Capítulo XXXVIII

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- É, meu vôo saí em duas horas. Devo estar chegando aí lá pelas oito - Eu e Léo conversávamos desde que acordei no meu último dia em San Diego. - meu pai e o Sammy vão me buscar.
- Eu não vou poder ir - ele falou. Senti uma decepçãozinha em saber que não o veria naquele dia, mas tentei disfarçar.
- Ah, tudo bem então. Nos vemos outro dia.
Apesar do que havia acontecido no domingo na praia com o Leonardo, eu ainda gostava do Léo.
É confuso, eu sei. Era confuso pra mim também, acredite. Mas, como eu já disse, o que eu sentia pelo Leonardo era mais como uma coisa antiga voltando à tona com todas as forças; já com o Léo era diferente. Era algo novo, excitante e divertido. Tudo ao mesmo tempo. Eu estava pirando.
- É claro que nos veremos outro dia. Quando você voltar, eu quero te ver todos os dias.
- Eu sei, minha presença é muito cotada pelas pessoas.
- Metida.
- Inútil.
- Cala a boca.
- Cala a boca você.
Demos risada, conversamos mais um pouco e eu logo desliguei.
Os dias anteriores passaram muito tranquilamente. Eu voltei a participar dos passeios pela cidade (ainda fugia da Crystal) com o restante dos sortudos e me soltei um pouco mais. Saí da caixa, pra ser mais exata.
Leonardo e Lilá, pelo contrário, pareceram se isolar. Não os vi muito naqueles dois dias e umas das únicas vezes que vi Leonardo foi quando eu acordei no meio da noite e fui até a varanda, onde o encontrei sentado na varanda ao lado. Ele pareceu triste, mas não falou muito e eu não insisti.

***
Terminava de arrumar as coisas dentro da mala quando alguém bateu na porta.

Levantei do chão e a abri.

Era a Crystal. Com a Lily.

- Oi Lia! - disse a garotinha. - Vamos tomar um sorvete?

Ignorei o convite dela e encarei Crystal. Ela tinha olheiras escuras.

- O que você quer?

- A Lily pediu para te ver.

- Certo... Oi Lily - dei um tchauzinho para a menina. - agora tchau - fiz um movimento para fechar a porta, mas Crystal impediu.

- Escuta aqui, menina, eu cansei de ficar bancando a mamãezinha que precisa do seu perdão - ela soltou Lily e apontou o dedo para mim. - Eu não quero mais o seu perdão, ok? Você não foi uma boa filha. Seu pai não foi um bom marido e eu cansei daquela vida! Cansei! Liandra Jones, se você se colocasse no meu lugar por pelo menos três segundos, veria o quanto eu sofri naquela vida que eu já não vivia mais. É, eu sei, isso parece meio confuso, mas é verdade. Eu não tinha mais a droga de uma vida. Tudo o que eu fazia era cuidar de vocês dois e sofrer! Eu não era amada, não era respeitada e agora eu tenho tudo isso. Eu me arrependo de ter ido embora? Nem um pouco! Então, você pode continuar bancando a vítima, ou pode aceitar tomar a droga de um sorvete com a sua irmã! - ela calou a boca e baixou o dedo. Eu não tive reação. Não sabia que ela sentia todas aquelas coisas e tudo o que eu consegui sentir foi culpa. Uma parcela da culpa por ela ter ido embora era minha. Baixei a cabeça e segurei as lágrimas.

Respirei fundo.

- De que sorvete você gosta, Lily? - perguntei olhando para ela.

- De flocos! Parecem cachorrinhos.

- É verdade... - entrei no quarto e peguei algum dinheiro. - Vamos - segurei a mão dela, que se soltou a da Crystal e adiantou comigo em direção ao elevador. - eu gosto de napolitano.

- Eu também!

[...]

Chegamos à sorveteria e Lily correu para pedir seu sorvete. Parei logo atrás dela e tentava me decidir qual queria, quando Crystal me segurou pelo braço.

- Sinto muito pelo estresse lá no hotel.

- Tudo bem - ainda estava bastante envergonhada comigo mesma. - Acho que eu precisava ouvir todas aquelas coisas.

- Mas não daquele jeito.

- Crystal, relaxa, tá? Eu não estou com raiva de você por isso. Mas acho que você devia ter conversado com a gente. Devia ter dito que não estava feliz.

- Eu tentei. Tentei várias vezes, mas não consegui.

- Então a sua melhor opção foi fugir?

- Acredite se quiser, mas foi. Sinto muito estar sendo tão direta, mas agora é como se eu realmente tivesse uma vida. Me sinto amada e amo o que eu faço, entende?

- Pode parecer que não, mas entendo sim. Você foi bastante corajosa, de certa forma.

- Sou provavelmente a covarde mais corajosa de todos os tempos.

Meneei a cabeça.

- Talvez.

Ela riu.

- Melhor você escolher seu sorvete. A hora está passando e daqui a pouco você vai precisar voltar para o hotel.

- É, eu sei.

Eu e Lily tomamos nossos sorvetes, enquanto a Crystal nos observava e puxava papo quando ficávamos muitos minutos caladas.

Voltamos ao hotel a pé. Era bastante próximo, por isso eu nem percebi quando chegamos.

- Bom, acho que nos despedimos agora - Crystal disse e Lily fez biquinho.

- Não quero! Quero ficar mais com a Lia!

- Eu preciso ir pra casa agora. Meu pai está com saudades de mim.

- E a sua mãe? - ela perguntou e Crystal pigarreou.

- Ela também. Voltaremos a nos ver, ok?

- É, mãe?

- Claro, querida. Com certeza voltaremos a nos ver.

- Eba! Me dá um abraço, Lia!

Me agachei e a abracei. Ela tinha um cheiro gostoso de morango. E seus cabelos cacheados eram bastante macios.

Tornei a ficar de pé e eu e a Crystal nos encaramos.

Pensa num momento desconfortável. Multiplica por mil. Soma com 777 e eleva ao cubo. Pronto. Isso resume um pouco daquele momento.

Ela sorriu e eu encolhi os ombros.

- Acho que é hora de dizer adeus.

- Espero que esteja tudo bem entre nós outra vez - Ela disse e me entregou seu cartãozinho.

- Relaxa, é apenas um novo começo. Daremos um jeito.
Ela sorriu outra vez.

- Abraço?

- Abraço.

Nos abraçamos e eu senti que ela chorava em meu ombro. Como foi bom sentir seu abraço outra vez. Como foi bom sentir aquele cheiro único de mãe que eu já não sentia há tanto tempo. Eu sentiria saudades da Crystal.

Outra vez.

(CONCLUÍDA) Eu, você e meu Guarda-Chuva Vermelho.           Onde histórias criam vida. Descubra agora