Sessenta e sete ✈︎

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Tinha um programa que eu amava quando era adolescente. Um seriado americano que passava em um dos canais nacionais da Tailândia – dublado, é claro. Eu amava.

Adolescentes com grandes sonhos e egos ainda maiores – ou corações, é uma questão de opinião –, reviravoltas angustiantes e um nível de drama que uma pessoa de dezesseis anos não deveria vivenciar, pelo menos não em uma cidadezinha da Carolina do Norte. Ou do norte da Tailândia. E talvez fosse por isso que aquilo tudo me encantava tanto.

Um dos episódios por algum motivo me tocou mais que qualquer outro.

Começava com uma narração em voice-over perguntando algo como “Qual é a menor quantidade de tempo que tem o poder de mudar sua vida? Um ano? Um dia? Alguns minutos?”.

A resposta a essa pergunta era que, quando se é jovem, uma hora pode fazer a diferença. Pode mudar tudo.

E eu… discordava totalmente.

Não é preciso ser jovem para que a vida mude em uma hora, alguns minutos ou mesmo alguns segundos. A vida muda o tempo todo, incrivelmente rápido e terrivelmente devagar, quando menos se espera ou depois de um tempão correndo atrás da mudança. A vida pode virar de cabeça para baixo, do avesso, de trás para a frente ou até mesmo se transformar em outra coisa totalmente diferente. E isso acontece em qualquer idade, mas, mais importante, a qualquer tempo.

Momentos capazes de mudar o rumo da vida podem durar alguns segundos ou décadas. Faz parte da mágica da vida. De viver.

Em meus vinte e oito anos de vida, eu tivera poucos momentos como esse, bem diferentes entre si. Alguns duraram segundos, não mais que um vislumbre ou um instante de tomada de consciência. Outros duraram minutos, horas, semanas até.

De qualquer forma, dava para contar nos dedos. Eu lembrava deles de cor.

A primeira vez que coloquei os pés no mar. A primeira equação que resolvi. Meu  primeiro beijo. Me apaixonar por Billy e superá-lo. Todos aqueles meses terríveis depois do término. Embarcar para Nova York para começar uma vida nova. Testemunhar minha irmã entrar na igreja com o sorriso mais feliz que já vi em seu rosto. E Becky.

Eu achava que não seria capaz de escolher um único momento no que dizia respeito a ela. Porque era ela o que fazia com que aquele momento fosse importante. Importante a ponto de mudar a minha vida.

Dormir em seus braços. Ver aquele sorriso que eu sabia que era só para mim. Acordar ao som de sua voz, sentindo o calor da pele dela. Ver seu rosto se fechar. Ela se afastar. Sua ausência.

Todos esses momentos deixaram marcas no meu coração. Em mim.

Todos me mudaram, me transformaram em uma pessoa que se permitia se abrir, amar. Que se permitia precisar e que queria se entregar não a qualquer pessoa, mas a ela.

No entanto, por mais que eu jamais pudesse apagar todos aqueles momentos que fizeram com que eu me apaixonasse perdidamente por ela, por mais que achasse que aquelas marcas jamais desapareceriam, foi o instante em que percebi que eu precisava pegar um avião até Seattle e encontrá-la que pareceu… transcendental.

A percepção de que eu tinha aberto mão de Becky cedo demais, por descuido. Por bobeira. O momento em que percebi que nada mais importava. Que nada me impediria de correr para os braços dela, de estar lá para apoiá-la quando ela mais precisava de alguém.

Seria tarde demais? Será que o relógio ainda estava registrando os minutos do momento que mudaria minha vida para que eu pudesse voltar atrás, ou eu tinha perdido a chance?

Minha cabeça rodopiou com essa pergunta durante as seis horas do voo de Nova York a Seattle, saltando sem parar da esperança cega ao pavor que só a antecipação de uma perda pode causar. E, quando o avião tocou o solo, eu ainda não sabia se devia ter esperança por estar mais perto dela ou ter usado o tempo para me preparar para ouvi-la dizer que era tarde demais e me pedir que eu fosse embora.

