My ruin

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Jake


Caminhei para fora da sala de reunião, apertando o osso entre os olhos. Um pulsar bem no fim da testa havia me acompanhado durante boa parte da tarde, na verdade.

— Está se sentindo mal xerife? — Nacy indagou ao meu lado, depois de repassar todos os comandos e decisões da reunião semanal.

Sinceramente, paciência não estava sendo meu forte ultimamente. E eu sabia que estava errado, Nacy não tinha culpa de absolutamente nada. Ninguém tinha.

Inspirei fundo.

— Só um pouco de dor de cabeça — sorri ameno para ela.

— A quanto tempo está sem comer? Pode ser baixa de glicose e... — Dizia enquanto caminhávamos até minha sala.

— Não — falei me sentando na cadeira. — Eu não estou com fome

A mulher fechou a porta atrás de si, e segurando sua agenda me fitou com um misto de preocupação e repreensão. O tipo de olhar que eu só recebia de duas pessoas, dela e minha mãe.

— Você devia sair mais cedo — começou e como se soubesse a resposta ela já adiantou. — Hoje é o dia mais tranquilo do Departamento e eu soube que os tenentes estão saindo para beber no Town's daqui a — ela olha o relógio no pulso. — Duas horas.

Neguei. Não era do meu feitio sair com os tenentes pra beber, mas eu sabia que a intenção de Nacy era boa. Ela tinha tentado me animar a semana toda, desde...bom, desde tudo. Nacy sempre foi muito discreta, ela nunca chegava a perguntar nada pessoal, mas tinha um sexto sentido que as vezes me assustava. E ela percebeu minha mudança de humor, mesmo quando eu consegui disfarçar para todos, não funcionava com ela.

A assistente suspirou pesadamente.

— Vou pegar aspirina e um copo d'água, então — disse por fim. — A noite vai ser longa.

— Obrigado — sorri fraco.

É, a noite ia ser longa. Era o quinto plantão que eu pegava desde a semana passada. Afinal ficar abarrotado de trabalho era muito melhor do que ficar com a mente vazia em casa. E minha mente vazia só me fazia lembrar daquele dia.

Uma semana havia se passado. Uma semana que aquele maldito dia me atormentava a cada maldita hora. Se repetindo e repetindo. E como se não bastasse ainda tive que vê-los juntos na reconstrução da igreja. Ela disse que não era real, mas pareceu real quando limpava o suor de seu rosto, quando ria tentando se afugentar de um abraço, ou quando seguia com a mão entrelaçada com a ele até o carro. Eu disse para mim mesmo que estava tudo bem, que eu ia superar. Mas ver ela com ele...lembrar do rosto orgulhoso do meu irmão, imaginar a forma que meus país fariam aquilo se tornar...tudo isso se misturando com nossos momentos. Com todas as vezes que nos encontramos escondidos, todas as vezes que ela saiu do castigo pra me ver, todas as vezes que me arrisquei, largando tudo, apenas para ouvir sua voz, todas as vezes que a toquei, que a ouvi pedir, implorar, por mim e a vez que a tive em minha cama.

Ela estava ali, rindo como uma adolescente qualquer com seu namorado, caminhando com ele até o carro, como se nunca tivesse sido minha. Como se tudo o que aconteceu naqueles meses, e principalmente naquela tarde, tivesse sido mentira. Loucura. Imaginação da cabeça de um pobre velho maníaco que era obcecado por uma garota 20 anos mais nova.

O sangue fervia dentro de minhas veias apenas por lembrar, visão rubra, a cabeça latejava, o coração... eu só conseguia lembrar da forma que ela olhava para mim, me provocando, e de como me chamou de "senhor". Não para me agradar como antes, mas como quisesse deixar bem claro nossas diferenças de idade, como se quisesse impor um limite me chamando de velho de 50 formas diferentes.

O que eu queria afinal? O que eu tinha na minha cabeça? Ela era uma adolescente e adolescentes brincam, se divertem. Eu sabia isso desde o início e mesmo assim eu caí em seu feitiço, seduzido pelo seu jeito livre e provocante, pelo seu corpo macio e pequeno, pelo seu cheiro doce e selvagem, pela sua voz melódica, pelo seu olhar...aqueles brilhantes olhos verdes de bonequinha dissimulada. Eu fiquei totalmente rendido desde o momento que a vi naquele posto.

E aqui estou eu, fodido. Fumando um maço por dia, afundado no poço que eu mesmo criei. Porque a cada vez que eu fechava os olhos era ela que eu via, e cada vez que eu abria também. Ela. Minha garotinha.

Por quê? Eu achei que estava no paraíso, mas a queda foi tão rápida.

Em todos os meus sonhos eu via seus lábios rosados abrindo para mim, então gemendo por ele. Ela se entregando a ele. Não a mim.

A ideia de que ela fosse de outro, que ela desse a outro o mesmo que deu a mim...eu não podia suportar.

Quando me dei conta apertava tanto os dentes que a mandíbula começou a doer. Rosnei comigo mesmo e tirei um cigarro do maço, o acendendo com o auxílio da mão em concha.

Eu precisava tirá-la da minha cabeça. Mas como era possível esquecer aquilo que foi minha motivação por meses? Como era possível esquecer aquela que era o meu primeiro e último pensamento do dia?

Minutos depois Nacy deixou o comprimido e um copo cheiro de água na mesa, mas antes de ir embora ela resmungou:

— Talvez seja essa porcaria que dê essas dores de cabeça.

Eu apenas ignorei seu resmungo e agradeci a gentileza.

Com o cigarro entre os dedos levei a pílula a boca e a engoli com um gole de água.

Isso tinha que bastar.

Massageei as têmporas com os cotovelos apoiados na mesa e suspirei longamente. Eu devia voltar ao trabalho.

As horas foram passando, das janelas da minha sala eu só via o fluxo diminuindo conforme ficava mais tarde. Um boa noite ali, aperto de mão lá, aceno do outro lado, até que restassem apenas eu e uma recepcionista.

A apoiado no braço direito sobre o braço da cadeira eu observava o lugar, de repente enfadado dos relatórios diante de mim.

O cômodo grande era dividido entre pequenos cercados de formica cinza com mesas, pilhas de relatórios, bagunças pessoais, porta-retratos, computadores apagados ou em descanso de tela com símbolo do departamento iluminando a cadeira a frente, acima o forro de drywall, as luminárias de grade. Mais da metade delas estavam apagadas, mas a luz branca que emitiam fazia tudo ao redor da minha sala ficar azulado, e o que mais longe não se passava de silhuetas enegrecidas.

E foi uma silhueta curvilínea de 1,60 que vi se movimentando metros adiante. Eu achei que fosse uma miragem, só podia ser um sonho de quem já estava cansado depois de um dia inteiro de trabalho, então ela foi coberta pelo raio de uma das luminárias.

Meu coração disparou.

O vestido azul céu estava a um palmo acima do joelho, mangas curtas, decote pequeno, os cabelos castanhos cobreados presos oscilavam sutilmente nas costas e nos pés aqueles tênis que ela tanto adorava.

Um anjo. Um delírio. Um pedaço do Eden. Minha maça proibida.

Caminhava até minha sala naquele momento, da mesma forma em que tudo começou e quando eu tive o mesmo pensamento:

Ela, a minha ruína. 

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