O estridente som do despertador cortou o silêncio da madrugada, arrancando-me de um sono que parecia ter começado há apenas instantes. Com os olhos pesados, encarei o relógio marcando seis horas da manhã e suspirei, enfrentando a realidade de mais um dia na minha rotina monótona e saturada de obrigações.
Levantei-me com um esforço resignado, preparando-me para o balé matinal de atividades: vestir-me com a primeira roupa que encontrasse, engolir um café da manhã apressado, levar Ana Clara à escola com promessas de um dia melhor, e então mergulhar no caos do escritório de advocacia. Lá, eu me tornava o mediador de disputas acirradas por pensões exorbitantes em casos de divórcio, cada uma exigindo uma paciência que eu mal conseguia sustentar.
Ao final do dia, retornava ao lar para um jantar silencioso, seguido pelo ritual de colocar Ana Clara na cama, e tentar enfiar juízo na cabeça de vento da Ayara, depois eu me trancar no escritório de casa, onde trabalhava mais um pouco e tirava um tempo para mim, pensar na minha vida e tentar lidar com a minha dor. E depois disso, eu ia para cama, tentar dormir um pouco e no dia seguinte, tudo começava de novo. Eu tentava conciliar a minha vida entre o trabalho, a família e bem... como o tutor legal da Ayara, mas confesso que andava bastante sobrecarregado com tudo.
Eu me sentia como se o peso do mundo estivesse sobre os meus ombros, e eu nem sabia o porquê de estar sentindo aquilo. Eu só sabia que tudo o que acontecia ao meu redor era responsabilidade minha, e se eu falhasse, muitas pessoas seriam atingidas, inclusive a minha filha Ana Clara e a Ayara, que eram as minhas maiores prioridades naquele momento.
Eu sabia o quanto era difícil para elas crescerem sendo privadas do carinho de uma mãe, ou de uma família completa como no caso da Ayara. A Ana Clara tinha perdido a mãe muito cedo, e a Ayara o pai aos quinze anos, na idade mais problemática para uma garota. Por esse motivo, eu tentava, me esforçava ao máximo possível para dar a elas um lar estruturado e feliz; mas sentia que estava falhando.
A forma como o meu relacionamento com a Ayara ia se desenvolvendo era uma prova disso. Ela era rebelde, desobediente, irresponsável. Não me respeitava e não me agradecia. Ela me via como um inimigo, um tirano, um carrasco que queria mandar em sua vida. Aquela garota vivia me desafiando e tinha o prazer em me contrariar; não se importava com os estudos, com o futuro, com a vida; só queria se divertir, sair com as amigas, ficar com os garotos, por isso eu exigia tanto dela.
Eu tentava a maior parte do tempo agir como o homem de aço, mas já começava a sentir o peso do mundo desmoronando sobre a minha cabeça. E aquela sensação de estar lutando sozinho contra tudo e todos estava me esmagando. Eu precisava de ajuda, de apoio, de compreensão. Mas eu não tinha ninguém. Eu estava só.
Eu me sentei na beirada da cama, esfregando o rosto, sem saber ao certo como começar o dia. Eu olhei para a porta do closet que pertencia à Elisabeth, e logo me lembrei da conversa que tive com a Bárbara algum tempo atrás. Aquela fedelha me disse coisas das quais eu não queria ouvir. Ela me acusou de estar sendo um péssimo pai, de não dar atenção à Ana Clara, de não entender a Ayara, de não me importar com elas. Ela me disse que eu estava vivendo como um egoísta e um amargurado, e... talvez ela tivesse razão.
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Entre Segredos e Paixões 1 - Raízes do Destino
RomanceAyara Arantes, herdeira de um vasto império, é obrigada a deixar seu país para viver sob a tutela de Miguel, um homem fechado e austero devido ao luto que carrega. A convivência entre eles é tensa até que Ayara começa a receber aulas particulares de...