Pensei um pouco mais enquanto esperava um táxi, ia até o primeiro hospital da minha lista de hospitais com unidades oncológicas de Seattle e perguntava na recepção por Richard Armstrong – nome que desenterrei da internet com base no que Becky tinha me contado sobre seu passado.

A questão continuou rodopiando na minha cabeça enquanto fiz a volta, entrei em outro táxi e repeti o processo com o segundo hospital. E o terceiro.

E, no momento em que meus joelhos quase cederam com um misto de alívio e ansiedade ao finalmente ouvir a enfermeira no balcão desse terceiro hospital perguntar se eu era da família ou amiga, a pergunta ainda estava na minha cabeça, gritando para ser respondida.

Ainda estava quando fui até o quarto naquela que seria a subida de elevador mais longa da minha vida.

Será que joguei tudo fora por medo e burrice? Será que é tarde demais?

Então, quando as portas metálicas reluzentes finalmente se abriram, saí do elevador cambaleando como quem sai do carro depois de uma viagem interminável. Meus membros estavam dormentes, minha pele pinicava com o suor seco, e eu mal sabia onde estava.

Meu olhar ansioso percorreu o corredor à minha frente, até a sala de espera, onde me disseram que ela provavelmente estaria – minha Becky, a mulher que eu precisava reconquistar.

E ali, bem ali, sentada em uma cadeira, estava minha resposta.

Com os braços apoiados nos joelhos e a cabeça pendurada entre os ombros, ali estava o momento que mudaria a minha vida.

E ali, olhando à distância, com o coração mais oco do que nunca ao vê-la ali sozinha, sem mim, foi que pensei que, enquanto tivesse Becky, o “momento” que ia mudar minha vida para sempre nunca seria uma medida de tempo. Nunca seria tão simples quanto identificar alguns pontos na cronologia da minha vida como transcendentes.

Era ela. Becky. Ela era meu momento.

E enquanto ela estivesse ao meu lado minha vida estaria sempre mudando, sendo alterada. Eu seria desafiada, querida, amada. Com ela, eu ia viver.
E eu lutaria por isso. Lutaria por ela como não lutei quando ela me pediu. Não aceitaria não como resposta. Ela não se livraria de mim. Como ela me prometeu na Tailândia, na frente de todas as pessoas que eu mais amava no mundo. E eu provaria isso a ela.

– Becky. – me ouvi dizer.

Me deixe ser a sua rocha. A mão que vai segurar a sua. Seu lar.

Minha voz não era mais que um sussurro, baixa e fraca demais para chegar até onde ela estava. Mas, de algum jeito, chegou.

Porque Becky ergueu a cabeça. Sentada naquela cadeira de plástico rígido, ela endireitou a coluna, e seu olhar meio que virou na minha direção. Vi a descrença em sua expressão, como se ela achasse que tinha me imaginado chamando seu nome.

Mas não tinha. Eu estava bem ali. E, se ela deixasse, eu cuidaria dela. Faria carinho em suas costas naquela sala de espera monótona e impessoal, passaria os dedos em seus cabelos e me certificaria de que ela estava comendo e dormindo bem. Eu a consolaria com abraços e seria o ombro em que ela recostaria a cabeça ao lamentar o pai que talvez perdesse.

O pai que tinha perdido tantas coisas, o pai que eu sabia que Becky sentia já ter perdido.

Seu olhar percorreu o espaço que nos separava com a determinação que eu sabia que só ela tinha. E eu jamais viria a saber o porquê, mas esperei. Fiquei imóvel enquanto ela olhava ao redor.

Então, depois de um tempo que pareceu uma eternidade e ao mesmo tempo insuficiente para me preparar, ela me encarou e senti uma comoção no peito.

Meu coração disparou.

Ela esticou as pernas, se levantou e apenas pronunciou meu nome.

– Freen.

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Uma Farsa de Amor na TailândiaOnde histórias criam vida. Descubra agora