Prefácio

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Antes de tudo, era apenas eu.

Antes dele, era tudo.



           Os minutos de espera davam lugares a horas. O tecido negro a absorver todo o calor exterior para o meu corpo, provocando-me suores. Sentei-me à cerca de dois minutos desde a última vez que tivera de correr até à casa de banho mais perto desta ala hospitalar. Os sapatos altos maltrataram os meus pés, provocando-me o ardor na planta dos mesmos. Tudo aqui estava desconfortável.

– Matilde Moreira Silva? – os altifalantes anunciam, e eu levanto-me num pranto, logo sentindo uma tontura apoderar-se de mim.

Equilibrando-me de novo, segui até ao consultório. Os acontecimentos desta manhã ainda não haviam deixado o meu emocional estabilizar-se, e eu sei que estava prestes a saber mais uma notícia arrasadora. Mesmo a mais de trezentos quilómetros daqui os meus pais conseguiram sentir que algo se passava e obrigaram-me a ser consultada e realizar todos os exames possíveis.

– Boa tarde, sente-se por favor. – uma doutora jovem indica-me, sentando-se também ela. – O que a traz aqui? – engoli em seco, preparando-me para enumerar todos os sintomas.

– Eu tenho-me sentido um pouco mais nauseada que o normal, uns suores e tremores bastante estranhos e dores de cabeça momentâneas, mas fortes – declaro, sentindo o olhar avelã analisar-me atentamente.

– Compreendo. Está a tomar medicação, neste momento? – nego. – Tem feito análises regulares? Exames médicos? –

– Todos os anos – ela eleva a sua sobrancelha, e logo depois solta um pequeno riso.

– Sente dor quando aplica força no seu abdómen? –

– Um pouco, sim. –

– E sensibilidade? Tem-se sentido mais suscetível emocionalmente a alguns aspetos que antes não? – Drª. Francisca ia enumerando e encaminhando a conversa para algo mais profundo.

– Sim, mas... O que está a querer dizer com isso? – sinto o ardor no meu olhar voltar a dar origem a pequenas lágrimas que obrigo a não saírem.

– Vou pedir-lhe que se deite sobre aquela maca e coloque a sua camisa para cima, por favor. – sem contestar, assim o fiz, ainda que com medo dos resultados. – É um procedimento bastante comum quando recebo jovens ainda confusas – vi que ela aplicava gel sobre toda a minha barriga, e em seguida um aparelho vagueava por aquela zona.

– Isto quererá dizer que...? – começo a associar ideias, e quero entrar em negação para esta situação.

– O que a Matilde está a pensar, sim. Muitas de vocês têm medo de deduzir, por isso recorrem aos serviços de saúde que acabam por confirmar a situação em que se encontram. – olho para a minha barriga, sentindo uma onda de frio passar pela mesma. – Como vê ali, está a formar-se um ser humano pequeno dentro de si. –

– Como? – não consigo assimilar tudo em apenas um dia. Demasiadas emoções.

– Quer que lhe explique como se fazem bebés? – nego, repetidamente com movimento da minha cabeça. – Quantos anos tem, Matilde? Vai ser mãe pela primeira vez? –

– Vinte e dois – digo, com algum receio.

– E este bebé? Tem direito a um pai? – ela toca no meu ponto fraco, e eu sinto lágrimas deslizar pelo meu rosto, que aquece demasiado rápido. – Desculpe, não era minha intenção deixá-la nessa posição frágil. Passa-se algo? Quer participar uma denúncia? – nego, e suspiro, tentando acalmar a minha respiração.

– Eu acabei de vir do seu funeral – A Drª. Francisca abre a sua boca de espanto e limpa o gel daquela extensão de pele.

A conversa cessou. Por momentos. Recebi todos os conselhos dados nesta altura, e no fim, sai do edifício já com data marcada para o meu regresso.



À uns tempos atrás, era apenas eu e ele, naquele jardim.

Hoje, restava-me a mim mesma.

No final do dia, reencontrei a minha razão de viver.


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Estou muito entusiasmada! A dar o meu melhor para evoluir neste novo degrau que subi como escritora!

Obrigada a quem está desse lado, beijinhos <3

(desa)sossegoOnde histórias criam vida. Descubra agora