Quarenta e oito ✈︎

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No instante em que meus olhos se abriram para a gloriosa manhã que só um país onde persianas são instaladas religiosamente pode oferecer, eu soube que não estava na minha cama.

Em Nova York, eu estava acostumada a acordar com raios de sol inundando o apartamento. Outra coisa ali também era a superfície na qual eu estava.

Parecia diferente. Mais macia e flexível que aquela com que meu corpo estava acostumado. E o travesseiro onde minha cabeça repousava – muito achatado e baixo.

Mas a diferença realmente gritante – que dizia que eu não estava na minha cama no meu apartamento em Bed-Stuy, no Brooklyn – era o peso morto descansando sobre a minha cintura.

Era pesado e quente e parecia muito um membro que não era meu.

O tambor que tocava em quase todos os cantos da minha cabeça não me ajudava a ter clareza sobre quem era o responsável por aquele torno que me envolvia. Ou por que eu não estava no conforto do meu quarto, rolando em um colchão que fazia o rombo em minha conta bancária valer a pena.

Piscando algumas vezes e tirando o cabelo do rosto, meus olhos se ajustaram à escuridão. Tentei identificar o que poderia estar por trás daquele peso na minha barriga.

Um braço. Como eu suspeitava.

Meus olhos percorreram o membro até o ombro feminino ao qual o membro estava conectado. Um ombro que levava a um pescoço que terminava em uma cabeça que…

Merda.

A dona de todas aquelas partes que eu estava analisando se mexeu.

Congelei.

O braço preso à minha cintura se deslocou, a mão deslizando um pouco para baixo da minha camiseta. Todos os cincos dedos espalmados na minha pele. Minha respiração ficou presa em algum lugar entre a garganta e a boca.

Não se mexa, Sarocha, ordenei a mim mesma.

Mas era difícil, com aqueles dedos tão quentes na minha pele, fazendo meu corpo inteiro formigar. Apenas alguns centímetros me separavam de Becky.

Becky. Ontem à noite.

Vários palavrões me ocorreram, explodindo em minha mente à medida que imagens borradas surgiam.

Não, não, não, não.

Aqueles dedos roçaram minha pele novamente, e um barulho suave saiu da mulher que dormia ao meu lado.

Um sonho. Todas aquelas imagens deviam ter sido um sonho porque era impossível que tivéssemos quase nos beijado. Aquilo era loucura. Era…

Em um ritmo frenético, todos os  acontecimentos da noite anterior se solidificaram. Rolaram na minha memória, surgindo atrás dos meus olhos. Cada uma das imagens, dos fragmentos, se repetiam em minha mente em uma câmera lenta dolorosa.

Toda a sidra. A história que Becky inventou sobre como começamos a namorar. Seus olhos fixos em mim a noite toda. Nós duas dançando no meio da boate escura com piso grudento, perdidas em meio ao mar de corpos. Meu surto. Becky sentada comigo na calçada, cuidando de mim, me contando um pouco da vida dela. Se abrindo, expondo um pedaço de si.

Ela me pressionando contra o armário.

Meu corpo reagindo – pegando fogo – com todos aqueles toques de seus lábios e dedos, leves como pluma. Freen. Becky me chamou de Freen. Logo antes de roçar os lábios nos meus.

Quase nos beijamos. Não. Quase implorei a Becky que me beijasse, e teria feito mais que isso.

"Quando eu finalmente beijar a sua boca, não vai ter nada de farsa.", foi o que ela dissera antes de ir conferir o que havia estourado nossa bolha de loucura.

E eu deitei na cama e desmaiei imediatamente.

Uma Farsa de Amor na TailândiaOnde histórias criam vida. Descubra agora