Três ✈︎

564 89 14
                                    


Não me atrasei para a reunião.
Desde aquele dia, há um ano e oito meses, eu nunca me atrasei.

Por quê?

Becky Armstrong.

Uma vez. Bastou um único atraso para Becky jogar isso na minha cara sempre que podia.

Ela nunca relacionou isso ao fato de eu ser Tailandesa. Estereótipos injustificados no que diz respeito à falta de pontualidade.

Becky não falava bobagem. Ela destacava fatos. Declarava verdades verificáveis. Fora disciplinada para isso, como qualquer outro engenheiro na empresa de consultoria onde trabalhávamos, incluindo eu. E, tecnicamente, eu tinha, sim, me atrasado. Naquela única vez meses antes. Era verdade que eu tinha perdido os primeiros quinze minutos de uma apresentação importante.

Também era verdade que Becky era a responsável – aquela tinha sido a primeira semana dela na InTech –, e mais uma vez era verdade que minha entrada tinha sido um tanto escandalosa e envolvido uma garrafa de café derrubada sem querer, em cima da pilha de documentos que Becky tinha preparado para a apresentação.

Ok, ok, e um pouco na calça dela também.

Não é a melhor maneira de causar uma boa impressão em um novo colega, mas fazer o quê? Coisas desse tipo acontecem o tempo todo. Acidentes ínfimos, não intencionais e inesperados como esse são coisas comuns. As pessoas superam e seguem em frente.
Mas Becky, não.

Em vez disso, todas as semanas e todos os meses desde então, ela soltava provocações como: “Tente não se atrasar para a reunião das dez. Já perdeu a graça.”

Em vez disso, toda vez que ela entrava em uma sala de reuniões e me encontrava em meu assento, dolorosamente cedo, olhava para o relógio de pulso e erguia as sobrancelhas, surpresa.

Em vez disso, ela tirava jarras de café do meu raio de alcance, fazendo um gesto de cabeça de advertência na minha direção.

Era isso que Becky Armstrong fazia em vez de deixar o incidente para lá.

– Bom dia, Freen.

A voz suave de Héctor veio da porta.
Eu sabia que ele estava sorrindo antes mesmo de olhar para seu rosto, como sempre.

– Bom dia, Héctor – respondi na língua materna que compartilhávamos.

O homem que eu considerava um tio após ter sido recebida em seu círculo familiar próximo colocou a mão em meu ombro e apertou levemente.

– Tudo bem, minha filha?

– Não posso reclamar – falei, retribuindo o sorriso.

– Você vai no próximo churrasco? Vai ser no mês que vem e a Lourdes fica o tempo todo falando para lembrar você. Ela vai fazer caril dessa vez, e você é a única que vai comer.

Ele riu.

Era verdade; ninguém da família Saelim era fã do prato Tailandês à base de Tamboril. O que eu não conseguia
entender.

– Pare de fazer perguntas bobas, seu velho – falei, agitando a mão e sorrindo. – É claro que eu vou.

Héctor ocupava o lugar de costume à minha direita quando os três outros colegas invadiram a sala, murmurando seus bons-dias. Deixando o riso fácil de Héctor, meu olhar foi até o pessoal que fazia a volta na mesa para se reunir na formação costumeira das dez horas.

Becky logo surgiu à minha frente, as sobrancelhas erguidas e o olhar encontrando o meu brevemente. Observei seus lábios virarem para baixo enquanto ela puxava uma cadeira.

Uma Farsa de Amor na TailândiaOnde histórias criam vida. Descubra agora