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Naquela noite, eu desmoronei. As lágrimas vinham sem controle, um rio de dor que parecia não ter fim, e o peso no meu peito me sufocava. Era uma dor que eu mesma criei, fruto de cada decisão minha.

Não havia para onde fugir, nem para quem apontar o dedo. A realidade, cruel, me encarava de frente. 

Mas, enquanto o tempo escorria, fiz uma promessa silenciosa. Quando o relógio marcar meia-noite, tudo mudaria. 

A partir daquele momento, eu não choraria mais, não me afundaria mais em arrependimentos. Eu viveria de novo, afinal, ninguém nunca morreu de amor.

A tarefa mais importante é me reconstruir. Voltar o olhar para dentro de mim, mergulhar no mais profundo de quem sou, me perdoar e me amar sem condições.

Eu ainda o amo, isso é inegável, mas chegou o momento de me amar mais, de me escolher. Sei que esse processo será árduo, não será uma jornada de perfeição, mas de transformação. 

Decidir deixar minhas feridas finalmente cicatrizarem, abandonar o peso das bagagens que carrego pelos caminhos, redescobrir o que me faz vibrar, os meus gostos, os meus sonhos. Escolher ficar comigo, inteira, e viver por mim, em cada novo passo que der.

Os dias corriam como o verão se despede, sutil, mas inevitável, deixando um rastro de calor suave antes que o outono chegasse. Com a mudança das estações, mergulhei ainda mais fundo nos estudos do coreano, percebendo cada avanço, cada nova palavra. 

A sensação de progresso me preenchia, quase como os personagens dos meus romances favoritos que agora lia com ainda mais frequência.

No final de cada tarde, sem falha, lá estou eu, sentada na cafeteria de sempre, ao som suave do café sendo preparado. Havia algo reconfortante nessa rotina, como se aquele espaço entre os livros e o café fosse o meu novo refúgio.

E, todas as noites, meu ritual de skincare, quase sagrado, era um lembrete de cuidado. Cada passo desse processo, uma pausa necessária para respirar e lembrar que, apesar de tudo, estou aqui. Estou vivendo, sentindo, evoluindo. 



— Ei, Ella, oi! — A voz de Cat me tirou da concentração, enquanto eu examinava distraidamente os livros na prateleira da livraria que eu costumo frequentar. Ela se aproximou, com aquele sorriso contagiante de sempre, os olhos âmbar brilhando de empolgação. 

Havia algo nela que sempre exalava alegria, e, apesar do passado, nossa relação havia se reconstituído com o tempo. É claro, que ela logo tentaria reaproximar Daehyun e eu, mas ele não queria mais saber de mim. Eu já tinha aceitado, aquele amargo gosto de perda.

— Ah, oi, Cat! Como está? — Forcei um sorriso, segurando um livro que pretendia comprar.

— Estou ótima, radiante! — Seu sorriso se alargou ainda mais, e seus olhos brilharam. Era como se ela carregasse o sol consigo. — Ah, este é o Harry, meu namorado! — Ela virou de lado, e só então percebi o homem ao seu lado, que segurava as mãos dela.

Ele sorriu timidamente. Alto, mas não tanto quanto Daehyun... Seus olhos verdes me analisavam brevemente, e ele deu um aceno discreto, quase como se quisesse passar despercebido. Seus cabelos castanhos e ondulados caiam até a nuca.

— Muito prazer, Harry, já ouvi falar bastante de você — falei em inglês, com um sorriso cordial, enquanto pensamentos de frustração passavam pela minha mente. Se eu soubesse sobre ele mais cedo, talvez as coisas com Daehyun tivessem sido diferentes. Não havia mais o que fazer agora, mas ainda assim, o "e se" ecoava.

Harry devolveu o sorriso tímido, seu inglês calmo ao dizer que o prazer era todo dele.

— Quanto tempo você pretende ficar em Seoul? — Minha voz saiu mais leve do que o esperado.

