar. Espero que vocês possam se dar bem, e qualquer coisa basta entrar em contato) — ele abaixou os óculos de grau e piscou. — Only important things, young lady. (Somente coisas importantes, mocinha.)
Ela estava triste, mas tentou sorrir da melhor maneira.
— All right, sir, goodbye. (Tudo bem, sr. Styne, adeus.)
Após nos despedirmos, eu a conduzi até o meu carro, onde as suas malas já estavam acomodadas, e nos instalamos nos bancos. Eu logo tomei as ruas da cidade, seguindo em direção à minha casa. Durante a viagem, o silêncio pesava como uma âncora em nossas almas. Eu sabia que era minha responsabilidade, como um homem maduro de trinta anos e encarregado da administração dos seus bens, quebrar o gelo e estabelecer um bom convívio com ela. Mas como eu poderia ignorar a dor profunda que se refletia em seus olhos, a dor da perda precoce de seu pai e a mudança abrupta e indesejada em sua vida?
Eu sabia que as suas feridas ainda estavam abertas, e temia que as minhas palavras pudessem agravar ainda mais a dor e o desconforto que ela sentia. Então, eu permaneci em silêncio, enquanto a minha mente era invadida por pensamentos sombrios e angustiantes. Eu me dei conta de que, apesar das nossas diferenças, éramos duas almas sofridas, compartilhando da mesma dor. A dor do luto, a dor da perda, a dor de ver as nossas vidas viradas de cabeça para baixo com a partida de quem nós mais amávamos.
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Entre Segredos e Paixões 1 - Raízes do Destino
RomanceAyara Arantes, herdeira de um vasto império, é obrigada a deixar seu país para viver sob a tutela de Miguel, um homem fechado e austero devido ao luto que carrega. A convivência entre eles é tensa até que Ayara começa a receber aulas particulares de...