Capítulo LVI

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O corredor era frio e exageradamente claro e eu caminhei por ele como se estivesse indo em direção à minha morte.

A enfermeira abriu a porta e eu entrei no quarto completamente branco.

Leonardo estava deitado na cama, com os olhos fechados, rodeado por fios e aparelhos que apitavam.

Escutei um estalido indicando que a porta havia sido fechada e prendi a respiração antes de dar o primeiro passo para perto da cama.

Sua respiração era lenta, quase imperceptível.

"Oi..." pensei.

Minhas mãos tremiam e as palavras de repente ficaram presas em minha garganta.

Haviam inúmeros pontos costurados em seu rosto, braços e mãos e eu desejei que fossem só aqueles, mesmo eu sabendo que não eram.

"O que aquela maluca fez com você, ein... Eu sempre achei que ela tivesse cara de psicopata esquizofrênica"

Ele soltou um gemido e meus pensamentos aleatórios foram interrompidos.

Inconsciente, ele gemeu outra vez e eu fiquei preocupada; chamei a enfermeira que chegou rapidamente ao quarto e checou os batimentos dele:

- Como ele tá? - perguntei, não muito segura de que queria saber a resposta.

- Seu estado é grave. Ele foi esfaqueado seriamente no abdômen, o que causou a perfuração de alguns órgãos... Cirugias foram realizadas e ainda é muito cedo para dizer se ele se recupera bem ou não.

- Ah... - esperei ela terminar de examina-lo e, quando saiu, dei a volta na cama e sentei na poltrona ao seu lado.

O semblante dele, apesar de tudo, era calmo e eu quis toca-lo, mas me controlei.

Encostei na poltrona e fechei os olhos. "Ele vai ficar bem... Tudo vai ficar bem. É claro que ele vai ficar bem".

Não sei se aquilo serviu para me acalmar, mas me peguei pensando numa das únicas vezes (senão a única) que eu e Leonardo tivemos uma conversa de verdade.

Flash Back on:

O sinal havia acabado de tocar e toda a turma praticamente correu para fora da sala. Terminei de arrumar as minhas coisas e levantei; só então eu percebi algo que não tinha notado até então: Leonardo estava sentado no fundo da sala com a cabeça baixa.

Senti um aperto no peito e, apesar de ainda me recuperar da humilhação da semana anterior, me aproximei dele.

- Você está bem? - perguntei.

Contrariando a tudo que eu imaginava que ele fosse fazer, Leonardo balançou a cabeça negativamente.

- Tá tudo uma merda.

- Quer que eu te acompanhe pra voltar pra casa? - me ofereci.

- Não quero voltar pra casa.

- Por que não? - agora eu estava sentada ao lado dele, sem acreditar que aquilo, de fato, acontecia.

- Porque meu pai morreu - ele me respondeu em meio à lágrimas. - e agora a minha mãe não consegue nem sair da cama.

- Seria melhor se você estivesse lá pra ajudá-la, não acha?

Ele não respondeu; ainda de cabeça baixa, arrumou suas coisas e levantou.

- Quer que eu te acompanhe? - perguntei outra vez.

- Não. Não quero - ele secou o rosto e saiu.

"Nunca seremos amigos", conclui, triste.

Flash Back off.

Quando tornei a abrir os olhos, Leonardo me fitava, muito mais pálido que o normal. Sorri para ele, que não pode retribuir por conta da máscara de oxigênio que cobria seu rosto.

- Oi - falei, sentindo um alívio indescritível tomar conta de mim. - oi - repeti.

Ele permaneceu me fitando, sério.

Levantei a poltrona e sentei na cama.

- Vai ficar tudo bem - disse mais pra mim que para ele. - Eu sei disso.

Me pegando de surpresa, ele levantou o braço - com bastante dificuldade - e tirou a máscara.

- Ontem você... Me perguntou... Se eu te amo... - sua voz era fraca e ele parecia ter dificuldade em respirar, mas mesmo assim sorriu. - Eu te amo sim, Lia... Eu achava que não, mas percebi que você foi um anjo que... entrou na minha vida pra... Pra me mostrar como é bom amar... - instintivamente, meus olhos se inundaram em lágrimas. - obrigado por... Por isso.

Ao desviar meus olhos dos dele, uma lágrima escorreu pelo meu nariz e pingou em cima da mão dele, repousada ao lado do corpo.

- Não chore... - ele tossiu. Olhei para ele e sua boca estava suja de sangue.

- Melhor eu chamar a enfermeira.

- Não... - Leonardo segurou minha mão. - Não tem mais jeito - tornou a tossir e mais sangue foi expelido.

- Tem sim - me desvencilhei dele e chamei a enfermeira.

Ele tinha os olhos fechados quando tornei a me aproximar. Meu coração acelerou e eu peguei sua mão fria.

- Ei? - chamei. - Ei...

Leonardo abriu os olhos ao mesmo tempo que a enfermeira entrou no quarto. Mesmo não sendo nenhuma técnica em enfermagem, notei que seus batimentos se tornaram ainda mais fracos.

- Preciso chamar o doutor - ela disse e saiu correndo do quarto.

Trêmula, peguei a máscara de oxigênio e a coloquei na frente do rosto dele, que se recusou e tornou a tira-la.

- Eu preciso dizer... Foi muito bom conhecer você.

- Não, para de ficar dizendo essas coisas. Vai ficar tudo bem. Eu prometo - minha voz era quase esganiçada e eu parecia mais desesperada que segura em prometer alguma coisa.

- Eu sei que vai... - ele fechou os olhos e sorriu para mim uma última vez. - adeus - seus batimentos foram diminuindo até se tornarem uma linha constante e imutável. Eu não consegui acreditar. Não dava pra acreditar que ele havia partido. Lágrimas desordenadas fugiam dos meus olhos e pulavam para o rosto dele, que eu toquei com minhas mãos nervosas. Levei meus lábios aos seus e o beijei suavemente; nosso primeiro e último beijo aconteceu quando a vida já não existia mais em suas veias e sua alma partira para um outro lugar.

O que eu senti foi algo que eu não consigo descrever. Meu coração doía como se eu tivesse tendo um ataque cardíaco e eu realmente cheguei a desejar que estivesse tendo um.

Aquele era o pior momento da minha vida e eu, outra vez, não podia fazer nada para mudar aquilo.

Quando você disse seu último adeus, eu morri um pouco por dentro[...] Se você me amava, por que você me deixou?...
;-; Espero que estejam gostando, pessoinhas.

(CONCLUÍDA) Eu, você e meu Guarda-Chuva Vermelho.           Onde histórias criam vida. Descubra agora