— Hum, Harry e eu vamos para Nova Iorque em breve! — Cat, sempre tão animada, tomou a frente da conversa, como se Harry nem precisasse responder. — Vou realizar meu sonho de romance novaiorquino! — Ela riu, e seus olhos brilharam de entusiasmo. — Harry vai abrir uma filial de uma marca de roupas, e eu vou ser sócia dele! Não é incrível?

Senti meu peito apertar de felicidade por ela, pela vida perfeita que ela parecia estar construindo.

— Uau, isso é realmente incrível, Cat! — A abracei, sentindo a animação dela me contagiar por um breve segundo. — Desejo todo sucesso pra vocês dois.

— Olá! — Uma nova voz se juntou ao nosso grupo, e vi Luana se aproximando, com um livro na mão e um sorriso de curiosidade. 

Cat rapidamente a apresentou a Harry, e Luana o cumprimentou calorosamente.

— Ei, meninas — Cat começou, já cheia de ideias. — Estou planejando uma viagem de acampamento nas montanhas antes de irmos embora. Vocês não querem ir com a gente? Vai ser demais!

— Nossa, com certeza! — Luana respondeu antes mesmo de eu conseguir processar a ideia, os olhos dela brilhando como os de uma criança. — Eu nunca fui acampar antes! Mas... posso levar meu gatinho? Não consigo ficar longe dele por muito tempo! — Ela fez uma cara de bebê pidão, arrancando risos de todos nós.

— Claro! Será ótimo! — Cat riu, animada, depois se virou para mim. — E você, Ella? Topa?

Eu hesitei, sentindo meu corpo enrijecer com a ideia. Não era a pessoa mais aventureira, e meu coração já acelerava só de pensar em estar fora da minha zona de conforto.

— Uhm... não sei. Acampar não é muito a minha praia. — Tentei disfarçar o desconforto com uma risada curta.

— Ah, vai, Ella! — Luana implorou com aquela mesma voz de criança, tentando me convencer.

— Vai ser divertido, Ella, e não será a mesma coisa sem você! — Cat completou, com uma expressão quase suplicante.

Suspirei profundamente, pensando. Talvez, no fundo, pudesse ser divertido. Mas uma pergunta pulsava em minha mente, e, sem pensar muito, a soltei:

— Ele vai?

Cat arregalou os olhos por um segundo, claramente surpresa pela pergunta, mas logo riu, tentando amenizar o clima.

— O Harry? Claro que vai!

— Não estou falando do Harry, e você sabe disso. — Meu olhar encontrou o dela, e ela mordeu o lábio, quase sem jeito.

— Se eu disser que sim, vai mudar alguma coisa? — Ela me desafiou com o olhar, sem perder o sorriso.

— Sim. Se ele for, eu não vou.

Cat revirou os olhos, impaciente.

— Ah, qual é, Ella! Vocês são dois adultos. Não vai haver uma catástrofe nuclear se vocês ficarem no mesmo lugar por um mísero fim de semana.

— Eu não vou, Cat. Não adianta insistir. — Meu tom era firme, mas sentia as mãos começando a suar.

— Vai, Ella... — Luana interveio, com a voz suave e esperançosa. — Por favor, amiga, vai ser legal! Vocês nem precisam se falar.

— Isso! — Cat concordou rapidamente.

Olhei de uma para a outra, sentindo meu corpo relaxar ligeiramente. 

— Tá bom, mas com uma condição — falei, tentando não demonstrar tanta vulnerabilidade. — Vocês me prometem que não vão me deixar sozinha com ele nem por um segundo.

— Prometemos! — Elas responderam em uníssono, sorrindo como crianças que acabaram de ganhar um doce.

Suspirei, já aceitando o destino.

— Tudo bem, então. — Mal terminei a frase e elas me envolveram em um abraço apertado.

— Vai ser o melhor fim de semana de todos! — Cat exclamou, cheia de empolgação.

Eu queria acreditar nisso, mas uma pequena voz dentro de mim ainda sussurrava que esse acampamento poderia trazer mais tempestades do que paz.





Amor de Algodão DoceOnde histórias criam vida. Descubra agora