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Por Joe

Eu avaliava o corpo desconhecido no grande espelho, ainda que precisando de certo apoio para caminhar. Eu conseguia ver as diferenças entre mim e esse homem que parecia meu irmão gêmeo. A tatuagem que se estendia pelo quadril com um frase em inglês.

Por um momento eu me perguntei se eu não perdi minha memória, mas a última coisa que eu me lembrava, era do meu corpo caindo na água.

Passei os dedos atordoado no cabelo loiro , que voltou a cair em meu rosto rapidamente.

O homem chamado Wen tinha vinte e sete anos, eu me recordava de ter vinte e nove anos.

Quando cansei de me questionar sobre a confusão em que eu estava imerso, sai do banheiro, já vestido com as roupas que a senhora Hong trouxe, caminhei alguns centímetros apoiado na parede. Antes de cruzar com uma figura conhecida.

Phi Wut sorriu para mim, arregalei os olhos em choque, minha respiração acelerou.

—Eu ainda fico assustado vendo o seu rosto Wen, você se parece muito com... um amigo meu.

Me calei, sentindo a máscara de confusão tomar meu rosto. Phi Wut riu baixinho estendendo a mão em minha direção.

—Desculpe, esqueci que não me conhece, eu sou Wut um amigo da sua mãe, você acordou apenas recentemente não é?

Phi Wut, um amigo meu de longa data, que havia sempre me guiado e agenciado na minha carreira de dublê.

Esse homem que era a pessoa mais próxima de mim, agora... Era um completo desconhecido.

Pisquei algumas vezes, ainda pensando em que tipo de pesadelo eu estava.

—Sua mãe disse que quer retomar sua carreira aqui na Tailândia certo? Depois de tudo o que aconteceu na Coreia realmente...

—Desculpa... Phi disse Coreia?

Phi Wut franziu a testa me encarando por um momento, antes de gaguejar um pouco e coçar a cabeça ao voltar a falar.

—Sua voz... me lembra algo... Bom eu tinha esquecido você está com amnésia né?

Não é bem amnésia, eu diria que estou envolto em uma confusão fora dos parâmetros científicos conhecido pela humanidade. Não tem como eu me lembrar de uma vida que eu sequer vivi certo? Eu absolutamente nunca deixaria meu cabelo passar o queixo, tingir ele de loiro e fazer essa tatuagem no quadril.

Por mais maluco que fosse isso tudo, eu claramente não sou esse Wen.

—Bom, basicamente assim que você sair do hospital e descansar, você vai precisar mudar de nome, querendo ou não seu nome é muito... conhecido por alguns.

Pelo olhar que Phi Wut me deu, pelo fato de que fomos amigos próximos por muitos anos eu soube instantaneamente que esse nome estava manchado na indústria do entretenimento.

O nome dessa pessoa que agora eu vivia dentro do corpo estava na lista proibida. A mesma lista que eu estive antes de...

—Se você quiser eu posso pedir para minha equipe de advogados seguir com isso, só me dizer se você tem algum nome em mente... Claro se você aceitar assinar um contrato com a minha empresa. Parece que eu tô pulando muitas etapas né? Eu sinto que nos conhecemos a muito tempo.

Assenti em silêncio pensando ainda, no que o tal nome Wen estava metido na Coréia do Sul.

—Eu quero Joe. —Respondi prontamente, sem muito pensar. Na verdade o fato de termos nomes muito diferentes me confundia muito então a princípio pensei em quitar essa confusão com essa oportunidade surpresa e inesperada. Assim voltarei ao meu nome, mesmo que não ao meu corpo original.

Quando o silêncio prolongou muito além do que o suficiente, eu levantei os olhos para encara o rosto branco e lívido de Phi Wut. Ele estava estático me encarando.

E então eu percebi o que eu havia dito. Mas antes que eu pudesse mudar minha colocação, o homem chocado me interrompeu.

—Você... disse Joe?

—Desculpe... Tem algo errado com esse nome?

Os olhos de Wut se encheram de lágrimas diante de mim, eu que nesses longos anos em que fomos amigos nunca o vi tão chocado com algo senti minhas bochechas esquentarem.

—Na verdade... Era o nome de um grande amigo meu.

Era?

E onde ele está agora? —Por favor Phi me de uma boa notícia, se o tal Wen estiver por aí vivendo no meu corpo, eu posso tentar resolver essa confusão antes que algo ruim aconteça.

—Ele... está morto. —Engoli em seco, nossos olhares lívidos um ao outro. —Bom, ele pulou em um rio... dois anos atrás.

—Então...

—Mas nunca encontramos o corpo dele na verdade.

Suspirei, meu coração que parecia uma noz de tão pequeno voltou a bater normalmente. Phi Wut leu o alívio em meu rosto e sorriu.

—Você o conheceu Wen?

—Eu?! Não! Eu... Estive na Coreia.

—Bom... vocês são... muito parecidos, não sei se o nome Joe, nessa indústria com a sua aparência não vai causar certa confusão...

Antes que eu pudesse responder, a televisão no canto da sala começou um anúncio alto, reconheci uma de minhas músicas favoritas o que me fez virar o rosto para encarar a tela.

O choque passou pelo meu corpo, senti os pelos do meu braço se arrepiarem como se eu estivesse no monte fuji em pleno inverno. Antes que eu pudesse me conter minha boca se abriu em choque.

Os olhos redondos que já trouxeram certa inocência e o brilho do conhecimento eram congelantes. Mas não deixaram de mostrar toda a sua pompa.

Aquele, era o rosto do homem mais lindo que eu já havia visto na vida.

—Ah... Wen, você conhece o Ming?

Mordi o lábio, encarando a propaganda do Rolex, como a um copo de água em pleno deserto do Saara. O coração de Wen continuava batendo como um tambor no meu peito, ritmado porém desesperado.

Eu soube nesse momento, que as reações desse corpo que não pertenciam a mim, estavam seguindo os sentimentos que vinham dessa alma torturada.

Então, mesmo esse não sendo o meu coração, ele reconheceu a quem essa alma ora pertencera.

E chamou por ele, em seu silêncio barulhento. Esse coração gritou por Ming.

—Eu... nunca o vi antes. —Respondi, quando o comercial finalmente acabou, virando para Phi Wut com um de meus sorrisos falsos de calmaria.

Como eu poderia não o conhecer?

Aquele homem, foi o começo da minha estrada para esse fim.

As perguntas confusas em minha mente, sobre o que levaria um homem que menosprezava tanto a indústria do entretenimento como ele, estar em um comercial assim na TV aberta, foram silenciadas.

Pelas lembranças, de seu olhar assustado, antes que eu de braços abertos, me jogasse para a escuridão daquelas águas.

A dois anos atrás.

A Luz que Deixou seus Olhos • MingJoeOnde histórias criam vida. Descubra agora